Revista Exame

Eletropaulo, a empresa que apagou

Habituada a pagar dividendos gordos, a Eletropaulo foi uma estrela da bolsa até 2012. Mas uma redução nas tarifas derrubou o lucro, e as ações despencaram. Agora, uma disputa judicial pode piorar tudo


	Obra da Eletropaulo na capital paulista: 750 milhões de reais em cabos que nunca foram encontrados 
 (Germano Lüders/EXAME.com)

Obra da Eletropaulo na capital paulista: 750 milhões de reais em cabos que nunca foram encontrados  (Germano Lüders/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 16 de julho de 2013 às 20h47.

São Paulo - A AES Eletropaulo, distribuidora de ener­gia elétrica, foi do céu ao inferno em 12 meses. Até junho de 2012, suas ações estavam entre as mais cobiçadas do país. Haviam dobrado de valor desde 2009 e apareciam no topo da lista de indicações dos analistas. Em um momento de mercado instável, a Eletropaulo tinha dois atrativos imbatíveis.

Primeiro, uma receita garantida, que dependia pouco do sobe e desce da economia. Depois, uma generosidade ímpar com seus acionistas. De 2008 a 2011, a Eletropaulo distribuiu 4,5 bilhões de reais em dividendos — 100% de seus lucros. Em julho de 2012, as coisas mudaram, e radicalmente.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que regula o setor, determinou uma redução média de 9,3% nas tarifas da empresa (a decisão foi questionada pela Eletropaulo, e a Aneel deverá responder até julho). Foi o suficiente para a companhia dar uma guinada. O lucro virou prejuízo nos últimos dois trimestres. A ação caiu quase 70% desde então. O pior: a safra de más notícias pode não ter terminado. 

Além de estar no prejuízo, a Eletropaulo está envolvida num impasse que ameaça a companhia. Segundo EXAME­ apurou, a Aneel avalia aplicar uma punição mais dura à Eletropaulo. O risco é que a redução tarifária seja estendida a anos anteriores — ou seja, que a empresa tenha de ressarcir os clientes dando descontos na tarifa atual.

Como se chegou a esse ponto? Antes de recalcular o preço da tarifa, como é praxe a cada quatro anos, a Aneel faz um levantamento de todos os bens e investimentos de cada companhia nos últimos anos. As tarifas são calculadas com base nos ativos totais de cada distribuidora.

Quanto maior o investimento, mais cara pode ser a tarifa. No caso da Eletropaulo, a Aneel descobriu que a empresa dizia ter ativos que, segundo a agência, não eram reais. Cerca de 246 000 metros de cabos de luz, que a Eletropaulo dizia ter instalado, na verdade não existiam.

Foi essa ausência que derrubou o preço da tarifa no ano passado. Como a revisão tarifária estava marcada para 2011 e a Aneel levou um ano a mais do que o previsto para fazer o cálculo, a Eletropaulo cobrou, durante esse ano, mais do que devia. Além da redução de 9,3% na tarifa, portanto, a empresa terá de devolver 750 milhões de reais aos consumidores. Mas as coisas podem piorar.

A Aneel estuda, neste momento, se a inflação de ativos gerou ou não cobranças indevidas ao longo dos últimos dez anos. Se concluir que sim, vai cobrar da empresa indenizações para cada um desses anos. De acordo com estimativas de analistas, cada ano pode custar cerca de 100 milhões de reais à Eletropaulo.

Tudo por causa dos tais cabos que não cabearam nada. “Se houve fraude, não sabemos. O fato é que a empresa não pode cobrar por algo que não existe”, diz Julião Coelho, diretor da Aneel, que conduziu o processo de revisão da tarifa. “Agora, a agência vai julgar se a Eletropaulo deverá devolver também o que cobrou nos últimos anos.”

No pior cenário, as ações da Eletropaulo podem chegar a valer zero, como calculam analistas de grandes bancos (que pediram para não ser identificados, pois ainda não concluíram os relatórios a respeito). A conta é a seguinte: todos os bens da empresa valem cerca de 4,45 bilhões de reais.


Sua dívida está na casa dos 3 bilhões de reais. Somados os 750 milhões de reais que terá de devolver e o 1 bilhão de reais da potencial multa retroativa, as dívidas ultrapassariam o valor de todos os ativos. Ter uma estimativa de patrimônio menor que o total de dívidas não é algo tão incomum.

Empresas como a fabricante de alimentos Marfrig ou a petroleira OGX estão nessa situação há meses — e as ações não valem zero. A diferença é que, como uma distribuidora de energia não pode fazer o que bem entender com suas tarifas e artifícios como campanhas de marketing teriam efeito quase nulo para impulsionar as vendas, sua margem de manobra para sair de uma situa­ção como essa é muito pequena.

Daí o pessimismo de alguns analistas. “A companhia terá de dar uma resposta rápida ao mercado. Seu caixa está sangrando e as questões com a Aneel podem deixar a situação ainda mais difícil”, diz Alexandre Leite, analista da agência de risco Moody’s.

De acordo com diretores da Aneel, o processo no 48500.006159/2012-75, que trata do pagamento retroativo, deverá ser julgado até o fim do ano. Da última vez que um caso semelhante aconteceu, a empresa processada levou a pior.

Foi a Enersul, distribuidora de energia de Mato Grosso do Sul, que teve de devolver 140 milhões de reais aos consumidores devido a diferenças entre o que estava no papel e o que existia de fato em seu conjunto de ativos. O período avaliado foi de quatro anos.

Em sua defesa, a Eletropaulo entregou à agência um levantamento em que mostra que outros ativos teriam ficado de fora do cálculo e que eles seriam suficientes para anular o desconto dos cabos fantasmas.

Para convencer a Aneel, o presidente da empresa, Britaldo Soares, e dois diretores vêm se reunindo mensalmente com a diretoria da agência. A Eletropaulo não concedeu entrevista a EXAME. Caso saia perdedora, a empresa pode recorrer à Justiça. 

Mesmo que novas punições não venham, a Eletropaulo ainda terá de superar uma série de desafios. Em um ano, sua dívida subiu 30%. No início de 2013, foi preciso negociar com os credores um novo teto para o limite de endividamento. Em seguida, outro susto.

A Justiça deu ganho de causa para a Eletrobras em um processo em que cobra da Eletropaulo 1,3 bilhão de reais por empréstimos feitos quase 30 anos atrás. A distribuidora paulista conseguiu suspender a cobrança com uma liminar, mas a decisão está aberta.

Por fim, a Comissão de Valores Mobiliários determinou que a companhia mudasse a forma como calcula as despesas com o fundo de pensão dos funcionários, o que aumentou 2,8 bilhões de reais sua dívida de longo prazo. A vida não está mesmo fácil para a Eletropaulo.

Acompanhe tudo sobre:AESAneelCVMEdição 1043EletropauloEmpresasEmpresas americanasEnergia elétricaLucroPrejuízoServiços

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil