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Ele botou a família para correr na Samcil

O executivo Mauro Bernacchio tornou a Samcil uma das empresas mais rentáveis do setor -- o difícil foi se livrar dos parentes do fundador

Bernacchio: a meta agora é abrir o capital

Bernacchio: a meta agora é abrir o capital

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Da Redação

Publicado em 3 de maio de 2011 às 08h37.

Desde que assumiu o comando da Samcil, há dez anos, o engenheiro Mauro Bernacchio perseguiu de forma obstinada um único objetivo: arrumar a casa e tornar a empresa a maior operadora de saúde do país. A primeira parte do plano deve se tornar realidade no segundo semestre, quando um complicado processo de reestruturação chega ao fim.

Com a empresa saneada, Bernacchio acredita que finalmente poderá dar início à segunda parte da estratégia, por meio da abertura de capital da Samcil. Consumidor disciplinado de livros que tratam de histórias de empresas bem-sucedidas, Bernacchio se inspirou nas melhores experiências do Brasil e do mundo para profissionalizar a administração da operadora.

O regime de meritocracia rigidamente medido e regiamente remunerado hoje em vigor na empresa foi adaptado de um programa semelhante da americana General Electric. A estrutura de negócios, dividida em unidades independentes e comandadas por líderes com total autonomia de decisão, foi inspirada no modelo da construtora brasileira Odebrecht.

Durante a implantação desse novo modelo, Bernacchio trocou 50 dos 65 altos executivos da Samcil. Além disso, numa ação de alto risco para seu próprio pescoço, se empenhou em uma cruzada contra os oito familiares do fundador da empresa, o médico Luiz Roberto Silveira Pinto, que ocupavam cargos de direção e gerência na companhia.

Entre os parentes empregados havia sobrinhos e primos. "Eles não tinham competência para estar nessas funções", diz Bernacchio. A insurgência contra os parentes do fundador foi a tarefa mais custosa para Bernacchio. O executivo precisou de dois anos -- e muita paciência -- para ganhar a confiança do controlador da empresa e daí então afastar todos os familiares dos cargos.

Apesar de estar totalmente profissionalizada, a Samcil ainda enfrenta disputas na Justiça com um dos parentes do fundador. A empresa tenta ser ressarcida judicialmente pela quebra de acordo por um dos sobrinhos de Silveira, Ricardo Silveira de Paula, que até 1999 dirigia a operação da empresa na região do ABC paulista.


A direção da Samcil o acusa de ter se apossado irregularmente de três hospitais da rede e de uma carteira de 200 000 clientes. De acordo com Bernacchio, Paula não teria cumprido um acordo com a empresa, que previa sua con tinuidade à frente da operação mediante o pagamento de aluguéis e repasses de royalties -- o que gerou um passivo estimado em 50 milhões de reais.

Como atua num setor caracterizado por pouca transparência, a Samcil está se precavendo para diminuir o impacto dessa última pendência em um possível processo de IPO. Além de não contabilizar os hospitais e beneficiários pendentes pela disputa judicial, a operadora está se baseando nos exemplos dos IPOs de suas concorrentes para conseguir melhor avaliação pelo mercado.

No ano passado, deu início à simplificação de sua estrutura societária, com a orientação da consultoria Ernst&Young, para obter maior transparência operacional. O processo, que deve ser finalizado nos próximos meses, tem como objetivo reunir todas as 20 empresas sob um único guarda-chuva -- exatamente como fez a concorrente Medial antes de ir à bolsa.

Com faturamento de 3,4 bilhões de reais, a Amil também abriu o capital recentemente, o que lhe deu musculatura para aquisições. No momento, a empresa negocia a compra da Golden Cross.

Os grandes atrativos da Samcil em um IPO são o nicho em que atua e seus números. A empresa opera com foco nas classes C e D, mercado que tem enorme potencial de crescimento. Atualmente, apenas 30% desse público paga por convênio médico, mas, com a melhora da economia e o aumento de renda, a tendência é que esse número possa chegar a 50% nos próximos anos.

Outro trunfo é sua estrutura de custos. Com faturamento de 400 milhões de reais, a Samcil investiu ao longo dos anos em hospitais e clínicas próprias para verticalizar os serviços prestados. Assim, evita fraudes e pode oferecer preços até 15% mais baixos que a concorrência.


Sua operação de assistência ao beneficiário tem menor custo com relação à receita (sinistralidade) e maior rentabilidade que as concorrentes que já foram à bolsa. "Nesse mercado as margens são apertadas e a empresa mais rentável será a que souber administrar bem os custos", diz Fernando Barreto, da consultoria especializada em planos de saúde Primeira Consulta.

Considerada bem administrada, a Samcil tem sido assediada regularmente. A Medial já tentou comprá-la três vezes. A última foi no mês passado.

Pela proposta, intermediada por Joffre Salies, vice-presidente do Credit Suisse, a aquisição seria feita com ações da Medial e o fundador da Samcil se tornaria sócio minoritário da empresa com direito a uma cadeira no conselho de administração.

"O doutor Silveira Pinto nem quis saber o valor da oferta", diz um consultor próximo à Samcil. "A resposta, ríspida, foi que, se por acaso a Medial estiver à venda, ele compra." Os donos da Samcil, tanto no discurso como na prática, têm rejeitado o papel de "noiva do mercado". Em 2007, a companhia investiu 52 milhões de reais em três aquisições, todas operadoras regionais de planos de saúde.

"Com os recursos captados no IPO, queremos fazer compras ainda maiores", diz Bernacchio. Nesse jogo, assim como em tantos outros, quem não compra é vendido.

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