Revista Exame

Michael Dell agora quer a nuvem

O bilionário Michael Dell tem transformado a antiga fabricante de computadores numa líder do segmento de equipamentos para a computação em nuvem

O bilionário Michael Dell: ele fechou o capital da Dell, fez a maior aquisição da história do setor de tecnologia e mudou a estratégia da companhia. O faturamento subiu de 57 bilhões para 90 bilhões de dólares | Leandro Fonseca /

O bilionário Michael Dell: ele fechou o capital da Dell, fez a maior aquisição da história do setor de tecnologia e mudou a estratégia da companhia. O faturamento subiu de 57 bilhões para 90 bilhões de dólares | Leandro Fonseca /

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Filipe Serrano

Publicado em 30 de janeiro de 2020 às 05h30.

Última atualização em 30 de janeiro de 2020 às 12h31.

Ao lado de nomes como Bill Gates e Steve Jobs, o empresário americano Michael Dell faz parte de um grupo seleto de empreendedores que fizeram fortuna durante a revolução dos computadores pessoais. Em 1984, quando tinha apenas 19 anos e cursava o primeiro ano da faculdade de medicina, ele começou a vender computadores como um hobby e viu que poderia transformar a empreitada num negócio lucrativo.

Quatro anos mais tarde, sua empresa, a Dell, já estava faturando mais de 700 milhões de dólares e abria o capital na bolsa. Em 1992, veio outro marco: aos 27 anos, Michael Dell tornou-se o empresário mais jovem a ter uma empresa na lista das 500 maiores companhias dos Estados Unidos — marca que não foi batida até hoje.

Com o passar dos anos, a marca Dell se expandiu mundo afora e a empresa chegou a se tornar a maior fabricante de computadores do planeta nos anos 2000. Entretanto, a companhia perdeu a onda dos smartphones e acabou prejudicada pela estagnação das vendas de PCs e pelo aumento da concorrência, especialmente de empresas chinesas, como a Lenovo, a líder do mercado hoje.

O segmento dos computadores continua sendo uma importante parte do negócio da Dell — a empresa foi a que mais cresceu em 2019 nesse mercado, com aumento de 10% nas vendas. Mas ela tem caminhado cada vez mais para se tornar uma companhia de infraestrutura tecnológica, fornecendo servidores, equipamentos e software para centrais de dados, que são a base da computação em nuvem.

A mudança de estratégia foi impulsionada depois que Michael Dell decidiu fechar o capital da empresa em 2013 — um processo conturbado e cheio de idas e vindas por causa da resistência do megainvestidor Carl Icahn, que era um dos acionistas. Passada a tormenta, a Dell comprou a EMC, um gigante do mercado de equipamentos para armazenamento de dados, por 67 bilhões de dólares.

O negócio é a maior aquisição da história do mercado de tecnologia. Junto com a EMC, a Dell levou de quebra a VMWare, subsidiária que atua no mercado de computação em nuvem e que vem ganhando terreno. De 57 bilhões de dólares em 2013, o faturamento da Dell passou para 90 bilhões de dólares no ano fiscal de 2019, encerrado em fevereiro do ano passado. E os resultados continuam subindo de lá para cá.

Em 1996 a empresa começa a vender pela internet. Seu modelo online, integrado à cadeia de produção, vira uma referência para outras companhias | Darren Carroll/Getty Images
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Em entrevista exclusiva a EXAME, Michael Dell diz que a decisão de fechar o capital da Dell e comprar a EMC foi acertada, especialmente diante das mudanças de hábito de consumo que estão fazendo com que a tecnologia seja cada vez mais onipresente em todas as áreas de negócio. “Agora temos um conjunto de produtos e serviços maior, que é não apenas relevante para o mundo atual mas muito relevante para o futuro”, afirma Dell.

