Revista Exame

Empresas também precisam fazer seus ajustes fiscais

O governo da presidente Dilma Rousseff corta custos para tentar reequilibrar suas contas — e, até que vejam sinais de melhora da economia, as empresas devem fazer o mesmo, segundo uma pesquisa de Melhores e Maiores com 120 dirigentes empresariais

Sergio Habib, da Jac Motors: rede de concessionárias menor e preocupação com a estagnação da economia (Germano Lüders / EXAME)

Sergio Habib, da Jac Motors: rede de concessionárias menor e preocupação com a estagnação da economia (Germano Lüders / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 10 de julho de 2015 às 05h56.

São Paulo - O ministro da fazenda, Joaquim Levy, chegou ao governo sob a desconfiança de muitos de seus pares de que seria um tucano camuflado — embora já tivesse sido secretário do Tesouro Nacional no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Estranho no ninho ou não, Levy recebeu a tarefa de tornar possível o ajuste fiscal, uma das missões-chave do início da segunda gestão da presidente Dilma Rousseff. Ele passou boa parte do primeiro semestre de 2015 trabalhando para convencer a base aliada daquilo que o PT, meses antes, dizia ser intriga da oposição: mais do que recomendável, a arrumação das contas públicas passara a ser inadiável.

Nessa empreitada, Levy teve de dizer a congressistas e membros do governo que já não havia mais como deixar para depois medidas impopulares, como cortes de gastos sociais, redução de investimentos e aumento de impostos. Em 2014, durante a campanha eleitoral, Dilma negou repetidas vezes que, em um eventual segundo mandato, ela teria de fazer um ajuste profundo. Passada a eleição, a vida real falou mais alto.

O momento é de economia desaquecida e de cortes de despesas — e não apenas na esfera pública. De maio a junho, MELHORES E MAIORES ouviu 120 dirigentes de grandes empresas para conhecer seus prognósticos para a economia e as alternativas que eles têm para que suas próprias companhias continuem a crescer — ou pelo menos se manter rentáveis.

Do levantamento, saltam aos olhos as respostas sobre o que as empresas fizeram recentemente ou planejam fazer nos próximos meses: metade dos entrevistados disse que está demitindo e adiando investimentos (as questões foram de múltipla escolha). Pudera: a economia cresceu só 0,1% no ano passado e as previsões dos analistas para o desempenho em 2015 já variam de 1,5% a 2% negativos, refletindo as decisões de corte de emprego e represamento de projetos.

“O momento é de incerteza, tanto econômica quanto política”, diz o ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero. “Não se sabe se o governo vai sair vitorioso nas negociações com o Congresso para fazer os ajustes necessários, e isso afeta as decisões das empresas.”

Os comandantes empresariais aguardam uma arrumação das contas públicas. Para 46% dos entrevistados, as medidas do ajuste fiscal — que incluem reduções de benefícios sociais, cortes de gastos do Programa de Aceleração do Crescimento e mais impostos — são corretas e ajudarão o país a voltar a crescer.

Fatores como o aumento do endividamento do governo, a disparada da inflação e a piora do desemprego afetaram diretamente a confiança dos investidores no Brasil. No diagnóstico da maioria dos executivos, a retomada da credibilidade será mais certeira se Brasília mostrar que está perseguindo com afinco a meta de geração de uma economia para a amortização dos juros da dívida.

Seria, afinal, um sinal eloquente de que o país vai honrar seus compromissos. E, assim como atestam que o remédio, ainda que amargo, é necessário, os dirigentes das grandes empresas reconhecem também o papel do ministro Joaquim Levy nessa missão.

Isso ficou evidente na pesquisa de MELHORES E MAIORES. Como Levy é o porta-bandeira dos esforços do ajuste, sua avaliação na elite corporativa é tremendamente positiva. Em uma escala de zero a 10, um total de 74% dos entrevistados deu ao trabalho de Levy à frente do Ministério da Fazenda notas de 7 a 10.

