Alexandre Kalache: para o médico, de nada adianta estender a vida se não houver qualidade (May Tse/South China Morning Post/Getty Images)
Jornalista colaborador
Publicado em 12 de março de 2025 às 06h00.
Última atualização em 12 de março de 2025 às 10h23.
Não basta acrescentar mais anos à vida. É necessário acrescentar mais vida aos anos. Essa é a premissa para um envelhecimento saudável, segundo o médico gerontólogo Alexandre Kalache, de 79 anos, presidente do Centro Internacional da Longevidade (ILC-Brasil). O Brasil, apesar de ser um dos países em que a população envelhece mais rapidamente, ainda não está preparado para esse processo de longevidade acentuada, diz ele.
“Basta ver o número de partidos políticos nas últimas eleições que citavam o envelhecimento nas suas plataformas. Foram poucos e, mesmo assim, de passagem”, diz o médico. Considerado um dos maiores estudiosos sobre o tema, Kalache foi diretor do Departamento de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), onde idealizou e conduziu diversos estudos e políticas públicas ligados ao tema do envelhecimento. A seguir, trechos da entrevista concedida com exclusividade à EXAME CEO.
→ O senhor costuma dizer que precisamos acrescentar mais vida aos anos, e não apenas mais anos à vida. Como isso deve funcionar, na prática?
Há uma obsessão pelo número de anos que as pessoas podem viver. Porém, não adianta estender a vida se ela não tiver qualidade. É preciso estender a vida com qualidade. Isso significa viver mais anos com saúde, dignidade, ciente de suas responsabilidades, propósito de vida, capital social e financeiro para as suas necessidades, e acumulando conhecimentos que possam ser deixados como legado às próximas gerações. O importante é viver bem com os anos que você tem. Quanto mais cedo você se prepara para o envelhecimento, melhor. Nunca é tarde demais para esse preparo, mas os ganhos serão sempre melhores para aqueles que começaram mais cedo.
Déficit: há pouco mais de 2.000 geriatras no Brasil, quando o ideal seriam mais de 30.000 (FG Trade/Getty Images)
→ A população brasileira envelhece rapidamente, em um processo que deve ser acelerado nos próximos anos. O país está preparado para isso?
Não. O Brasil é um dos três países que mais rapidamente envelhecerão nos próximos 25 anos. Em 2011, tínhamos 10% da população brasileira com mais de 60 anos. Em 2030, passaremos a 20% do total. A França levou 145 anos para um processo semelhante. Por sorte, os países ricos primeiro enriqueceram para depois envelhecer. Em 2050, mais de 30% da população brasileira será sexagenária, ou seja, cerca de 68 milhões de pessoas. E aí entra a questão da pobreza e da desigualdade, assim como a falta de acesso aos serviços de saúde. Estamos envelhecendo muito rapidamente e o país não está preparado. Basta ver o número de partidos políticos nas últimas eleições que citavam o envelhecimento nas suas plataformas. Foram poucos e, mesmo assim, de passagem, falando muito mais sobre emprego e estender a vida laboral do que estender uma vida com qualidade e oferecer dignidade às pessoas envelhecidas.
Há pouco mais de 2.000 geriatras credenciados, quando o ideal seriam mais de 30.000
→ Hoje, Quais são os maiores desafios para quem envelhece no Brasil?
O principal deles é vencer o preconceito, o “idadismo”. A pandemia escancarou isso. Algo como “não vou comprar a vacina, gente velha só dá despesa, é um peso morto”. “O mundo é para os mais fortes.” E assim acumulamos mais de 700.000 mortes por covid-19 no país. O Brasil registrou 11% do total das mortes no mundo, enquanto a população brasileira representa apenas 3% da população mundial. Isso é um exemplo extremo do idadismo que prevalece em nossa sociedade, algo que deveremos fazer um esforço muito grande para vencer. Outros desafios são a desigualdade e a pobreza; a pobreza que começa no início da vida e se perpetua, assim como a falta de oportunidades.
→ Diante de tantos desafios, há também vantagens de envelhecer no Brasil, em comparação a outros lugares?
A sociedade brasileira tem uma coesão familiar e um capital social dentro da família que países desenvolvidos e já envelhecidos perderam. Temos o fator do clima que favorece a prática de atividades fora de casa, caminhadas, esportes. Mas, atenção, isso também está mudando. As ondas de calor são um fator de risco importante para a pessoa idosa. Somos um país de praia, mas também somos um país de enchentes. Em lugares com transtornos climáticos, as principais vítimas são as populações muito jovens e as idosas.
A vida é o direito mais fundamental, mas não é apenas uma questão de dar mais anos à vida. É necessário pensar em dar mais vida aos anos
→ Qual é o papel do poder público nesse processo de envelhecimento populacional? Como devem ser direcionadas as políticas públicas, em especial as relacionadas ao acesso à saúde, previdência e assistência social?
