Revista Exame

E se Donald Trump chegar à Casa Branca?

Pelas contas da maioria dos economistas, se Trump for eleito presidente dos EUA em novembro, a economia global corre o sério perigo de uma nova freada.


	Donald Trump: o discurso protecionista para agradar quem ficou fora da festa
 (Jake Parrish / Reuters)

Donald Trump: o discurso protecionista para agradar quem ficou fora da festa (Jake Parrish / Reuters)

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Da Redação

Publicado em 11 de outubro de 2016 às 10h38.

São Paulo — A um mês das eleições presidenciais dos Estados Unidos, Donald Trump, o candidato republicano, continua disposto a causar preocupação nos principais parceiros comerciais e estratégicos dos Estados Unidos. Trump diz, com todas as letras, que Alemanha, Japão, Coreia do Sul e Arábia Saudita devem pagar uma compensação pela proteção militar dos Estados Unidos.

Ele também afirma que, se eleito, vai declarar a China — a segunda maior economia global — como um país “que manipula o câmbio” e vai elevar as tarifas de importação sobre os produtos chineses. Quebrando uma tradição republicana de defender a abertura comercial, o magnata do setor imobiliário ainda quer rever — e, em último caso, romper — o Nafta, o acordo de livre comércio com o Canadá e o México.

E, por falar em México, Trump continua dizendo que vai construir um muro na fronteira com o país vizinho para dificultar a imigração ilegal e fazer o governo mexicano pagar pela obra. Por suas propostas e seu comportamento considerado fora do padrão, parecia que Trump estava condenado a ficar pelo caminho na corrida presidencial com a democrata Hillary Clinton.

Mas, como o tempo foi passando e ele continuou com chance de vitória nada desprezível — as últimas estimativas oscilam entre 20% e 30% —, analistas econômicos começam a buscar respostas para a pergunta que imaginavam impossível há um ano: e se Trump ganhar? Quais são os riscos de suas propostas para a economia dos Estados Unidos — e, consequentemente, para a economia global? E para o Brasil?

Parece haver uma unanimidade que uma vitória de Trump elevaria imediatamente a percepção de risco. “Uma vitória de Trump coloca em dúvida a trajetória de recuperação da economia americana, o que claramente espalharia um efeito negativo para o resto do mundo”, diz Barry Eichengreen, professor de economia na Universidade da Califórnia.

Os Estados Unidos, sozinhos, respondem por mais de 15% do crescimento da economia mundial. Em seu relatório econômico divulgado na primeira semana de outubro, o Fundo Monetário Internacional chamou a atenção para o fato de a campanha eleitoral americana e a saída do Reino Unido da União Europeia terem levantado dúvidas sobre os benefícios da integração global.

O órgão alerta que qualquer mudança nos acordos comerciais, que estão em vigor há décadas, pode mudar profundamente a maneira como as empresas organizam suas operações, desde a contratação de funcionários até a compra de matéria-prima.

“Uma incerteza sobre como essas tendências vão evoluir pode levar as companhias a adiar projetos de longo prazo, limitar a criação de vagas e reduzir a atividade no curto prazo”, diz o relatório, que cortou a estimativa de crescimento da economia americana para 1,6% — 0,6 ponto percentual menos do que a previsão de julho.

Para o FMI, os fracos indicadores de investimento nos Estados Unidos são os principais responsáveis pela revisão. Em um estudo recente, o banco suíço Credit Suisse afirma que uma vitória de Trump levaria a “uma grande reavaliação” quanto às perspectivas de crescimento e inflação da economia americana — todas para pior. Já uma vitória de Hillary, o cenário mais provável, não mudaria as estimativas.

O Brasil, por ter uma economia relativamente fechada, está menos exposto do que outros países a uma eventual política comercial mais protecionista dos Estados Unidos. As exportações brasileiras representam somente 13% do PIB e apenas um décimo disso tem como destino os Estados Unidos. No entanto, uma redução mais profunda do comércio internacional não pouparia ninguém.

“Um choque comercial entre os Estados Unidos e a China levaria a uma desaceleração do PIB mundial. Esse parece ser o risco mais concreto de contágio para o Brasil”, diz Octávio de Barros, economista-chefe do banco Bradesco. Um dos efeitos secundários seria sentido na taxa de câmbio.

