Revista Exame

Eike Batista sob pressão total

Enquanto tenta tirar do papel vários projetos complexos e de alto risco, Eike Batista enfrenta uma crise de confiança que abala todas as suas empresas

Confiem em mim: abertura de capital da petroleira OGX, em 2008, na Bovespa. Eike diz que tem 9 bilhões de dólares em caixa, mas as ações da empresa derreteram no final de junho (Fernando Cavalcanti/EXAME.com)

Confiem em mim: abertura de capital da petroleira OGX, em 2008, na Bovespa. Eike diz que tem 9 bilhões de dólares em caixa, mas as ações da empresa derreteram no final de junho (Fernando Cavalcanti/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 18 de julho de 2012 às 11h27.

Rio de Janeiro - É comum que pessoas famosas se tornem alvo de piadas. Com o bilionário Eike Batista não é diferente. Uma delas diz que o empresário pretende entrar no ramo de papel e celulose para, finalmente, produzir “caixa”.

A brincadeira revela o que muitas pessoas pensam a respeito de Eike: que ele captou bilhões de dólares de investidores com projetos que ainda não dão dinheiro — e não geram o “caixa” da piada. No final de junho, essa visão foi reforçada, e de forma retumbante.

O mercado castigou a OGX ao ser informado de que a produção de seus dois primeiros poços de petróleo ficará em apenas um quarto do estimado inicialmente pela empresa. Os papéis da petroleira de Eike caíram 40% em dois dias, e o abalo se propagou por todas as empresas de capital aberto do grupo EBX (sigla que pode ser lida como Eike Batista Multiplica).

Somente nos pregões de 27 e 28 de junho, o grupo perdeu mais de 12 bilhões de reais. Eike é tido como um excepcional vendedor. Terá, agora, perdido sua capacidade de convencimento?

Na contramão dos investidores, o presidente mundial da GE, o americano Jeff Immelt, diz acreditar em Eike e em suas empresas. “Ele é um dos líderes mais dinâmicos não só do Brasil mas de todo o mundo”, afirmou Immelt a EXAME. Em maio, a GE pagou 300 milhões de dólares por uma fatia de 0,8% da holding de Eike. 

A GE estava na lista de sócios para quem Eike telefonou na quarta-feira 27 para explicar a crise desencadeada pela OGX. Parte da explicação dada por Eike aos acionistas foi que a vazão de 5 000 barris diários em cada um dos poços da petroleira está longe de ser um resultado ruim.

De fato, a média de produção de poços na bacia de Campos é de 3 500 barris por dia. Eike também salientou que seu grupo tem 9 bilhões de dólares em caixa, o que lhe permite financiar por um bom tempo seus empreendimentos. O que torpedeou, então, a petroleira e todas as empresas de Eike na bolsa?

A resposta: credibilidade — ou, mais precisamente, a falta dela. As empresas do grupo EBX foram abatidas por uma crise de confiança, diante da frustração provocada por estimativas otimistas demais. Antes do teste dos poços em questão, a OGX divulgou que eles poderiam ter vazão de 20 000 barris por dia. Durante os testes, a empresa sinalizou com 10 000. Quando, ao final, foram cravados 5 000 barris, a decepção foi total.

A reação do mercado, entretanto, vai muito além da decepção causada pelo anúncio da petroleira. Reflete, na verdade, o temor de que todas as empresas de Eike façam projeções superestimadas de forma corriqueira. Não é a primeira vez que a OGX leva um tombo e arrasta com ela as outras empresas do grupo.


Num episódio semelhante, em abril do ano passado, a petroleira perdeu mais de 17% de seu valor de mercado em um só dia, quando uma certificadora atestou reservas abaixo do estimado pela companhia. Para alguns analistas, o problema está no excesso de informações otimistas que o grupo divulga.

“Não enxergo problemas nos fundamentos da empresa, mas na sua credibilidade”, afirma Luiz Francisco Caetano, analista da corretora Planner-Prosper. “Se não tivessem divulgado expectativas mais altas antes de comprová-las, a decepção não seria tão grande.”

Um sinal de que Eike pode ter entendido o recado foi a substituição do presidente da petroleira, Paulo Mendonça, por Luiz Eduardo Carneiro, que dirigia a OSX, empresa de construção e serviços navais do grupo. Mendonça foi para o sacrifício na tentativa de restabelecer a credibilidade.

“Petróleo é uma atividade técnica, o que faz com que o mercado dependa de informações da empresa. Se as estimativas ficam longe da realidade, a confiança vai embora”, diz Hersz Ferman, gestor da Yield Capital.