Ainda que seja, em última instância, a responsável pelo ajuste — trata-se, afinal, de medidas encampadas por seu próprio governo —, a presidente Dilma Rousseff está no extremo oposto da avaliação dos empresários. Entre os que responderam à enquete, 80% deram a seu desempenho no segundo mandato notas de zero a 3. Apenas 3% atribuíram à presidente avaliações acima de 6 (sendo que ninguém concedeu a ela notas 9 ou 10).

Pior do que passar pelas dores do ajuste é o risco de que esse processo se alongue e o país demore a voltar a ter dias melhores. Hoje, há dois obstáculos. De um lado, o enfraquecimento da economia atrapalha a arrecadação: segundo os dados da Receita Federal, de janeiro a abril as receitas do governo foram 4,4% menores do que no mesmo período de 2014.

De outro, não tem sido fácil para o ministro Levy aprovar as medidas para reduzir as despesas públicas, algo essencial para atingir a meta de superávit primário proposta, de 1,2% do PIB — até maio, a economia conseguida pela União foi a mais baixa desde 1997 para os cinco primeiros meses do ano. A muito custo foi possível obter apenas uma parte do ajuste previsto.

O governo conseguiu aprovação para as mudanças que restringem a concessão do seguro-desemprego, da pensão por morte e do abono salarial. Mas a economia esperada, inicialmente prevista em 18 bilhões de reais neste ano, será menor. As novas regras foram atenuadas após passar pelo Congresso e devem resultar em corte de 10 bilhões em 2015.

Além de não concordar integralmente com os cortes de despesas, os parlamentares vêm criando novos gastos. No final de junho, os deputados federais aprovaram a extensão dos reajustes do salário mínimo para todos os aposentados, o que aumentaria os gastos em 9,2 bilhões de reais neste ano.

A medida ainda terá de passar pelo Senado (esta edição foi concluída no dia 25 de junho). Mas o mais provável é que o governo tenha de ceder em parte. Foi o que ocorreu em outro rombo causado à Previdência, quando o Congresso votou, em maio, pelo fim do fator previdenciário, indicador que pondera o valor da aposentadoria de acordo com a idade e o tempo de contribuição. Dilma vetou a mudança, mas no lugar implantou a regra 90/100, mais branda que a antiga, acarretando um futuro com mais despesas para a Previdência.

Tudo isso contribui para o ceticismo que a pesquisa detectou no meio empresarial. Quase metade dos entrevistados disse que o crescimento do PIB é sua maior preo­cupação para 2015 e 2016.

“Nosso desempenho depende diretamente da confiança no futuro”, diz Sergio Habib, presidente da JAC Motors, marca chinesa de automóveis que já teve 70 revendas no Brasil e fechou metade delas nos últimos dois anos. “Se o consumidor julgar que sua vida financeira estará melhor em 2016, ele vai trocar de carro, e é por isso que as vendas de veículos novos estão 20% abaixo das do ano passado.”

Preveem retração da economia neste ano 88% dos entrevistados, sendo que 47% esperam recuo na faixa de 1% a 2%. Para a maioria, o quadro melhora bem pouco em 2016: 58% apontam um crescimento de no máximo 1 ponto e 13% se preparam para mais recessão.

Mas, ainda que prevejam dias difíceis para o país, muitos executivos mantêm a confiança no desempenho dos negócios. Nada menos que 60% acreditam em crescimento das receitas neste ano e, para 2016, a proporção sobe para 92%. É um aparente contrassenso, mas também ajuda a explicar o estado de espírito do mundo corporativo.

“Mesmo que vejam um cenário ruim para a economia, as empresas estão esperando algum sinal de que o tempo vai começar a melhorar”, diz Roberto Padovani, economista-chefe do Banco Votorantim. “Os cortes não deixam de ser o passo anterior de uma retomada.” De todo modo, até que a maré comece de fato a virar, governo e empresas ainda têm muito a fazer.

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