Eu sigo o Marco do Envelhecimento Ativo, promulgado pela Organização Mundial da Saúde em 2002. O que diz ele? Envelhecimento é priorizar e otimizar as oportunidades em quatro eixos fundamentais que podem aumentar a qualidade de vida à medida que envelhecemos. Em primeiro lugar, a saúde, o mais importante. O segundo eixo são os conhecimentos, as oportunidades para aprender sempre, da infância à velhice. A revolução da longevidade se dá em paralelo à revolução dos conhecimentos e da tecnologia. E quem não aprender novas habilidades vai ficar de fora. O terceiro pilar é a participação na sociedade. Isso pressupõe direitos de cidadania que, quando negados, reduzem a qualidade de vida. O último pilar é proteção e segurança. O horror do envelhecimento sempre foi e sempre será a pessoa se sentir desprotegida. E aqui não basta apelar para a família. É preciso que o Estado ofereça segurança e proteção ao idoso.
→ Apesar da demanda crescente, o Brasil possui poucos médicos geriatras, assim como cuidadores de idosos especializados. Como superar essa falta de profissionais?
Existe um déficit de 28.000 geriatras no Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Há pouco mais de 2.000 geriatras credenciados, quando o ideal seriam mais de 30.000. Ao mesmo tempo, apenas 10% das escolas médicas no Brasil possuem uma disciplina de geriatria. Mas vamos supor que haja um mutirão para formar 5.000 geriatras nos próximos dez anos. O problema é que o déficit terá aumentado para 37.000, por causa do envelhecimento da população. Ou seja, é enxugar gelo.
→ O que fazer, então?
Precisamos, sim, ter mais geriatras. Mas precisamos, sobretudo, que todos os profissionais da saúde aprendam mais sobre envelhecimento. O desenvolvimento das doenças, a farmacologia, a anatomia humana, tudo isso muda com a idade. Só que os profissionais não estão aprendendo o suficiente sobre envelhecimento. Por volta de 2040, a população do Brasil vai parar de crescer. O único segmento que continuará a crescer é o de pessoas com mais de 60 anos. Do total de residentes em medicina, cerca de 12% hoje escolhem obstetrícia e ginecologia. Não sei o porquê, já que estão nascendo menos crianças. Outros 11% escolhem a pediatria. Também não entendo, pois terão menos crianças para cuidar. E apenas 0,5% escolhem geriatria. A conta não fecha. Não estão percebendo que estamos no século da longevidade e a única forma de encontrar soluções duradouras é aprender cada vez mais sobre envelhecimento.
No Brasil, 4 milhões de pessoas idosas vivem sós. A solidão dói e pode ter um caráter perverso
→ Outra questão é a solidão dos mais velhos. Como lidar com esse enorme desafio, já que parte considerável dessa faixa etária vive sozinha e, muitas vezes, distante da família?
A pandemia deflagrou e escancarou esse problema imenso em nível global. Na epidemia de covid-19 nos deparamos também com a pandemia da solidão. No Brasil, 4 milhões de pessoas idosas vivem sós. A solidão dói e pode ter um caráter perverso. E aqui não estamos falando da solitude. A solitude é um momento de introspecção que você escolhe, de reflexão. Mas a solidão, não. Ela não é uma escolha, e sim um contexto. Num país de dimensões continentais como o nosso, a solidão pode ser agravada pelo distanciamento. São necessárias políticas públicas efetivas para a criação de centros sociais e de convivência.
→ Como lidar com a questão econômica de forma a atender satisfatoriamente a população que envelhece?
Há muitas iniciativas que podem gerar empregos e oportunidades econômicas. Creio que políticas públicas, em todos os níveis, devem ser desenvolvidas com muito cuidado para não deixar ninguém para trás. Não vejo isso acontecendo. Há outro aspecto, sobretudo no setor privado, de oferecer oportunidades de trabalho digno para pessoas com mais de 60 anos. Em um país que envelhece tão rapidamente, é uma forma de fazer com que a economia possa ser ampliada e que essas pessoas sejam capazes de continuar produtivas e competitivas.
→ Apesar de todos os desafios inerentes à velhice, o senhor diz que a melhor coisa que pode nos acontecer é envelhecer. É isso mesmo?
Sim. Envelhecer é bom, morrer cedo é o que não presta. A vida é o direito mais fundamental, mas não é apenas uma questão de dar mais anos à vida. É necessário pensar em dar mais vida aos anos. E fazer com que esses anos a mais sejam com qualidade. Para isso, é necessário pensar de uma forma holística, humanística e com empatia, lembrando sempre aos mais jovens: você almeja envelhecer. Creio que ninguém tem preferência por morrer precocemente. Mas lute para que o país em que você vai envelhecer lhe dê oportunidades. O melhor que pode acontecer aos jovens é envelhecer em um país que lhes garanta dignidade.