Eurico Teles (à esq.) e Carlos Brandão, da Oi: fim das brigas judiciais (André Valentim/Exame)
Denyse Godoy
Publicado em 14 de fevereiro de 2019 às 05h52.
Última atualização em 14 de fevereiro de 2019 às 05h52.
Em sua sala de reuniões no edifício-sede da Oi, na zona sul da capital fluminense, o presidente da operadora de telefonia, Eurico Teles, pendurou seu mais caro troféu. É uma fotografia emoldurada mostrando o placar da votação do plano de recuperação judicial da empresa na decisiva assembleia de dezembro de 2017: 99,56% dos credores aprovaram a proposta relativa à administração, dali em diante, de uma dívida de 64 bilhões de reais. Pouco mais de um ano depois, a Oi chegou ao ponto crucial de seu projeto de reestruturação, no fim de janeiro, ao receber dos acionistas um aporte de 4 bilhões de reais para voltar a investir na operação. “A companhia está como um avião colocado na posição de decolar. Tudo que propusemos no plano foi cumprido e agora estamos preparados para honrar o compromisso com nossos investidores”, diz Teles. Deixar o período mais turbulento da recuperação judicial para trás é um feito e tanto. Fazer a Oi voar alto já são outros quinhentos.
Teles virou presidente da Oi em novembro de 2017. Dias depois, o juiz Fernando Viana, da 7a Vara Empresarial do Rio de Janeiro, que supervisiona o plano de recuperação judicial, indicou-o como interventor da empresa e líder da reestruturação. Assim que assumiu, Teles preparou um programa de pagamento para 54.000 credores, incluindo fundos estrangeiros que detinham cerca de 30 bilhões de reais em créditos. A situação era caótica: fornecedores e investidores queriam receber seu dinheiro e Teles tinha de garantir a continuidade de uma companhia que empregava cerca de 50.000 trabalhadores. Ainda precisava apaziguar acionistas em pé de guerra para não ser diluídos no processo. O grupo desses investidores descontentes era liderado pela Pharol, holding resultante de uma divisão da operadora Portugal Telecom que se fundiu com a Oi em 2014. Teles conseguiu aprovar o plano com a votação da qual tanto se orgulha, apesar de a Pharol seguir questionando na Justiça os rumos que a empresa tomava. A Pharol não deu entrevista.
Fortalecido pelos êxitos que o plano de reconstrução da Oi vinha conseguindo, Teles partiu para o tudo ou nada. No início do mês passado, pediu para se encontrar com Luís Palha, presidente do conselho de administração da Pharol. Disse que a Oi precisava que as brigas acabassem para conseguir se concentrar na recuperação. As ações na Justiça consumiam muito tempo e energia da companhia e de sua administração. Em menos de uma semana, a bandeira branca foi levantada e um acordo foi anunciado em 9 de janeiro. A Oi comprometeu-se a pagar 25 milhões de euros à Pharol e a lhe entregar 34 milhões de ações em tesouraria em troca da extinção de todos os litígios no Brasil e no exterior e de apoio para a fase seguinte do plano de recuperação judicial.
Três semanas depois, a operadora anunciou a conclusão de um aporte de capital segundo o qual seus acionistas injetaram 4 bilhões de reais na companhia para investimento em melhorias na operação. A Oi que sai das cordas pós-aumento de capital é uma empresa com capital mais pulverizado. A Pharol, que chegou a ter uma fatia de cerca de 30% na Oi, ficou com menos de 5%. Agora, os acionistas mais relevantes são os fundos GoldenTree Asset Management, de origem americana, com participação de cerca de 16%; York Global Finance, britânico, com 11,5%; e Solus Alternative Asset Management, com 3,7%. “Todos felizes? Todos felizes. Todos confortáveis? Zero confortáveis”, diz Carlos Brandão, diretor financeiro da Oi. Confortáveis ou não, é hora de ir à luta.
O primeiro passo é reverter a tendência de queda da receita e do número de clientes. Entre 2016, ano do pedido de recuperação judicial, e 2018, até o terceiro trimestre, a operadora perdeu 7,6% dos clientes residenciais, ficando com 15 milhões, e viu a base de clientes móveis encolher 8,5%, para 36,4 milhões. Entre o terceiro trimestre de 2016 e o mesmo período de 2018, o faturamento recuou 14%, para 5,6 bilhões de reais. “Essa queda foi um baque muito grande. Estávamos competindo com a Vivo, com a TIM, com a Claro, todas empresas de matriz no exterior que viam os investimentos automaticamente aumentar quando o câmbio se desvalorizava”, diz Teles. A Oi, vale lembrar, foi formada com base na compra da Brasil Telecom, em 2009, pela Telemar (uma das empresas resultantes da divisão do sistema Telebras em 1998).
