Revista Exame

Fundação Renova corre para reparar tragédia do Rio Doce

Um ano depois de ser criada para reparar os danos da Samarco à Bacia do Rio Doce, a Fundação Renova corre contra o tempo para cumprir prazos

Ruínas de Bento Rodrigues, em Minas Gerais: cerca de 200 famílias aguardama reconstrução da vila | Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo /

Ruínas de Bento Rodrigues, em Minas Gerais: cerca de 200 famílias aguardama reconstrução da vila | Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo /

RV

Renata Vieira

Publicado em 24 de agosto de 2017 às 05h55.

Última atualização em 24 de agosto de 2017 às 16h40.

Enquanto caminha pelas ruínas de Bento Rodrigues, pequeno vilarejo no interior de Minas Gerais, Antônio Alves descreve, com rigor de detalhes, a paisagem existente até um ano e oito meses atrás. A Igreja de São Bento, o famoso bar do Barbosa, o quintal de cada um dos vizinhos, o terreno da horta compartilhada. É como se a espessa camada de lama seca não escondesse quase tudo entre as construções destelhadas. Ali ele viveu 50 de seus 71 anos, ergueu a própria casa, constituiu família e começou a criar dois netos.

Do dia 5 de novembro de 2015, quando a onda de rejeitos da barragem da mineradora Samarco cobriu o vilarejo, Alves tem memórias dolorosas. Uma delas: não ter conseguido salvar os cinco cachorros. Não pôde desamarrá-los antes que a lama chegasse à esquina de sua casa e o obrigasse a correr. A reportagem de EXAME acompanhou Alves em sua segunda visita a Bento Rodrigues desde a tragédia. Na casa de quatro cômodos, tudo está do mesmo jeito. Engessados na lama, caixas de remédios, roupas, louças quebradas e as ferramentas que usava como pedreiro. Hoje, ele mora numa casa alugada pela Samarco em Mariana, cidade vizinha de seu antigo endereço. Para Alves, o compasso é de espera. “Meu medo é morrer antes de Novo Bento ficar pronta”, afirma.

Alves refere-se ao local onde a vila de Bento Rodrigues será reconstruída, num terreno a 15 quilômetros dali. Assim como os filhos e os netos de Antônio Alves, cerca de 200 famílias aguardam uma nova casa há quase dois anos. O terreno escolhido pelos próprios moradores continua coberto de mato, já que ainda não há licença ambiental nem alvará da prefeitura para o início das obras.

Há temores de que a Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais, responsável pela concessão da licença, rejeite o pedido num primeiro momento pela alta declividade do terreno. Isso exigiria a movimentação de milhares de metros cúbicos de terra para aplainar a área. A proximidade de um aterro também pode emperrar o processo. Ainda assim, o prazo oficial para a entrega das casas é março de 2019. Enquanto isso, essas e outras cerca de 8 000 famílias atingidas vivem do auxílio financeiro de emergência, de aproximadamente 1 200 reais por mês.

Lidar com o drama pessoal e a pressa de cada uma dessas famílias é atribuição da Fundação Renova desde agosto do ano passado. Criada para ser uma instituição autônoma, independente e sem fins lucrativos, a Renova é resultado de um acordo preliminar entre a mineradora Samarco, suas controladoras — a brasileira Vale e a australiana BHP Billiton —, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, o governo federal e diversos órgãos ambientais, assinado em março de 2016.

A ela foi dada a responsabilidade de implementar e gerir ações para recuperar a Bacia do Rio Doce, por onde escorreram quase 40 milhões de metros cúbicos de lama ao longo de 650 quilômetros. Dezenove pessoas morreram. Estima-se que cerca de 16 000 famílias tenham sido diretamente impactadas e mais de 700 delas perderam a casa nas proximidades da barragem. Quarenta cidades foram atingidas — uma área do tamanho da Áustria. Hoje, com 527 funcionários e um orçamento previsto de cerca de 20 bilhões de reais a ser custeado pela Samarco e suas controladoras até 2030, a fundação tem 42 programas para executar nesse período — desde a indenização das populações afetadas até o reflorestamento das margens dos rios e dos córregos que cortam a região.