“Num cenário de incerteza externa, também é possível que tenhamos uma maior volatilidade do dólar”, afirma Caio Megale, economista do banco Itaú. Com um menor fluxo comercial e maiores barreiras, também teme-se uma redução nos investimentos externos feitos por americanos no Brasil.

Uma novela mexicana

Os países que mais dependem das transações comerciais com os Estados Unidos seriam os mais expostos ao risco representado por Trump. E, de longe, o México é o que mais pode sofrer com medidas protecionistas. Boa parte do setor industrial mexicano é voltada para atender o vizinho rico. Cerca de 90% de tudo que o México exporta tem como destino os Estados Unidos, o que corresponde a 28% do PIB mexicano.

Sempre que pode, o candidato republicano culpa os mexicanos por roubar empregos dos americanos e ataca as empresas que transferem parte da produção para o México. Sua solução, além de renegociar as tarifas do Nafta, é taxar as companhias que migrarem as fábricas para o exterior. Não é à toa que, nos últimos meses, o câmbio no México tem acompanhado os resultados das pesquisas eleitorais americanas.

Quanto mais Trump ganha apoio, mais o peso mexicano se desvaloriza ante o dólar. Quando cai nas pesquisas, o peso ganha força. Devido ao efecto Trump, o peso mexicano está em seu período mais volátil dos últimos dez anos. O Canadá é outro que está na linha de tiro. Quase um quinto de sua economia depende das exportações para os Estados Unidos. A China, por sua vez, exporta 5% do PIB para os americanos.

Juntos, os três países — China, Canadá e México — representam 45% de tudo o que os Estados Unidos compram e vendem. Mais barreiras a esses países gerariam um efeito cascata que afetaria cadeias de suprimento em vários outros mercados.

De acordo com o banco de investimento japonês Nomura, uma redução de 20% nas exportações da União Europeia para os Estados Unidos diminuiria o crescimento econômico da zona do euro em 0,5 ponto percentual — um impacto considerável para quem está crescendo apenas entre 1,5% e 2% ao ano.

Os cenários com Trump

Um estudo recente do Instituto Peterson, centro de pesquisa especializado em economia internacional com sede em Washington, mediu os possíveis efeitos das políticas protecionistas de Trump sobre a economia americana. Os pesquisadores analisaram diferentes cenários.

No primeiro, o aumento nas tarifas de importação sobre a China e o México levaria esses países a responder na mesma medida, elevando as taxas sobre os produtos americanos. Esse seria o pior dos mundos para os Estados Unidos.

Os setores industriais que exportam para a China sofreriam um baque, o que teria consequências graves também para o varejo e o setor de serviços, especialmente nas regiões onde as fábricas estão concentradas. Nesse caso, os Estados Unidos perderiam até 4,8 milhões de vagas de trabalho e o PIB daria uma freada — em 2019, a economia teria um crescimento negativo de -0,1%.

“O resultado mais surpreendente da pesquisa foi perceber a extensão que um choque comercial teria sobre vários setores da economia local”, diz o economista Marcus Noland, um dos autores do estudo. No cenário mais benigno, as políticas despertariam uma reação contrária tão forte por parte do Congresso e das empresas dos Estados Unidos que Trump se sentiria forçado a voltar atrás depois de um ano.

O impacto temporário provocaria uma perda de “apenas” 1,3 milhão de empregos. As projeções feitas para o caso de vitória de Hillary são bem mais positivas. De acordo com a consultoria Oxford Economics, com a democrata na Casa Branca, o PIB dos Estados Unidos deverá crescer aproximadamente 3% em 2017.

Analistas políticos e economistas têm se perguntado quanto das promessas de campanha de Trump de fato poderiam se materializar caso ele ganhe as eleições. A democracia americana é famosa por seus mecanismos de freios e contrapesos. O que um eventual presidente Trump realmente teria poder para fazer?

De acordo com a legislação atual, o presidente pode tomar medidas comerciais sem a necessidade de passar pela aprovação da Câmara ou do Senado. Trump prometeu e tem como enterrar a Parceria Transpacífico (conhecida pela sigla em inglês TPP), acordo que reúne países da Ásia e das Américas negociado pelo presidente Barack Obama e que ainda não está em vigor.