Em meio às turbulências, a Oi investiu menos do que precisava para expandir a rede e acompanhar as mudanças tecnológicas, um pecado mortal no mercado de telefonia. O cerne da estratégia da Oi para recuperar terreno é substituir sua rede de fiação de cobre por fibra óptica, que leva serviços de telecomunicação fixa para residências e empresas, e apostar na tecnologia móvel 4,5 G. Depois de investir 5,5 bilhões de reais em 2017, a empresa aplicou 6 bilhões no ano passado e prevê desembolsar mais 7 bilhões em 2019, usando o aporte de 4 bilhões e parte relevante do caixa de 5,2 bilhões de reais, conforme dados do terceiro trimestre de 2018. “Passamos anos investindo menos do que a demanda justificaria, e agora estamos tentando recuperar esse tempo”, diz Brandão. “Mas o dinheiro tem de ser muito bem gasto.”
Com o apoio da consultoria de gestão americana Oliver Wyman, a operadora está mapeando as 300.000 microrregiões em que atua para decidir onde focar os novos investimentos em fibra óptica. O critério é apenas um: potencial de retorno. A localidade escolhida pode ser uma à qual as grandes rivais ainda não chegaram, e onde, portanto, a Oi conseguiria conectar mais clientes à sua rede. Ou então uma área em que a rede de cobre esteja muito degradada e eleve demais os custos de manutenção, para não mencionar o risco de perda de clientes por questões de qualidade do sinal. Esse projeto já está em andamento. A companhia espera aumentar o número de pontos de acesso (home passed, no jargão do setor, o lugar mais próximo da casa ou da empresa para conexão à rede) em 10 milhões no triênio que se encerra em 2020 — no ano passado, instalou 1 milhão de pontos.
Levar a fibra até a porta do cliente potencial é apenas parte do trabalho, entretanto. A outra é convencê-lo a assinar o serviço. Para isso, a Oi está tornando seus esforços de marketing e propaganda mais agressivos. Desde o final de 2018, colocou no ar uma nova campanha estrelada pelo influenciador digital Whindersson Nunes. A operadora projeta que suas medidas vão começar a dar resultados, no lado dos serviços móveis, já neste ano, e em 2020 no segmento de fibra óptica.
Para bancar o plano de investimentos no médio prazo, a Oi vai vender ativos. Contratou a consultoria de estratégia Boston Consulting Group para avaliar que bens e negócios vender, com a ajuda do banco de investimento Bank of America Merrill Lynch. As alternativas ainda estão em discussão. No começo de fevereiro, o banco de investimento BTG Pactual sugeriu que a operadora deveria se desfazer de todo o seu negócio de telefonia móvel. “A Oi tem um grande potencial no negócio de fibra óptica. A extensão de sua rede lhe dá mais oportunidades de mercado — mais áreas para atacar”, escreveram os analistas Carlos Sequeira e Bernardo Teixeira em relatório a clientes. “Do lado negativo, a marca da Oi sofreu muito nos últimos tempos.” O negócio de banda larga fixa é o único que não está na prateleira. Todo o restante — incluindo as unidades em Cabo Verde e Angola, as torres de transmissão, os imóveis e os data centers — pode ser vendido.
Para a Oi (e para as demais operadoras), a alteração na Lei Geral de Telecomunicações (PLC 79) que vem sendo discutida no Congresso desde o início de 2018 daria um bom empurrão. A principal proposta é dar mais liberdade para as empresas decidirem como fazer seus investimentos. Em vez de gastar um percentual determinado por lei em telefonia fixa, poderiam colocar todo o dinheiro em banda larga. Atualmente, segundo a consultoria EY, as operadoras brasileiras investem 28 bilhões de reais por ano. Com a mudança, poderiam gastar 20% mais, e no que importa. Cada 20 bilhões de reais colocados em serviços de telecomunicações resultam em impacto positivo de 58 bilhões de reais na economia, segundo a consultoria.
No ano passado, outra mudança regulatória corrigiu um anacronismo. Obrigada a cuidar da manutenção de aproximadamente 640.000 orelhões Brasil afora, com gastos de 300 milhões de reais por ano, a Oi e suas concorrentes passaram a ser obrigadas a manter os aparelhos somente em áreas com até 300 habitantes. “O Brasil está vivendo, só agora, avanços legais em resposta à disseminação de novas tecnologias”, diz Renato Pasquini, diretor da consultoria especializada em telecomunicações Frost & Sullivan no Brasil. A Oi vai ter de avançar muito em poucos anos se quiser continuar nessa corrida.