Desde 2015, cerca de 2,3 bilhões de reais foram desembolsados, a maior parte diretamente pela Samarco, em ações emergenciais. Cerca de 4,4 bilhões deverão ser investidos pela Renova em seus três primeiros anos de atuação, até 2019. É dinheiro que já ajudou a recuperar, por exemplo, boa parte da pequena Gesteira, distrito do município de Barra Longa, em Minas Gerais. As estradas sinuosas que levam até lá ainda conservam sinais do mar de lama, sobretudo na parte rural. Mas a escola de educação infantil foi reconstruída e entregue em dezembro do ano passado, assim como a maioria das casas do centro de Barra Longa.

Viveiro em Aimorés, em Minas Gerais: espécies nativas para reflorestar nascentes do Rio Doce | Henrique Donadio

Com pouco mais de um ano de existência, a Renova vive às voltas com questionamentos do Ministério Público Federal, de parte das comunidades atingidas e de movimentos sociais ouvidos por EXAME em dez cidades e distritos mineiros e capixabas. Um levantamento preliminar encomendado pelo MPF, ao qual EXAME teve acesso exclusivo, mostra que, até abril deste ano, parte dos programas que deverão ser finalizados até 2018 pela Fundação Renova não havia chegado à metade dos resultados previstos.

Como faltam 16 meses até o término do prazo, ainda é cedo para dizer se tudo estará pronto. Mas há quem desconfie. “Decisões cruciais, como o manejo dos rejeitos, já deveriam ter sido tomadas”, diz José Adércio Sampaio, procurador do MPF em Minas Gerais. Segundo Roberto Waack, presidente da Renova, há alguns atrasos, mas os prazos estão mantidos. “Não temos soluções de prateleira, portanto, é preciso discutir e experimentar, e infelizmente isso leva tempo”, afirma Waack.

O mesmo estudo mostra que o montante necessário para recuperar a Bacia do Rio Doce poderá ser três vezes maior do que o valor acordado entre as empresas e o governo até agora. Boa parte do orçamento adicional seria destinada aos programas de infraestrutura e de restauração florestal. A nova conta, porém, ainda está em análise e poderá, inclusive, ficar maior. É uma discussão que nasceu logo após o desastre. As discordâncias começaram já na definição do valor a ser pago pela Samarco em indenizações e programas de recuperação, quando a fundação ainda não havia sido concebida.

Em maio de 2016, o MPF ajuizou uma ação civil pública contra a Samarco e suas controladoras exigindo 155 bilhões de reais para reparação dos danos, valor quase oito vezes maior do que o acordado entre as empresas e o governo. Na época, os procuradores se valeram de uma comparação com o caso da petroleira British Petroleum. Em 2010, uma explosão de uma de suas plataformas nos Estados Unidos, a Deep Horizon, que operava no Golfo do México, derramou 4,9 milhões de barris de petróleo no mar e matou 11 pessoas. Os danos foram calculados em 44 bilhões de dólares — o equivalente a cerca de 155 bilhões de reais.

Por ora, o Ministério Público, que ainda não reconhece o acordo de 20 bilhões assinado em 2016, negocia com as empresas a assinatura de um acordo final, que reveja os impactos causados pelo rompimento da barragem e o investimento necessário à reparação. “O relatório é um instrumento de suporte à ação civil pública, e não um documento técnico independente”, diz a nota enviada pela Samarco a EXAME. “Além disso, a análise contém relevantes falhas técnicas e legais. O relatório extrapola o disposto na legislação ambiental brasileira, que determina a restituição do meio ambiente ao estado anterior ao evento, ao recomendar a implementação de medidas que pretendam resolver déficits históricos da região afetada não vinculados ao acidente.”

Parte das dificuldades nas negociações está no próprio ineditismo do desastre e também na concepção da fundação. No Golfo do México, não houve intermediários entre a BP e o governo americano para conduzir a recuperação da costa nos cinco estados atingidos. Do lado da Renova, a explicação para a existência de uma fundação está no tamanho do impacto e na quantidade de afetados, o que demandaria uma ação em conjunto e com ampla participação da sociedade civil.

Já o Ministério Público vê a criação de uma intermediária como forma de proteger as empresas, desvinculando a imagem delas do desastre, e tornando-a obstáculo jurídico na cobrança dos programas e dos prazos. À frente da fundação, Waack — biólogo e administrador, com passagens por empresas privadas, como a Amata, do setor florestal, e de -ONGs internacionais, como a WWF — tem de lidar com 150 interlocutores, entre representantes do governo, da Justiça, das empresas responsáveis pelo rompimento da barragem, das comunidades e das universidades. Neste ano, foram realizados mais de 1 500 encontros com as populações atingidas, numa média de 130 por mês.