O que o empresário vislumbra é uma demanda crescente por equipamentos e serviços que serão necessários para lidar com um volume de dados cada vez maior. “Todos nós já estamos vendo quão depressa alguns mercados estão mudando”, diz ele. “Não acho que esse ritmo de mudança vai desacelerar. Só vai ser mais e mais rápido.” Aos 54 anos e com uma fortuna estimada em 34 bilhões de dólares — o que faz dele a 25a pessoa mais rica do mundo —, o bilionário prodígio que lucrou com os PCs agora quer dominar a nuvem.

Em 2001 a Dell torna-se a maior fabricante de computadores do mundo | Reuters

O senhor costuma dizer que existe um “tsunami de dados” se aproximando. Por quê?

Porque por trás de todas as tendências no setor de tecnologia no mundo hoje — do blockchain, da internet das coisas, do 5G, da realidade virtual, dos carros autônomos etc. — existe algo em comum que são os dados. E a quantidade de dados está crescendo rapidamente. Em 2007, cerca de 86 petabytes eram transmitidos globalmente por meio das redes de celular em um ano. Em 2019, os mesmos 86 petabytes passaram a ser transmitidos em apenas 18 horas. E, daqui a dez anos, a previsão é que esse intervalo caia para 10 minutos. É um crescimento de 52.000 vezes na quantidade de dados.

O que está acontecendo é que um computador não é apenas um notebook ou um smartphone. São todos esses sensores pequenos. São microcontroladores e microprocessadores que estão em todo lugar. Nos carros, nos edifícios. Eu tenho este anel, por exemplo, que tem sensores ópticos e monitora meu batimento cardíaco, meu sono e também minha temperatura corporal. Assim como ele, existem bilhões desses sensores conectados no mundo. Todas essas coisas geram dados.

Em 2003 o primeiro smartphone da Dell é lançado, o Mini 3i. As vendas não decolam.A empresa também entra no mercado de serviços de TI | Divulgaçåo

Que tipo de consequência isso traz?

É um desafio. As empresas precisam de ajuda não somente para proteger e administrar todo esse volume crescente de informação mas também para acessar os dados de um modo que consigam obter resultados para os negócios. Só que a mudança não acontece automaticamente. Diria que muitas empresas estão no início desse processo. E a transformação digital também provoca uma espécie de medo digital, no sentido de que as empresas precisam reagir rapidamente porque há milhares de startups tentando abocanhar o mercado. Em três ou cinco anos, poderemos ver uma grande divergência nos resultados financeiros de duas empresas que atuam no mesmo setor, porque uma está se transformando digitalmente mais rápido do que a outra. Todos nós já estamos vendo quão depressa alguns mercados estão mudando. Não acho que a taxa de mudança vai desacelerar. Só vai ser mais e mais veloz. Portanto, as empresas têm uma necessidade urgente de se transformar.

Falando em transformação, o que mudou na Dell desde que o senhor fechou o capital da companhia, em 2013, e adquiriu a empresa de armazenamento de dados EMC, por 67 bilhões de dólares, em 2016?

Quando anunciamos a decisão de combinar as operações da Dell com a EMC, acreditávamos que, se pudéssemos combinar empresas de hardware e de software de infraestrutura, os clientes não teriam de fazer, eles mesmos, a integração entre diferentes sistemas. Antes, um grande banco ou uma grande varejista ou qualquer outra empresa eram obrigados a reunir 20 soluções fornecidas por empresas diferentes e fazer a integração entre elas. É um trabalho que não cria nenhum valor. Mas não havia uma empresa única que fizesse todo esse trabalho sozinha. Nós pensamos que, se criássemos essa empresa, que seria diferente de todas as outras que atuavam no setor na época, seria uma coisa boa. Desde a aquisição da EMC, acrescentamos quase 20 bilhões de dólares em receitas.

Data center nos Estados Unidos: a demanda por equipamentos tende a subir | Donna Carson/Reuters

Os tempos em que a Dell era conhecida principalmente como uma fabricante de PCs ficaram para trás?

Sim. Nós entendemos a Dell como uma empresa que fornece infraestrutura de tecnologia. Isso significa dizer que, se uma empresa vai construir uma infraestrutura digital moderna, ela não conseguirá fazer isso sem nós. Ou, no mínimo, vai considerar nossos serviços. Hoje, mais da metade dos dados críticos do mundo é armazenada em nossos equipamentos.

