Revista Exame

Eficiência e ambição: a guinada estratégica que fez a Sabesp a empresa do ano

Em 2024, a Sabesp intensificou sua transformação em uma empresa ágil, com foco em executar os 70 bilhões de reais que investirá nos próximos cinco anos. Com os resultados alcançados, a companhia se prepara para voos ainda maiores

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 25 de setembro de 2025 às 22h00.

“É difícil, quase não tenho tempo”, diz Carlos Piani, CEO da Sabesp e judoca aposentado, quando perguntado sobre hobbies quando não está à frente da maior empresa de saneamento do país.

Executivo multidisciplinar com mais de 20 anos de experiência, Piani não luta há alguns anos, mas mantém a resiliência e perseverança, pilares da arte marcial, que pregam que o lutador aprenda a se levantar melhor após cada desafio.

“Parte do meu interesse pessoal de estar aqui é usar tudo que aprendi. Aproveitar as coisas boas e evitar os erros do passado. Erros acontecem, infelizmente. Mas temos de aproveitar todas as experiências para ser o mais eficientes possível nessa jornada”, afirma.

O seu desafio na empresa recém-privatizada é tão desafiador quanto um Ippon no judô. Ele precisa executar um plano audacioso de 70 bilhões de reais para atingir a meta de universalização de saneamento até 2029 — uma empreitada nunca realizada nesse volume e tempo por outra companhia brasileira. Em paralelo, Piani promove uma mudança cultural na empresa que foi estatal por 51 anos, até sua privatização, em junho de 2024.

O governo do estado de São Paulo vendeu 32% de suas ações por 14,8 bilhões de reais, sendo 15% para a Equatorial, a acionista de referência, e 17% para investidores na bolsa.

O foco é na eficiência e no retorno para a sociedade e para os acionistas. O CEO vê no ineditismo do seu trabalho o combustível para seguir em frente. “Estou bastante feliz e animado, apesar do desafio hercúleo, para alcançar a universalização em São Paulo e transformar a -Sabesp em uma das maiores empresas do mundo”, diz. Esse trabalho já mostra resultados.

Estação de Barueri: aumento da capacidade de tratamento de esgoto é um dos desafios da Sabesp (Sabesp/Divulgação)

Piani assumiu em outubro de 2024, depois de deixar o conselho de administração da Equatorial. De largada, acelerou um processo iniciado no ano passado pelo ex-presidente da companhia, André Salcedo: transformar a Sabesp em uma só empresa. A companhia operava em um modelo de regionais e superintendências com autonomia para implementar processos e técnicas diferentes. “Na época, era como se a Sabesp estatal fosse uma holding de pequenas empresas”, diz. Um sinal de falta de padronização e, muitas vezes, de eficiência.

A reorganização institucional ocorreu ainda em meados de 2023, com a criação de diretorias, em um modelo mais próximo de uma empresa privada, já mirando a privatização da companhia no começo do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Não houve tempo, porém, para que essa mudança chegasse à ponta, a área operacional onde tudo acontece no saneamento básico. Problema endereçado com velocidade a partir de outubro do ano passado e que resultou em ganho de eficiência na veia. “Em alguns locais, isso [padronização da área técnica] reduz custo, e em outros aumenta. Mas a padronização vai trazer mais eficiência no agregado”, afirma.

Além disso, a empresa revisou práticas da antiga estatal que não eram obrigatórias do ponto de vista regulatório e, na visão da gestão atual, não tinham lógica focada no resultado financeiro.

Uma delas era o desconto na tarifa para grandes clientes, como shoppings e indústrias. Eram mais de 800 milhões de reais por ano que se revertiam em perda de receita, em uma espécie de “gap” regulatório.

No fim de 2024, contratos com 555 empresas foram rompidos. “Trouxemos a receita a que a Sabesp tem direito pelo regulador. Isso contribuiu para o resultado do ano”, afirma Piani.

A situação foi judicializada por parte dos clientes, mas a empresa diz que 70% das ações tiveram resultado favorável para a Sabesp. A previsão é que um novo ciclo de revisão de descontos ocorra ainda neste ano — ou seja, mais receita potencial. Além disso, espera-se que o governo estadual defina uma política de descontos para grandes consumidores que, assim como ocorre para cidadãos de baixa renda, aconteça na forma de política pública — em outras palavras, custeada pelo Estado.