REPRESENTATIVIDADE

Mas, após uma tragédia de tal magnitude, é virtualmente impossível achar soluções de consenso, por mais reuniões que se façam. Para começo de conversa, o peso de cada um dos grupos afetados nas tomadas de decisão é obviamente diferente: afinal, são 150 entidades. O conselho curador da fundação, que aprova as propostas da diretoria, é formado majoritariamente por pessoas indicadas por Samarco, Vale e BHP.

Os atingidos têm cinco assentos no conselho consultivo da fundação, fato que é motivo de críticas por parte do Ministério Público, dada a diferença de poder de decisão entre as duas instâncias. “Além de alocar recursos, as empresas escolhem quem dirige e quem trabalha para a fundação”, afirma o procurador José Adércio Sampaio, do Ministério Público Federal. A impressão de que a Renova é só um braço da Samarco é algo que Waack tem lutado para mudar. Hoje, 66 dos 527 funcionários da Renova são egressos da Samarco e de suas controladoras. Em junho do ano passado, eles compunham 100% do quadro de funcionários. A expectativa é que ex-funcionários das mineradoras ocupem uma fatia máxima de 10% do quadro até o final deste ano. Um sistema de governança que dê mais poder de decisão às comunidades atingidas também está em discussão.

Por ora, ainda há muita desconfiança entre as partes. Em alguns casos, os representantes dos atingidos se negam a discutir com conselheiros, dirigentes e coordenadores da fundação. Três dos cinco assentos destinados aos atingidos no conselho consultivo, subordinado às decisões do conselho curador, estão vazios — todos relacionados às cidades mineiras prejudicadas.

As disputas judiciais acirram ainda mais os ânimos. Em agosto, a Justiça Federal suspendeu a ação criminal contra 22 pessoas — incluindo o ex-presidente da Samarco Ricardo Vescovi — por 19 mortes causadas pelo rompimento da barragem, sob a alegação de que escutas telefônicas obtidas ilegalmente foram usadas no processo. Das 68 multas ambientais devidas pela Samarco ao governo federal e aos governos estaduais, que somam 552 milhões de reais, apenas 1% foi pago — 67 estão sendo contestadas pela empresa na Justiça. “Sem representatividade nas decisões da fundação, não queremos participar”, afirma Luzia Queiroz, líder da Comissão dos Atingidos de Mariana.

No Espírito Santo, o diálogo está fluindo melhor, e as cadeiras já foram ocupadas. “Existe uma diferença entre o tempo de nossa espera e o tempo de execução da Renova contra a qual não há o que fazer, apenas colaborar para que as coisas aconteçam”, afirma Andrea Anchieta, moradora do município de Povoação, no Espírito Santo, e uma das representantes da comunidade no conselho consultivo da Renova. “É normal e legítimo que o grau de confiança das comunidades varie, e só há uma forma de transpor isso: realizando”, afirma Waack.

Escola em Gesteira, em Minas Gerais: entre os prédios reerguidos depois da onda de lama | Henrique Donadio

LONGO CAMINHO

Para dar conta de mapear os milhares de pessoas atingidas pelo rompimento da barragem e contabilizar as perdas, a Fundação Renova começou a aplicar um formulário de cadastramento. Mas ainda hoje não há um cadastro completo dos afetados pela tragédia. A previsão é que fique pronto até 2019. Segundo o levantamento feito a pedido do Ministério Público, 30% do trabalho está concluído.

Em outubro, as comunidades ganharam na Justiça o direito de ser assessoradas por instituições independentes no preenchimento. “Como captar todas as perdas e os danos sofridos sem levar em consideração o modo de vida e a percepção das vítimas sobre suas perdas?”, disse em nota a ONG Cáritas Brasileira de Minas Gerais, braço de promoção dos direitos humanos da Igreja Católica.

