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Eles podem tirar o Japão da UTI?

O primeiro-ministro Shinzo Abe começou seu mandato disposto a reaquecer a economia japonesa. Acontece que apenas estímulo fiscal e tolerância com a inflação não bastam

Shinzo Abe (ao centro) e seu gabinete: novas estratégias para voltar a crescer (The Asahi Shimbun/Getty Images / EXAME)

Shinzo Abe (ao centro) e seu gabinete: novas estratégias para voltar a crescer (The Asahi Shimbun/Getty Images / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 11 de fevereiro de 2013 às 05h00.

São Paulo - Nas últimas duas décadas, o Japão tem se mostrado um desafio à teoria econômica. O país, que conseguiu fazer a dificílima transição de nação de renda média nos anos 60 para figurar entre as mais ricas do mundo nos anos 90, encontra-se estagnado. Desde 1992, o Japão passou metade do tempo entre o desempenho econômico negativo e próximo a zero.

Essa inanição prolongada tem cobrado seu preço. O modelo de produção japonês, que foi replicado à exaustão no mundo, é refém de um mercado de trabalho engessado, no qual dois terços dos trabalhadores têm emprego vitalício. Como demitir é uma tarefa árdua no Japão, as empresas reduzem os salários, o que derruba o consumo do país.

Elas também não contratam, e isso exclui os jovens do mercado de trabalho. A produtividade despenca e prejudica a competitividade. O país que já foi sinônimo de inovação agora amarga o 25º lugar no ranking de patentes. É esse Japão depressivo que o novo primeiro-ministro Shinzo Abe quer tirar da UTI.

Abe volta ao poder depois de um curto mandato de um ano em 2007. O primeiro-ministro iniciou seu novo turno na virada do ano tentando desarmar duas das principais armadilhas da economia japonesa. Com um pacote de estímulo ao crescimento de 225 bilhões de dólares, ele quer dar um impulso ao consumo das famílias, estagnado há anos. Desde 1995, os salários encolhem a uma média de 0,1% ao ano.

O objetivo do novo governo é que a economia japonesa avance 2% em 2013 e gere 600.000 novos empregos até o fim do ano. Outra bomba a ser desarmada é a persistente deflação, que corrói o preço dos produtos feitos no país e fortalece ainda mais o iene. Para isso, Abe passou a pressionar o banco central do Japão (BoJ, na sigla em inglês) a afrouxar a política monetária.

Conseguiu. No fim de janeiro, o BoJ elevou a meta de inflação para 2% e anunciou a ampliação e a prorrogação por tempo indeterminado da compra de títulos públicos, o que pode injetar quase 150 bilhões de dólares por mês na economia do país. Além de estimular o consumo, a medida confirma a intenção do governo de forçar a desvalorização do iene para tornar as exportações mais competitivas.


Em 2012, o Japão registrou o pior déficit comercial da história, de 77 bilhões de dólares. "Não seremos capazes de escapar da deflação e do iene forte com as políticas antigas. Temos de ser ousados", disse Abe. 

 A política econômica do primeiro-ministro, já apelidada de "Abenomics", tem causado reações distintas mundo afora. De imediato, o choque na moribunda economia japonesa foi bem recebido. No prazo de um mês, a bolsa japonesa valorizou quase 7%. "Apesar de estar no governo há pouco tempo, as ações de Abe parecem promissoras", diz Shinichi Kawano, economista da BlackRock, a maior gestora de recursos do mundo.

O banco americano Goldman Sachs elevou a previsão de crescimento do país para 2%. Até o prêmio Nobel de Economia Paul Krugman chegou a cogitar que a receita anticíclica japonesa poderia abrir um caminho para países desenvolvidos contornarem a estagnação econômica. Entre os pessimistas, no entanto, não faltam razões para prever um fracasso. "Estímulo fiscal é como morfina. Para manter o efeito desejado, é preciso sempre aumentar a dose", diz a economista Azusa Kato, do banco francês BNP Paribas em Tóquio.

O programa de emissão e de recompra de títulos do governo deve aumentar ainda mais a dívida japonesa, hoje superior a duas vezes o PIB do país, o maior nível entre os paí­ses desenvolvidos. Abe também não contemplou nenhuma mudança estrutural da economia, como a modernização da legislação trabalhista paternalista e maior abertura comercial.

O governo já deu sinais de que pretende esperar as eleições parlamentares de julho antes de propor soluções dolorosas. "Se o plano de recuperação da competitividade da indústria não for para valer, a economia pode voltar a desacelerar no meio do ano", diz o economista Naohiko Baba, do Goldman Sachs em Tóquio. 

É fato, porém, que Abe terá de promover choques muito maiores no país do que o estica e puxa monetário e fiscal. O envelhecimento da população é um dilema sem aparente solução. Até 2050, cerca de 40% dos japoneses deverão ter idade superior a 65 anos (o ministro das Finanças, Taro Aso, polemizou recentemente ao dizer que os idosos deveriam se apressar em morrer para não onerar as contas públicas).

O novo premiê do Japão também terá de lidar com o conservadorismo de seus compatriotas. No mercado de trabalho, o número de mulheres é o mais baixo entre os países ricos. O modelo energético segue em xeque desde o tsunami de 2011. Um contraste imenso em se tratando do país que já foi exemplo de desenvolvimento acelerado para o mundo. 

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