A cobrança de clientes devedores e o combate às ligações ilegais também foram pilares do resultado do último ano. Somou-se a isso o Plano de Demissão Voluntária (PDV), que teve adesão de 2.039 servidores em 2024, o que gerou alívio aos cofres da companhia de 439 milhões de reais.

“Somos mais disciplinados e rígidos nessas frentes. Sempre buscando disciplina na área financeira e na parte operacional”, afirma Piani. Esse trabalho acelerado de três meses em 2024, que continua em 2025,  além do legado de uma transição bem-feita, fez da Sabesp a vencedora da 52a edição de MELHORES E MAIORES.

A empresa virou um case de modernização do setor público brasileiro. O ano histórico teve números expressivos. Em 2024, a Sabesp registrou uma receita líquida de 36,1 bilhões de reais, alta de 41,3% em relação a 2023.

O Ebitda totalizou 11,3 bilhões de reais, alta de 19%, com a margem Ebitda ajustada em 52%, quatro pontos percentuais acima de 2023.

Já o lucro líquido disparou, chegando a 9,5 bilhões de reais, avanço de 171,9% em relação ao resultado de 3,52 bilhões de reais do ano anterior. Analistas avaliam que parte do resultado vem da forte redução de custos e despesas.

Mas parte relevante desses resultados tem relação com o único contrato entre a empresa e todos os municípios paulistas, concebido durante o processo de privatização. Antes, cada uma das 371 cidades tinha contratos com regras e vencimentos diferentes.

Com a segurança jurídica de um único instrumento até 2060, a Sabesp fez a atualização do histórico de investimentos reversíveis e não totalmente amortizados até o final do contrato, que deverão ser indenizados para a empresa, um padrão em concessões de saneamento e do setor elétrico.

Isso gerou um impacto positivo de 5,4 bilhões de reais no lucro. Ou seja, os investimentos, como grandes obras, se depreciarão durante o tempo, mas serão devolvidos em partes para a empresa, e isso foi incluído no balanço.

“Quando teve a privatização e a solidificação de entendimentos regulatórios, além do fato de o contrato novo ser bem melhor que os antigos, a empresa ficou confortável em fazer esse reconhecimento na receita”, diz Antonio Junqueira, analista do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME).

Apesar de reconhecer a relevância desse ponto nos números do último ano, Junqueira mostra que, ao retirar esse ajuste contábil, a Sabesp manteve os resultados positivos, graças ao aumento de eficiência. “A empresa vem melhorando, a gestão anterior fez um bom trabalho. E, sem esse ajuste, os números de 2024 também são melhores do que os de 2023”, diz o analista.

Privatização: o governo de São Paulo vendeu 32% das ações em junho de 2024 e tem a Equatorial como acionista de referência (Sabesp/Divulgação)

A valorização veio de forma imediata. Os papéis subiram 20,51% no ano passado, bateram 85,63 reais, e o valor de mercado da empresa chegou a 60,4 bilhões de reais em dezembro de 2024.

O rali não acabou ali e se estende para este ano. Em 2025, o papel fechou em 122 reais em agosto, valor próximo do projetado por analistas no calor da privatização. A companhia chegou ao recorde de 83 bilhões de reais de valor de mercado, uma alta de 13 bilhões de reais em apenas oito meses e de 45 bilhões de reais desde 2023, quando houve a primeira sinalização do governador Tarcísio de Freitas de que a desestatização seria realizada.

Das 12 casas de análises que acompanham a Sabesp, mais da metade recomenda a compra do papel.

“É uma história de sucesso impressionante. O investidor com certeza está muito feliz com esse papel. E a empresa ainda tem muito o que fazer”, diz Junqueira, do BTG. A política de dividendos está ligada às metas de universalização. A distribuição de até 100% do lucro líquido só será permitida a partir de 2026, com o cumprimento do plano estabelecido.

Não à toa, Piani diz que a universalização é a prioridade número 1, 2, 3 e 4 da empresa. “Essa é a razão pela qual o governo fez todo o processo. E vamos cumprir com essa obrigação”, diz.

O grande desafio é a velocidade necessária de contratação. A empresa reforçou a equipe de compras, com mais de 100 contratações, e transformou a divisão em uma diretoria. O resultado foi o aumento em três vezes da velocidade para contratar obras na comparação com o modelo estatal.

