Revista Exame

É melhor demolir os estádios que só trazem prejuízo?

Mais de quatro anos após a Copa do Mundo, algumas arenas continuam a ser vorazes consumidoras de recursos públicos

Abertura da Libertadores de Futebol Feminino na Arena da Amazônia, em Manaus: falta público, sobram custos | Sandro Pereira/Codigo19/Folhapress

Abertura da Libertadores de Futebol Feminino na Arena da Amazônia, em Manaus: falta público, sobram custos | Sandro Pereira/Codigo19/Folhapress

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Da Redação

Publicado em 28 de março de 2019 às 05h44.

Última atualização em 25 de julho de 2019 às 15h48.

No dia 3 de fevereiro, o Nacional, time mais vitorioso e dono da maior torcida do Amazonas, e o Penarol, clube em ascensão no estado, entraram em campo na Arena da Amazônia, em Manaus, para a abertura do Campeonato Amazonense de Futebol. Apesar da farta cobertura da imprensa local e do preço promocional dos ingressos, de 10 reais, apenas 1.492 torcedores estavam nas arquibancadas. Resultado: a renda total do jogo, inferior a 15.000 reais, nem sequer foi suficiente para cobrir os custos do evento.

O que seria apenas mais um retrato corriqueiro das agruras do futebol no país ganha contornos dramáticos quando se analisa com atenção o local da partida. Com capacidade para abrigar 44.000 pessoas, a arena, construída para a Copa de 2014, vive às moscas. Em 2018, recebeu 22 partidas oficiais e em apenas uma delas a presença de público não foi um fiasco: na semifinal da Copa Verde, em 11 de abril, 22.485 pessoas pagaram para ver o Manaus ser derrotado por 2 a 1 pelo Paysandu. No restante da temporada, apenas 1.000 fanáticos, em média, deram o ar da graça no estádio. Em três partidas, menos de 500 devotos estiveram presentes — um recorde negativo entre os palcos erguidos para a Copa.

Entre os 12 estádios construídos ou reformados para o Mundial, a situação da Arena da Amazônia é uma das mais graves, junto com a da Arena das Dunas, em Natal, e a Pantanal, em Cuiabá.  Para que a Arena da Amazônia fosse construída, decidiu-se pela demolição do estádio Vivaldo Lima, o Vivaldão. Segundo a justificativa oficial, o velho estádio de Manaus estava assentado num endereço privilegiado, ideal para o projeto da Copa.

Um estudo apresentado na época revelou que a reforma para a adaptação ao chamado padrão Fifa custaria 300 milhões de reais, mas o governo do Amazonas, com os organizadores da Copa e o governo federal, preferiu a construção de uma arena nova em folha. Orçada em 580 milhões de reais, ela acabou custando 660 milhões, mais do que o dobro do valor estimado para a reforma do Vivaldão. Não demorou muito para que o novo estádio se tornasse um problema de difícil solução.

Pouco mais de quatro anos depois da Copa de 2014, a Arena da Amazônia não consegue fechar as contas e continua a ser uma consumidora voraz de recursos públicos. O governo do Amazonas deve 1 milhão de reais para a empresa que faz a manutenção do gramado. Calcula-se que outro 1 milhão de reais precise ser gasto para repor as lâmpadas queimadas dos refletores. Isso sem contar os reparos em portas sem fechadura, louças de banheiro quebradas e grades de proteção arrancadas. Estimativas apontam que, ao final de 2019, o estádio terá absorvido quase 11 milhões de reais no ano apenas com despesas de manutenção. Se tudo correr bem — algo bem dífícil —, as receitas com jogos de futebol, shows, feiras de negócios e aluguel dos camarotes chegarão, no máximo, a 4 milhões de reais até o fim do ano. O governo do Amazonas terá de arcar com a diferença.

