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É melhor "subir na mesa" do que esconder a verdade

1 - Li o seu livro Verdadeiro Poder e não encontrei de maneira explícita o significado de honestidade intelectual, um dos 18 itens que o senhor considera que devem compor a agenda do líder. Qual é o real significado de honestidade intelectual? Geverson de Freitas, de Santa Catarina Honestidade intelectual é simplesmente ser honesto por dentro. Não falar uma […]

É melhor "subir na mesa"  do que esconder a verdade (Marcelo Caldeira/EXAME.com)

É melhor "subir na mesa" do que esconder a verdade (Marcelo Caldeira/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 15 de julho de 2014 às 20h16.

1 - Li o seu livro Verdadeiro Poder e não encontrei de maneira explícita o significado de honestidade intelectual, um dos 18 itens que o senhor considera que devem compor a agenda do líder. Qual é o real significado de honestidade intelectual? Geverson de Freitas, de Santa Catarina

Honestidade intelectual é simplesmente ser honesto por dentro. Não falar uma coisa e fazer outra. Não dissimular. Não prometer algo para depois não cumprir. Honestidade intelectual é ser franco com as pessoas sem agredi-las, mas procurando fazê-las crescer.

É também reconhecer o crédito de feitos e ideias de outros sem se apropriar deles mais tarde. A honestidade intelectual é condição de uma boa cultura empresarial — como o líder é o formador de cultura, deve estar presente em todo bom líder. 

Estimular a honestidade intelectual como cultura empresarial pode ser muito benéfico para que todos caminhem na mesma direção dentro de uma empresa. Se você está numa reunião e não defende seu ponto de vista com ardor só porque seu chefe ou um grande amigo já deram uma opinião contrária, estará faltando com a honestidade intelectual.

Sempre brinco com meus amigos que reunião boa é aquela em que todo mundo “sobe na mesa”, “quebra cadeira”, mas, depois, todos saem prontos para tomar cerveja juntos. A empresa ganha e todos saem dali sabendo muito mais sobre seu trabalho. Ao contrário, se todos se fecham no discurso moldado para não ferir suscetibilidades, as reuniões servem apenas para perder tempo.

Certa feita eu estava com Carlos Brito, na época diretor de operações da Ambev (hoje presidente da AB Inbev), e fomos visitar um centro de distribuição da empresa, onde entrevistamos alguns vendedores e supervisores de vendas.

A entrevista prosseguia de forma muito amigável, quando certo funcionário, bastante famoso na Ambev por ser um vendedor extraordinário (talvez o melhor do Brasil) e bom líder, perguntou ao Brito: “Sendo um bom vendedor, eu posso ser promovido a supervisor algum dia?” Brito lhe perguntou se ele tinha curso superior.

O funcionário respondeu que não. Brito, rapidamente falou: “Então você nunca terá chance de ser promovido a supervisor, pois a política da empresa é que os supervisores tenham curso superior”. A verdade tem de ser dita. Talvez o extraordinário vendedor tenha saído dali decidido a fazer um curso superior, e a honestidade intelectual do Brito tenha sido decisiva em sua vida. 

Sonegar ou esconder a verdade é faltar com a honestidade intelectual. Se uma pessoa lhe pede um feedback sobre seu trabalho e você não fala toda a verdade, não está sendo intelectualmente honesto. Trabalho com consultores e dou feedback sempre que posso em cima do ato.

Já notei que todos os consultores a quem dei feedback, alguns bem duros, continuam meus amigos. As pessoas reconhecem que você se expôs para ajudá-las. Lá no fundo de sua alma, elas sabem que você só fez aquilo por puro amor e vontade de vê-las crescer — ao contrário do que boa parte das pessoas pode imaginar a princípio. 

Também existe, é claro, o lado ético da honestidade intelectual. Se você mantiver essa postura honesta consigo mesmo, nunca irá, por exemplo, “arredondar” dados de tal forma a ganhar bônus, nunca sonegará informações para comprovar informações (às vezes, até para si mesmo) nem jamais negociará as condições de um contrato para depois redigi-lo de outra forma, descumprindo o combinado.

2 - Faço parte de uma empresa recém-comprada. No processo de integração, o discurso é que não haverá terra arrasada. A prática, porém, é bem diferente. Mesmo sendo mais eficientes, os executivos da empresa compradora não estão dando valor para tudo o que construímos. Por que as empresas têm um discurso e fazem outra coisa completamente diferente? Anônimo, de São Paulo

De fato esse costuma ser o discurso-padrão em casos como esse. E logo de cara se cria um ceticismo entre os funcionários quando ocorre o anúncio de que a empresa compradora não fará grandes mudanças na empresa comprada. Nos episódios mais recentes que acompanhei de perto, em alguns casos era verdade e em outros não.

Por exemplo: numa recente fusão de grande porte no Brasil, o chefe do setor de tecnologia da informação avisou a todos que não haveria demissões. Realmente não houve. Ao contrário, a empresa ainda contratou mais devido à sua política de investir em tecnologia para seu futuro. 

Em outros casos presenciei a distância entre o discurso pacificador e a prática devastadora. Sou de opinião que a empresa deveria ser clara e dizer o óbvio, que no fundo todos sabem:  “Fizemos uma fusão e vamos buscar o melhor para a sobrevivência da empresa. Em alguns setores manteremos as duas equipes, mas em outros possivelmente haverá excesso, como acontece em geral em processos de integração, e escolheremos os melhores”.    

Esse seria um bom exemplo de honestidade intelectual. As pessoas entendem. E, se tudo for feito às claras e com justiça (sem preferências puramente pessoais), não haverá problema.

O caso citado por você é lamentável, mas ocorre com frequência. É evidente que nessa história não existem a consciência e a prática da meritocracia — e estão prevalecendo os relacionamentos pessoais. Não é nada bom trabalhar numa empresa em que as pessoas seguem esses princípios.

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