Já foram investidos mais de 10 bilhões de reais desde a privatização, e 60% do total de 70 bilhões de reais já está contratado, a maior parte via crédito. “Temos uma coleção de alternativas para levantar recursos. Vai ser eminentemente em dívida, crédito e geração própria, e podemos acionar o mercado de capitais, se necessário”, diz Piani.

A meta regulatória é acompanhada ano a ano. Para o acumulado de 2024 e 2025, a boa notícia é que a meta de ligações de residências para acesso à água já foi batida.

O grande desafio está na coleta e tratamento de esgoto, cujas metas só devem ser alcançadas no fim deste ano. “O caminho é crítico na região metropolitana, pela complexidade da urbanização”, diz o executivo. Quase 20% da população vive sem tratamento de esgoto no estado. O desafio é maior pela inclusão de 1 milhão de residências informais e em áreas rurais, que não estavam no contrato anterior à privatização.

O avanço passa pelo aumento da capacidade nas estações de tratamento. Como na de Barueri, a maior da América do Sul, com tamanho equivalente a 80 campos de futebol e responsável pelo tratamento de 60% do esgoto da Grande São Paulo.

A ideia é aumentar em quase 75% sua capacidade, em 20 metros cúbicos de rejeitos tratados por segundo. “São obras de dois, três anos. Para alcançar a universalização, temos de começar agora”, afirma Piani. Todo esse esforço, além de agradar os acionistas, causa impacto direto na sociedade.

Com peso de 30% na metodologia no Ranking EXAME MELHORES E MAIORES 2025, o aspecto ESG é intrínseco ao DNA de uma empresa de saneamento.

“Além de trazer investimento e desenvolvimento, o saneamento traz saúde e dignidade e diminui a diferença de renda”, diz o CEO. Dados do Instituto Trata Brasil mostram que a falta de saneamento reduz em 46% a renda das futuras gerações, mas estima que, se a universalização avançar até 2040, haverá um ganho na economia brasileira de 22 bilhões de reais por ano. “Se trouxermos resultado com propósito, será um caso muito diferenciado para o Brasil. Gerar valor para o acionista, mas entregando propósito e bem-estar para a população. Essa é a nossa missão”, diz Piani.

Obra subaquática no Guarujá: a empresa corre contra o tempo para realizar o plano de 70 bilhões de reais para atingir a meta de saneamento em 2029 (Sabesp/Divulgação)

Para além da meta, a Sabesp vê uma miríade de oportunidades. Em evento na B3, que marcou o fim do processo de privatização em junho do ano passado, o governador Tarcísio de Freitas disse que a empresa estava pronta para voar e se tornar a maior do mundo.

A convicção é a mesma de Piani. O CEO aposta na adoção massiva de tecnologia na operação para trazer mais eficiência. Até por isso, uniu a diretoria de atendimento de clientes, tecnologia e inovação em uma só.

Um exemplo foi a compra de 4 milhões de hidrômetros inteligentes da telecom Vivo, em um investimento de 3,8 bilhões de reais, o maior projeto de medição inteligente em andamento no mercado global de saneamento.

A tecnologia ultrassônica permite dados em tempo real, o que possibilita melhor atuação em caso de vazamentos e outras ocorrências. “Se formos mais eficientes, a tarifa pode ser mais prudente e justa. Parte do desafio de produtividade do Brasil passa também pelo serviço público. E vamos dar a nossa contribuição”, diz o CEO.

O olhar de expansão também mira a participação em leilões de saneamento pelo país. Só em 2025 estão previstos seis leilões com investimentos estimados que passam de 50 bilhões de reais.

O principal para a -Sabesp é dos blocos das 218 cidades paulistas não atendidas pela companhia, com investimentos estimados em 20 bilhões de reais ao longo do contrato.

“Estamos olhando para todas as oportunidades”, diz Piani. Para ele, a probabilidade de alguma transação ocorrer hoje é menor do que daqui a cinco anos, quando o desafio da universalização estará concluído. Mas afirma que não é uma questão de “se”, mas de “quando” a Sabesp participará de leilões. “Seja aqui no Estado de São Paulo ou até fora, a Sabesp vai fazer parte dessa história quando casar a oportunidade certa com o nosso momento”, afirma o CEO. O Brasil acompanhará com atenção. 



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