Justin Trudeau, líder dos Liberais, é premiê desde 2015. Anunciou em janeiro que renunciará e será substituído por outro colega de partido (Dave Chan/Getty Images)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 14 de fevereiro de 2025 às 06h00.
O Canadá é um país conhecido pela tranquilidade, até na política. Dois partidos, o Liberal e o Conservador, se alternam no poder há décadas, cada um ficando mais ou menos dez anos no governo. Esse ciclo se repete agora, com a iminente queda dos liberais, mas o país foi surpreendido por sua maior crise externa em anos. Seu principal parceiro, os Estados Unidos, agora está sob o comando de Donald Trump, que ameaça impor tarifas e fala abertamente em anexar o vizinho.
“O Canadá enfrenta agora um desafio fundamental à sua soberania nacional”, diz Andrew Cohen, analista político e professor na Carleton University, de Ottawa. “A principal questão da próxima eleição será sobre quem é o mais preparado para lidar com Donald Trump.”
Coube ao premiê Justin Trudeau lidar com os ataques de Trump e negociar uma trégua: as tarifas foram adiadas por pelo menos 30 dias, até o início de março. Ele, no entanto, está de saída. Em janeiro, anunciou que renunciaria ao cargo de líder dos liberais e abriu o caminho para sua sucessão.
No sistema parlamentarista, o líder do partido com maioria chefia o governo e o país. Assim, o novo chefe do Partido Liberal será o novo premiê. A escolha será feita por votação interna na legenda, e o resultado deve ser anunciado em 9 de março.
Mark Carney, que já foi chefe do banco central do Canadá após a crise de 2008 e chefe do Banco da Inglaterra (BC do Reino Unido) após o Brexit, é considerado favorito na disputa (veja outros nomes no quadro abaixo).
No entanto, o novo líder terá pouco tempo. A expectativa é que, logo após a nomeação, a oposição convoque um voto de desconfiança, algo capaz de antecipar eleições, cuja data ainda está indefinida: poderia ocorrer em abril ou maio, ou mais para o fim do ano.
Trudeau assumiu o governo em 2015. Filho do ex-premiê Pierre Trudeau, um dos mais longevos da história do país, ele ganhou destaque pelo carisma e por favorecer repasses de verbas e benefícios. “Ele era como um Papai Noel. Era um governo muito generoso, com muitos programas para crianças, famílias, pequenos negócios. Até tirou impostos federais sobre a cerveja”, diz Charles-Étienne Beaudry, professor de ciência política na Universidade de Ottawa e autor do livro Radio Trump, sobre a campanha de 2016.
Com o tempo, a dívida pública cresceu, e a oposição passou a defender a responsabilidade fiscal como saída para conter a inflação. A crise política atingiu seu ápice quando a ministra das Finanças, Chrystia Freeland, renunciou ao cargo, em dezembro, em meio a discordâncias sobre a gestão da economia. A saída deu combustível às brigas internas do partido, e a situação ficou insustentável. Trudeau anunciou a renúncia em 6 de janeiro, mas segue no cargo até que o substituto seja apontado.
“Ao permitir a escolha de um novo líder, Trudeau espera resetar a imagem do partido antes da eleição e mitigar o que alguns chamam de ‘draga Trudeau’”, diz Michael Paramathasan, ex-diretor político do governo de Trudeau. “Ele mira reduzir a polarização e permitir um debate mais substancial sobre os problemas nacionais.”
As ameaças de Trump uniram os canadenses e reavivaram o orgulho do país. Após os ataques dele, o que sugere que o Canadá poderia virar o 51o estado americano, produtos dos EUA passaram a ser boicotados nos mercados de cidades como Toronto, e o hino dos Estados Unidos foi vaiado em jogos de hóquei.
“Políticos de vários espectros deram apoio às ações de retaliação e defenderam uma abordagem conjunta, do ‘time Canadá’, refletindo a percepção de que defender a soberania nacional e a segurança econômica transcende divisões partidárias”, diz Paramathasan.
Os especialistas acreditam que o Canadá, após os ataques de Trump, deverá buscar reduzir a dependência dos Estados Unidos. Os eleitores dirão em breve qual partido acham mais adequado para a tarefa de liderar o país em um dos momentos mais desafiadores de sua história.