Douglas Becker, fundador e presidente do grupo de educação Laureate (Alexandre Battibugli/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 28 de outubro de 2013 às 05h00.
São Paulo - O americano Douglas Becker nunca se formou. Aos 19 anos, largou a faculdade para montar uma empresa de tecnologia voltada para o setor de saúde. Vendeu a companhia na década de 80, e percebeu que a educação tinha seu valor — como negócio. Em 1998, fundou a Sylvan Learning Systems, que reunia centros com aulas de reforço escolar, cursos preparatórios e faculdades.
Há dez anos, mudou o nome da empresa para Laureate, que passou a se concentrar apenas no ensino superior. A aposta deu certo, a companhia recebeu investimentos — entre seus sócios estão o fundo de private equity KKR, o Banco Mundial e a Universidade Harvard — e se tornou o quarto maior grupo de educação do mundo.
Fatura 3,5 bilhões de dólares por ano e tem cerca de 800 000 alunos em 30 países. Um quarto deles está no Brasil, onde a Laureate é dona de 12 instituições, como a Anhembi Morumbi e a FMU, comprada em agosto por cerca de 1 bilhão de reais (o número oficial não foi divulgado).
Para Becker, o Brasil é um dos mercados mais promissores do mundo. Durante uma recente visita ao Brasil, ele falou a EXAME. A seguir, os principais trechos da entrevista.
EXAME - As empresas de ensino superior crescem como nunca no Brasil. O mercado americano passou por euforia semelhante. Como a coisa acabou por lá?
Douglas Becker - Em países em que houve grande crescimento da educação com fins lucrativos, como está ocorrendo no Brasil, manter a qualidade foi um problema. Nos Estados Unidos, muitas empresas que quiseram crescer rapidamente acabaram admitindo estudantes que não tinham condições de se formar nem de pagar as mensalidades.
Essas pessoas usaram linhas de crédito do governo para bancar os cursos, mas, como não conseguiram completar a graduação, não pagaram os empréstimos. Quando o governo americano acordou para o problema, mudou as regras e limitou os financiamentos, o que dizimou o setor.
Nos últimos quatro anos, as grandes empresas listadas nas bolsas dos Estados Unidos, como Apollo Group e Devry, perderam alunos, receita e valor de mercado. Quando a rede de ensino brasileira Kroton completar sua fusão com a Anhanguera, valerá mais que todas as empresas americanas combinadas. Mas, no caso brasileiro, estou otimista.
Acho que não haverá uma bolha porque o regulador é mais duro. O preço das empresas de educação superior no país está alto? Sim. Todos os investidores estrangeiros, incluindo a Laureate, têm de pagar mais para adquirir ativos de educação superior no Brasil que pagariam em outros países. Crescer aqui custa caro.
EXAME - A Laureate também está crescendo no Brasil. Hoje, tem 12 universidades.
Douglas Becker - É verdade, mas crescemos com paciência e disciplina para não pagar caro demais pelas universidades que compramos. Nosso primeiro investimento no país foi há oito anos: a compra de 51% da Anhembi Morumbi. Eu poderia ter o dobro do tamanho que tenho hoje no Brasil.
Precisamos expandir em cidades importantes, como Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba e Rio de Janeiro. Mas, dependendo dos preços, vamos nos concentrar em apenas desenvolver as escolas que temos. É possível dobrar o número de alunos sem comprar mais empresas, só aumentando a oferta de cursos.
Procuramos pagar menos ao fazer aquisições para que sobrem recursos para investir em infraestrutura, qualidade e serviço aos estudantes. A prova de que a educação não pode ser vista só como negócio é a crise desse setor nos Estados Unidos.
EXAME - Mas a sua empresa tem acionistas, fundos que estão de olho nos resultados. É possível conciliar os interesses?
Douglas Becker - Não temos só fundos como acionistas, há também o Banco Mundial. Não divulgamos nosso lucro, mas nunca seremos o grupo mais rentável, o que cresce mais rápido. Os acionistas aceitam isso porque acreditam que terão um crescimento sustentável no longo prazo.
Isso é o risco para o Brasil: os acionistas das empresas de educação superior com capital aberto terão a mesma atitude? Quando os fundadores são grandes acionistas, a pressão por resultado imediato pode ser contrabalançada. Quando não for o caso, pode ser complicado.
Educação não funciona como os outros setores. Poucos fundadores de universidades veem suas empresas puramente como um negócio. Eles querem vender, mas também querem que suas escolas sejam preservadas. No caso da Unifarcs, em Salvador, e da Fadergs, em Porto Alegre, que compramos, os donos estavam mais interessados no que faríamos para melhorar a universidade do que no preço que iríamos pagar.
EXAME - Por que o Brasil vem atraindo tantos investimentos em educação?
Douglas Becker - O Brasil é um dos maiores mercados do mundo para investimento na educação superior pela proporção que o ensino privado tem no mercado. Três quartos dos estudantes universitários estão nas escolas privadas, índice superior ao dos Estados Unidos.
É uma combinação rara de país grande com participação relevante das escolas privadas. O Brasil tem um dos melhores reguladores do mundo em educação, e para nós é muito útil o índice de qualidade das escolas apurado pelo Ministério da Educação.
EXAME - A Laureate tem uma grande operação de ensino a distância nos Estados Unidos, mas prefere investir em universidades tradicionais aqui. Por quê?
Douglas Becker - Os Estados Unidos têm um mercado extremamente competitivo, com mais de 4 000 universidades, muitas delas ótimas. Lá, nosso foco é o segmento de pós-graduação, com cursos a distância de qualidade para adultos que trabalham. Até mesmo grandes universidades, como Duke e Harvard, têm cursos a distância, e o preço, em alguns casos, é o mesmo dos cursos presenciais. Não é assim no Brasil.
EXAME - Por quê?
Douglas Becker - O conceito é diferente. Nos Estados Unidos, um adulto que trabalha pode escolher entre cursos presenciais e a distância com uma formação muito semelhante. No Brasil, o alvo do ensino a distância não é o estudante que pode escolher entre uma universidade tradicional e uma online, mas aquele que não tem escolha alguma.
Ele pode estar numa área rural, por exemplo. É uma maneira de tornar a educação acessível para quem não conseguiria pagar a universidade tradicional ou chegar até ela. Esse modelo tem uma utilidade para a sociedade e o mérito de ajudar a tirar a população da pobreza.
O risco é haver muitos cursos de baixa qualidade. Para evitar isso, é necessária uma regulação rigorosa. O MEC está avaliando permitir o uso do crédito público para os alunos que quiserem fazer esses cursos. É uma boa ideia, mas ela precisa vir acompanhada de exigências de qualidade. Por enquanto, a Laureate só tem 10 000 estudantes no ensino a distância. Se houver mais regulação, podemos investir mais.