No caso do Nafta, a saída total do bloco — que, segundo Trump, aconteceria caso o México e o Canadá não aceitassem renegociá-lo — levaria seis meses após uma comunicação oficial. Caso realmente decida ir por esse caminho, o candidato republicano quebrará uma longa tradição. Os americanos não abandonam um tratado comercial há 150 anos.

Mas, para elevar tarifas de importação sobre o México ou a China, Trump teria muito mais dificuldade. De acordo com as regras da Organização Mundial de Comércio, a mesma taxa teria de ser aplicada a todos os demais países.

Ainda que o presidente tenha poderes para abandonar tratados de livre comércio, muitos se perguntam se Trump, como inquilino da Casa Branca, cumpriria todas as suas promessas de campanha. Nesse ponto, os analistas se dividem.

Ian Bremmer, fundador e presidente do Eurasia Group, respeitada consultoria de análise de risco político com sede em Nova York, acredita que Trump não vai comprar uma briga com os chineses ou tentar modificar o Nafta. “Retrocessos nessa área afetariam os interesses das corporações americanas”, diz Bremmer (veja entrevista a seguir).

Já economistas como Gregory Mankiw, professor na Universidade Harvard, não descartam um Trump mais ousado. “Se ele vencer as eleições, poderemos ver uma mudança significativa na política comercial dos Estados Unidos”, diz Mankiw. Com Hillary, a maioria opina que o quadro é completamente outro.

Ela era favorável ao TPP, voltou atrás, quer mudá-lo antes que entre em vigor, mas não fala em guerra de tarifas com a China nem em modificar o Nafta. De modo geral, o status quo deverá ser mantido. Na área fiscal, os dois candidatos também têm planos diferentes. Hillary defende um programa para tornar o ensino universitário gratuito para a população de baixa renda.

Trump quer priorizar os gastos com defesa e segurança nas fronteiras. Ela defende um aumento do imposto de renda para faixas de renda mais altas e a elevação das taxas cobradas sobre o lucro de investidores. Trump propõe uma redução nas alíquotas do imposto de renda e um corte dos impostos sobre os lucros das empresas.

A consultoria Oxford Economics estima que, caso Trump vá em frente com seu plano e consiga aprová-lo no Congresso, o déficit fiscal subiria de 3,3% do PIB para 7,9% até 2020. Um cenário assim elevaria a dívida pública dos Estados Unidos dos atuais 76% do PIB para mais de 100% do PIB até 2025.

Com Hillary, a consultoria calcula que a trajetória da dívida manteria o ritmo atual e chegaria perto de 80% no mesmo período. Com tantas coisas em jogo, as próximas semanas deverão ter um clima de filme de suspense. Uma audiência mundial vai continuar acompanhando passo a passo o desenrolar da campanha.

Trump teve um desempenho ruim no primeiro debate realizado na televisão no final de setembro (faltam ainda outros dois) e caiu nas pesquisas de opinião. Além disso, uma extensa investigação do jornal The New York Times mostrou que Trump teve prejuí­zos bilionários em seus negócios — e assim ficou desobrigado de pagar qualquer imposto ao governo federal.

Trump, até aqui, recusou-se a divulgar seu imposto de renda, uma prática de todos os candidatos presidenciais desde os anos 70. Mas que ninguém duvide: ele continua no páreo. Para ganhar a eleição, porém, terá de vencer em estados-chave, como Flórida, Pensilvânia e Ohio. Esses estados importam porque são os maiores eleitorados ainda indefinidos.

A estratégia de Trump para arrebatá-los tem sido reforçar sua retórica protecionista. Tecnicamente, Trump erra o alvo. Pesquisas recentes mostram que o comércio internacional teve pouco efeito no aumento da desigualdade social nos Estados Unidos desde os anos 70.

Isso porque as exportações chinesas para os Estados Unidos concentram-se em setores de alta tecnologia, que não ameaçam a mão de obra não qualificada americana — o grosso do eleitorado de Trump. Na verdade, o comércio com os chineses até beneficia os americanos mais pobres por permitir acesso a bens baratos.

As grandes causas da elevação da disparidade de renda são o atraso na educação e a demanda crescente por trabalhadores mais preparados. Mas essa análise nem sempre encontra espaço na cacofonia eleitoral. Ao apontar o comércio como vilão, Trump ganhou apoio da população branca e pobre. Mesmo que perca a eleição do próximo dia 8, esse tema deve continuar embalando futuras campanhas.

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