Além disso, o estado paga mensalmente 4,8 milhões de reais ao BNDES pelo financiamento da obra, conta que só terminará em 2026. Segundo um estudo recente realizado pela consultoria Pluri, especializada no mercado esportivo, mantidas as médias de público e renda do Campeonato Amazonense de Futebol de 2013 a 2018, seriam necessários 118.673 jogos e 3.207 anos para recuperar o investimento feito na construção do estádio.  “Qualquer projeto que acumule perdas exige uma decisão, nem que seja a de abandonar o negócio. Com estádios, não é diferente”, diz Amir Somoggi, sócio da consultoria de marketing esportivo Sports Value. “A implosão pode ser um caminho para esses elefantes brancos pararem de sangrar, especialmente num país com orçamentos públicos tão escassos.”

Pode ser chocante falar na demolição de lugares que receberam há apenas quatro anos craques do futebol mundial, mas é uma opção a ser considerada quando ano após ano a conta só aumenta. Estudos mostram que nenhum estádio será sustentável se não receber pelo menos 30 partidas com bom público por ano. É preciso levar em conta também que, com o passar do tempo, a situação piora. O patrimônio vai se deteriorando e os custos de recuperação aumentam. Em dado momento, a melhor saída pode ser pôr tudo abaixo. “Quando fica provado que os custos de manutenção serão sempre maiores do que as projeções de receita, é preciso que se comece a discutir a possibilidade de demolição”, diz Pedro Daniel, líder da área de esportes da consultoria EY.

E quanto custaria a demolição de um estádio de futebol? Os valores variam muito, a depender da estrutura da obra, de suas características arquitetônicas e, claro, de sua dimensão. Em 2010, o governo do Amazonas gastou 32 milhões de reais para derrubar o Vivaldão, estádio que tinha capacidade para 43.000 pessoas. A implosão da antiga Fonte Nova, em Salvador, estádio para 80.000 pessoas e que também deu lugar a uma nova arena para a Copa, consumiu 35 milhões de reais.

Segundo especialistas, o custo direto da demolição é o que conta menos nessa equação. É preciso, antes de tudo, cruzar as despesas de manutenção com as projeções de receita que um futuro novo empreendimento poderia gerar. Segundo o consultor Pedro Daniel, da EY, os estádios da Copa têm um custo médio de manutenção de 10 milhões de reais anuais. “A conta mais importante que precisa ser feita, especialmente em projeto de médio ou longo prazo, é o custo-oportunidade”, diz Daniel. “Ou seja, quanto terei de receita se trocar, digamos, um estádio deficitário por um shopping center.”

Ainda assim, a decisão de colocar um estádio abaixo é complexa. Um exemplo está ocorrendo agora mesmo em Sydney, na Austrália. O Allianz Stadium, conhecido como Estádio de Futebol de Sydney, foi inaugurado em 1988 e reinou absoluto por 11 anos, recebendo as principais partidas de rúgbi e futebol das ligas australianas. Desde 1999, com a inauguração do ANZ Stadium, passou a competir com a nova arena construída para receber a abertura da Olimpíada de 2000. O Allianz, naturalmente, acabou esvaziado e seu proprietário, o governo do estado de Nova Gales do Sul, decidiu demolir a velha estrutura para erguer outra mais moderna no local. O plano enfrenta resistência da comunidade e desencadeou uma batalha judicial, pois haveria indicações de que a arena teria material cancerígeno que poderia se dispersar com a implosão.

Arena das Dunas, em Natal: 15 milhões de reais perdidos de 2014 a 2016; de lá para cá, a conta é desconhecida | Rubens Chaves/Pulsar Imagens

Aqui, por enquanto, a possibilidade de demolição não está no horizonte dos gestores das arenas da Copa. Segundo Caio André Oliveira, secretário estadual de Juventude, Esporte e Lazer do Amazonas, o governo eleito no ano passado quer ampliar o uso do lugar, que já foi alugado para festas de casamento e aniversários. Para 2019, as apostas são em festivais gastronômicos e na Campus Party, maior feira de tecnologia da América Latina, que, segundo ele, poderá ser realizada em outubro nas dependências da Arena da Amazônia.