Então a mudança deu certo…

Sim. Definitivamente foi a estratégia correta. Fechar o capital da empresa nos permitiu acelerar nossa própria transformação. E diria que reacendeu o espírito empreendedor da Dell. Porque, desse modo, conseguimos fazer com que nosso horizonte de tempo se tornasse mais de médio e de longo prazo. Com uma empresa mais focada nos próximos três, cinco, dez anos, fomos capazes de arriscar mais. Isso funcionou muito bem. Nós geramos um fluxo de caixa tremendo. Pagamos muitas das dívidas. E permitiu combinar a Dell com a EMC e a VMWare [subsidiária da EMC]. Temos um conjunto de produtos e serviços maior que é não apenas relevante para o mundo atual mas também muito relevante para o futuro.

Em relação ao setor de tecnologia, quais outras tendências devem puxar o crescimento daqui para a frente?

Há algumas coisas acontecendo. Em primeiro lugar, existe um processo de consolidação. Acredito que apenas um número reduzido de empresas terá a escala e a capacidade de inovação necessárias para ter sucesso. E também a concorrência está mudando. A competição costumava acontecer em silos. Havia empresas de infraestrutura de redes, fabricantes de servidores, empresas de armazenamento de dados etc. Agora as empresas atendem todo o data center, fornecendo não só o hardware mas também o software. Essa unificação representa uma maneira de se diferenciar em relação às empresas que atuam somente em um silo. E outro movimento que está acontecendo é que as vendas não estão restritas apenas ao mercado de tecnologia da informação. Estive na Alemanha recentemente. As empresas automotivas, as fábricas, as empresas de medicamentos, todas elas estão usando tecnologia em seus produtos. Os carros hoje são computadores com rodas. Portanto, não é somente o departamento de tecnologia da informação que demanda novas tecnologias.

Robô na feira CES, em Las Vegas: as novas tecnologias vão provocar um “tsunami” de dados | Steve Marcus/Reuters

Como vê o mercado brasileiro hoje? Há ainda oportunidades para crescer?

Quando olho para trás, nos últimos 20 anos tivemos um desenvolvimento fantástico dos negócios no Brasil. As oportunidades à frente são tremendas, apesar da crise recente do país. A transformação digital está aí. Veja o caso dos bancos. Se a economia cresce 1% ou cai 1%, eles podem pausar a transformação digital? Não. Eles não podem. Ou digamos que haja uma disputa comercial entre dois países ou coisa do tipo. Os bancos podem parar a transformação digital? Também não. Talvez eles ajustem um pouco as despesas, mas não deixarão de investir em adaptação. E vejo que todas as tendências que existem no mundo hoje estão igualmente presentes no Brasil.

Planeja novos investimentos aqui?

Estamos constantemente investindo. Acrescentando recursos e capacidades à medida que a operação cresce.

A recuperação lenta da economia não atrapalha?

O Brasil é o quinto maior mercado de tecnologia da informação do mundo e a nona economia. É um mercado muito importante para nós. E não estamos apenas vendendo produtos. Estamos também desenvolvendo softwares no Brasil que são usados em nossos produtos no mundo inteiro.

Olhando para o futuro, para onde mais os negócios na área de tecnologia estão caminhando?

A demanda por infraestrutura de tecnologia só vai continuar crescendo. A diferença é que agora há múltiplas tecnologias surgindo ao mesmo tempo. Temos as redes de celular 5G, temos a internet das coisas, a realidade aumentada, a realidade virtual, o blockchain. Todas essas coisas estão surgindo ao mesmo tempo e num momento em que a tecnologia já está difundida na sociedade. Ela é parte obrigatória da evolução de todas as empresas. Portanto, temos uma grande responsabilidade e uma oportunidade. É preciso destravar o poder de todos esses dados para permitir que o mundo continue progredindo. 

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