A Cáritas foi a escolhida pelos moradores dos distritos de Bento Rodrigues e Pacaratu, na região de Mariana, para fazer um levantamento dos bens perdidos pelos atingidos e de suas fontes de renda, bem como para auxiliar a Renova na reformulação da metodologia de cadastramento. Ela receberá 9 milhões de reais da Samarco para prestar o serviço e, entre outras coisas, contratar consultorias especializadas em produção rural e arquitetura por quatro anos. A Cáritas já contabilizou 80 casos de atraso no pagamento de aluguéis e negativas de ajuda financeira e de fornecimento de alimentação animal a proprietários rurais que perderam as pastagens.

A Renova alega que, de fato, durante o período de transição de contratos entre a Samarco e a fundação, houve atrasos em aluguéis, que já foram solucionados. Nas propriedades rurais, os pedidos de fornecimento de silagem têm sido atendidos. Até agora, a Renova concluiu mais de 22 000 cadastros em seus moldes. A meta é chegar ao fim do ano com 25 000 pessoas cadastradas.

Outras indenizações estão mais adiantadas, como a realizada pelo desabastecimento de água imposto pela lama. Em cidades como Governador Valadares, o nível de turbidez — indicador do grau de impureza — da água do Rio Doce bateu uma marca 5.000 vezes maior do que a comum, entupindo estações de captação e tratamento por sete dias logo após o acidente. Cada morador desabastecido em Valadares e em Colatina, no Espírito Santo, será ressarcido em 1 000 reais pela Fundação Renova. Cerca de 80.000 pessoas já receberam a indenização, e outras 320 000 estão aptas a recebê-la.

Ainda assim há alguns percalços. Nesse caso, a informalidade tornou-se uma pedra no sapato da fundação. Ela leva tempo considerável avaliando a veracidade das informações declaradas pelos moradores e precisou flexibilizar a exigência de documentos para indenizar mais gente, já que 40% dos moradores não conseguiam comprovar moradia. Não são raros os casos de fraude: técnicos responsáveis pelo programa de indenização pela água já encontraram comprovantes de residência fraudados por moradores do estado da Bahia. Casos semelhantes ocorreram em Povoação e Regência, no Espírito Santo, onde pescadores alegaram ter perdido uma renda muito acima da que de fato tinham. Com tudo isso, o tempo de análise acaba atrasando o ressarcimento de quem realmente foi prejudicado.

Essa é a dificuldade enfrentada pelo pescador Leônidas Carlos, de 70 anos, morador de Regência, no litoral capixaba. Sua renda, que era de 5.000 reais por mês, hoje está reduzida aos 1.200 reais de auxílio mensal provido pela Renova. A dúvida que ainda paira sobre o impacto da lama nos peixes impediu Leônidas e outras dezenas de pescadores da comunidade de trabalhar, tanto no Rio Doce como em sua foz, junto ao mar. Para tentar amenizar essa lacuna, a Fundação Renova vai tornar viável, a priori, a produção de tilápias em cativeiro para 12 famílias da área.

Doze tanques d’água já foram instalados e, em seis meses, cada um deles deverá produzir 600 quilos de peixes e pôr de volta parte dos pescadores no mercado. Por ora, as máquinas de processamento e armazenamento de peixes da associação de pescadores de Regência continuam paradas. “No direito ambiental, o princípio da precaução é soberano e infelizmente paralisou a vida de muitos na região”, diz Mônica Bermudes, promotora da Vara de Justiça e Meio Ambiente do Ministério Público Federal no Espírito Santo. A Fundação Renova instalou 22 estações automáticas de monitoramento ao longo do Rio Doce, mas não há previsão de laudos definitivos sobre a liberação da pesca.

Toque para ampliar

Impasses também atrasam a decisão acerca do rejeito de minério de ferro depositado no fundo dos rios. Não há consenso técnico sobre a melhor forma de manejar o rejeito. Deixar que a natureza depure o material pode causar menos estrago que obras de dragagem. Mas, dependendo do nível de assoreamento de certos trechos, a dragagem pode ser a melhor saída. “É a primeira vez que uma situação desse tipo acontece. Não há fórmula pronta”, diz Marcelo Belisário, superintendente do Ibama em Minas Gerais, responsável pelo acompanhamento do caso.

Apesar de não estar totalmente resolvido, o problema da lama está sob controle. Os diques construídos pela Samarco logo abaixo da barragem estourada impediram novos vazamentos. Nos córregos que desaguam nos rios Gualaxo do Norte e do Carmo, afluentes do Rio Doce, a melhora já é perceptível. Mas, nas calhas principais, que foram via de descida dos rejeitos ao leito do Rio Doce, a água que corre ainda é barrenta — não só pela lama de Fundão mas também pela exploração mineral precedente no entorno e próxima às nascentes por anos a fio.