Encontrar saídas capazes de reduzir custos e gerar inéditos fluxos financeiros é o desafio dos novos gestores da Arena Pantanal, empossados no início do ano. Não será tarefa fácil. Também construído para a Copa de 2014, por 628 milhões de reais, o estádio opera no vermelho desde sempre. “Nosso custo mensal de manutenção gira em torno de 400.000 reais”, diz o secretário de Esporte, Cultura e Lazer de Mato Grosso, Allan Kardec, responsável pela administração do estádio. Por ano, isso significa um desembolso público de 4,8 milhões de reais, para receitas que nunca superam 1  milhão. Segundo Kardec, várias iniciativas serão lançadas para aliviar os gastos. Um dos camarotes da Arena será transformado em centro de eventos para 1.000 pessoas, e a ideia é atrair bares e restaurantes para as dependências do estádio. “Vamos realizar vários eventos do governo no lugar, evitando assim custos com aluguel de outros espaços”, diz Allan Kardec.

Allianz Parque, em São Paulo: boa parte da receita do estádio do Palmeiras vem de shows e eventos | Adriana Spaca/FramePhoto/Folhapress

A Arena Pantanal já vem adotando soluções para amenizar o sufoco financeiro. Uma escola de ensino fundamental para 400 alunos funciona no local e, nas próximas semanas, um batalhão da Polícia Militar com 200 policiais também será transferido para lá. Kardec admite que são medidas paliativas, que não resolvem o problema. O desafio maior, segundo ele, é reduzir os custos de manutenção. Para isso, está nos planos do governo investir na geração de energia fotovoltaica para tentar reduzir à metade as despesas com iluminação. As medidas serão suficientes para, pelo menos, equilibrar as contas? “Se nada disso funcionar, podemos pensar mais à frente na concessão do estádio à iniciativa privada”, afirma o secretário.

A falta de habilidade para gerenciar estádios não é uma exclusividade do poder público. A Arena das Dunas, em Natal, também fruto da Copa com baixo potencial financeiro, é administrada por uma concessionária ligada à OAS, empreiteira responsável por sua construção. Em 2018, o estádio recebeu apenas 25 jogos, com média de público de 4.000 torcedores, número insuficiente para sua-vizar as perdas financeiras. Mesmo nas mãos da iniciativa privada, a conta acaba sendo paga pelo poder público. Quando a operação da arena é deficitária, o governo do estado tem a obrigação, por contrato, de cobrir o prejuízo. Isso não incentiva a boa gestão.

A reportagem entrou em contato com a administração do estádio, que alegou não ter informações sobre os custos de manutenção e as receitas geradas pelos jogos e eventos realizados no local. O que se sabe é que, de 2014 a 2016 — os anos de maior atividade futebolística da Arena —, os prejuízos totalizaram pelo menos 15 milhões de reais. Tudo indica que as perdas seguiram no mesmo ritmo nos períodos seguintes. “Nosso maior erro é a falta de entendimento do negócio estádio”, diz o consultor Amir Somoggi. Um ranking elaborado anualmente pela Sports Value, de Somoggi, mostra que o Palmeiras foi o time que mais faturou com o estádio em 2017: 121 milhões de reais. Boa parte da receita do Allianz Parque, administrado em regime de comodato pela WTorre, construtora que ergueu a estrutura, é proveniente de shows e eventos.

Mesmo estádios icônicos e recordistas de público não estão livres de problemas. Em março, o governo do estado do Rio de Janeiro cancelou a concessão do Maracanã alegando falta de pagamento da outorga por parte da construtora Odebrecht, operadora do estádio. O governador do Rio, Wilson Witzel, promete lançar uma parceria público-privada para administrar o complexo esportivo que consumiu 1 bilhão de reais na reforma para o Mundial. Erguidos a peso de ouro, os estádios da Copa ainda não encontraram um modelo econômico que os sustente. Talvez nunca encontrem. A conta do populismo e da megalomania pode perdurar ainda por gerações. Infelizmente. 

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