Mesmo antes do tombo de 27 de junho, as ações das empresas do grupo EBX já operavam abaixo do valor da abertura de capital, com exceção da MMX — os papéis da mineradora valiam quase o dobro em relação ao preço do dia da emissão de ações, em 2006. A desvalorização generalizada tem a ver também com a dificuldade do mercado em precificar as empresas do grupo.

“Os negócios da EBX são, por natureza, oportunidades para o futuro, que precisam de tempo para dar retorno”, afirma Lucas Brendler, analista do banco Geração Futuro. “O mercado geralmente não se anima com o longo prazo. Em tempos de crise, fica pior.”

A relação entre as empresas do grupo também contribui para a contaminação dos papéis — do mesmo jeito que, quando tudo ia bem, uma ajudava a outra a atrair interesse dos investidores. Quase todas as encomendas do estaleiro da OSX são provenientes da petroleira OGX. No dia 28 de junho, quando o valor de mercado da petroleira caiu 19%, as ações da OSX caíram 11%.

Não importa que, para alguns analistas, o preço das ações esteja barato. Para o HSBC, por exemplo, o estaleiro tem potencial para ganhar encomendas de clientes no mercado — como, aliás, já aconteceu em 2012, quando recebeu pedidos de cerca de 1 bilhão de dólares de duas companhias de navegação, a Kingfish e a Sapura. Ainda assim, aos olhos dos investidores, quem tem o tal X no nome oscila junto com as outras. 


Há, ainda, desafios específicos de cada uma das empresas do grupo. No caso da empresa de logística LLX contam, ainda, as dificuldades inerentes a empreendimentos de infraestrutura. Seu principal ativo é o porto do Açu, no norte fluminense, que está com as obras atrasadas há dois anos.

Além de enfrentar duas greves e problemas com desapropriações, o projeto do terminal teve de ser alterado para que parte do terreno se tornasse área de proteção ambiental. “Foi infernal botar esse projeto em pé”, afirma Eike. Por enquanto, especialistas do setor dizem que o cronograma do porto é aceitável.

“Dois anos de atraso são 1 segundo perto da magnitude de um empreendimento que vai gerar receita por 30 anos”, afirma Renato Pavan, sócio da consultoria Macrologística, de infraestrutura de transportes. Chamado por Eike de Superporto, Açu terá a maior capacidade de movimentação de carga e a maior profundidade do país. Se tudo ocorrer de acordo com o previsto, é claro.

A confiança se foi para nunca mais voltar? É cedo para dizer. As companhias abertas do grupo EBX realmente captaram muito dinheiro: 26 bilhões de dólares em ofertas públicas de ações e venda de participações. Também é verdade que a maioria de seus empreendimentos ainda está em construção e não gera caixa.

O porto do Açu, o estaleiro e as usinas térmicas estão nessa condição. A produção da OGX começou, mas ainda é mínima — e, como já se viu, decepcionante. O mais parrudo dos seus negócios até agora é a mineradora MMX, com 1 bilhão de reais de receita líquida no ano passado.

Quem chega mais perto das empresas do grupo percebe, entretanto, que a operação não tem nada de virtual. Parte dos 22,5 bilhões de dólares investidos desde 2006 pode ser vista na forma de máquinas e pessoas trabalhando. Um navio-plataforma como o OSX-1, o primeiro da petroleira, em produção desde janeiro, custou 600 milhões de dólares.

Nesse momento, seis sondas alugadas pela OGX procuram petróleo na bacia de Campos, cada uma ao custo de mais de 250 000 dólares por dia. Nada virtual também é o quadro de 3 900 empregados do grupo — com os terceirizados, o número sobe para 20 000. Só na construção do porto do Açu são 6 000 pessoas. Nas obras das três termelétricas no Nordeste, são 9 500.

É natural, depois de anos de promessas, que o mercado comece a suspeitar de Eike e das empresas de seu grupo. Em pouco mais de cinco anos, ele montou mais de uma dezena de projetos, muitos deles caros e complexos. Ninguém até hoje conseguiu colocar em pé tantos negócios desse tipo no Brasil.

O próprio Eike ajuda a confundir o mercado com inúmeros anúncios de negócios que nada têm a ver um com o outro e dão um ar de megalomania — ele já está também em esportes, hotéis e na promoção de shows, como o Rock in Rio. O fato de repetir que se tornará o homem mais rico do mundo acaba contribuindo para que eventuais tropeços se transformem em tombos.

Segundo ele, é tudo calculado. “Não entro em nenhum negócio que não domino. A menos que tenha um sócio especialista no assunto.” Pode ser. Mas o fato é que o homem mais rico do país está sob pressão — e a fase em que o mercado dava a Eike Batista o benefício da dúvida parece ter ficado para trás. 

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