O cenário se agrava, sobretudo, durante períodos chuvosos, quando os sedimentos depositados no fundo do rio são revolvidos pela correnteza. E não é pouco. Desde a área da Samarco até a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, mais conhecida como Candonga, no município de Rio Doce, estima-se que ainda estejam espalhados cerca de 20 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro. Para voltar a operar, a usina precisa ser dragada, mas ainda não há definição sobre o local que abrigará os rejeitos retirados. O uso do terreno eleito para esse fim, conhecido como Fazenda Floresta, depende de algumas burocracias, como a liberação de um alvará da prefeitura.

Rejeitos em Barra Longa, em Minas Gerais: os diques construídos pela Samarco impediram novos vazamentos | Henrique Donadio

Não é tarefa simples determinar onde termina o impacto causado pela Samarco à Bacia do Rio Doce e onde começa a degradação histórica na região. Exemplo disso é o índice médio de tratamento de esgoto nos 228 municípios da bacia, que gira em torno de 15%. Isso significa que um percentual altíssimo do esgoto gerado pelas cidades é despejado diretamente no Rio Doce e em seus afluentes. No município mineiro de Governador Valadares, é possível atravessar trechos do Rio Doce a pé em períodos de estiagem, tamanhas as ilhas de assoreamento entre uma margem e outra. A cidade, a maior da bacia hidrográfica, não trata nem uma gota de esgoto antes de lançá-la ao rio.

O desmatamento também é um vilão antigo. Ampliado após a abertura da Ferrovia Vitória-Minas, que liga o Porto de Vitória ao interior mineiro, na segunda metade do século 19, ele tomou força com o aumento de pastagens ao longo da bacia. Hoje, a vegetação remanescente de Mata Atlântica na área é de apenas 5%. Uma das atribuições da Renova é reflorestar, além dos 2 000 hectares que a lama da Samarco destruiu, outros 40 000 hectares — desde áreas de mata ciliar até áreas de recarga de lençóis freáticos em topos de morros. “Desenhamos durante 15 anos uma série de programas de revitalização do Rio Doce, mas não havia recursos nem mão de obra suficiente para isso”, afirma Senisi Rocha, membro do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Doce. “Agora, há a chance de tornar a bacia melhor do que ela era antes do desastre, com os recursos da Renova.”

Toque para ampliar

Toda a restauração será feita em propriedades privadas, o que requer um trabalho delicado de convencimento de produtores rurais. Um dos programas dessa frente está sendo tocado em parceria com o Instituto Terra, do fotógrafo Sebastião Salgado, instituição que é referência em restauração florestal no Brasil e no mundo e é financiada, entre outros patrocinadores, por uma das acionistas da Samarco, a Vale. Juntamente com os técnicos do Terra, os técnicos da Fundação Renova já convenceram 215 produtores a cercar 511 nascentes de água em suas propriedades, impedindo a degradação dessas fontes pelo carreamento de sedimentos ou pelo pisoteio do gado.

Para as primeiras 500 nascentes cercadas, o viveiro do Instituto Terra já tem mais de 300.000 mudas em produção. O objetivo é reflorestar 5.000 fontes de água até 2026. “Os produtores locais já percebem o agravamento da seca na região”, diz Almir Jacomelli, líder de operações agroflorestais da Renova. É o caso do produtor Elias Peixoto, de 49 anos, dono de 10 hectares na região montanhosa de Pancas, no Espírito Santo, distante da calha do Rio Doce, mas fundamental para garantir a vazão de seus afluentes. Elias recebeu 1.600 reais para cercar a fonte d’água que nasce em sua propriedade e agora contará com assistência técnica para produzir de forma sustentável. “Entendi que o que faço aqui tem influência longe daqui”, afirma.

O plantio deverá começar em outubro. “Não adianta sair plantando milhões de hectares de árvores que podem morrer no ano seguinte”, diz Waack. A espera, em alguns casos, é inevitável. O que não alivia a angústia dos milhares de cidadãos que tiveram a vida virada do avesso pela lama no dia 5 de novembro de 2015.

Acompanhe tudo sobre:Exame HojeMariana (MG)SamarcoSustentabilidadeVale

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda