Revista Exame

É hora do Brasil sair da retranca na internet

A Copa do Mundo oferece uma chance para que o país tire o atraso em internet de banda larga. O setor privado pode resolver a questão — desde que o governo não atrapalhe

A seleção em campo: dúvida quanto à imagem que os torcedores poderão ter pela internet em 2014 (Mike Hewitt/Getty Images)

A seleção em campo: dúvida quanto à imagem que os torcedores poderão ter pela internet em 2014 (Mike Hewitt/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 19 de agosto de 2011 às 17h35.

Brasília - Ao longo da última década, o crescimento vertiginoso do mercado consumidor gerou diversos desequilíbrios entre oferta e demanda. Os engarrafamentos de trânsito das grandes cidades e as filas nos aeroportos são dois exemplos bem visíveis.

Mas há outra modalidade de congestionamento da qual se fala menos e que virou um dos principais gargalos da economia brasileira — a lentidão da internet. O Brasil rapidamente se tornou um dos maiores mercados globais para computadores e smartphones e, ao que tudo indica, vai pelo mesmo caminho em relação aos tablets.

Mas o que a princípio é um avanço — a absorção de tecnologia com a inclusão digital — vai se convertendo no risco de um apagão cibernético. A causa é o descompasso entre o crescimento explosivo do tráfego na internet e o aumento insuficiente da infraestrutura de telecomunicação.

Recentemente, o próprio ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, disse que “há quase um apagão em grande parte da Região Norte”. O ministro está subestimando o problema, que se estende do Oiapoque ao Chuí. Estima-se que 70% dos acessos no país sejam feitos com velocidade inferior a 1 megabit por segundo.

Quando se trata de navegar na web — atividade imprescindível para empresas e cidadãos do século 21 —, o Brasil, sétima economia do mundo, está na modesta 35ª posição num ranking de qualidade da internet. Apenas 3,9% das conexões têm velocidade superior a 5 Mbps, padrão necessário para teleconferências e vídeos de alta resolução. 

No dia a dia de negócios como educação a distância, isso atravanca a eficiência. “Nossos alunos têm atrasos na recepção de imagem e voz que chegam a mais de 20 segundos”, diz Stavros Xantopoylos, diretor da FGV Online, escola com 100 000 estudantes em cursos de administração e economia.

Depois de ter lançado em 2010 um mirabolante Plano Nacional de Banda Larga, em que previa investir 10 bilhões de reais para conectar 80% dos municípios, em julho o governo fixou novas metas para coincidir com a Copa do Mundo de 2014. Desta vez, os objetivos são mais modestos — e mesmo assim teme-se que não sejam atingidos. 


Agora, a meta é que, até 2014, as operadoras forneçam pacotes de 5 Mbps por um preço a ser definido nas 12 cidades-sede da Copa. Isso, em tese, favoreceria 58 milhões de brasileiros e 600 000 turistas esperados pelo país.

“Durante os jogos, todo mundo vai querer descarregar vídeos, assistir à TV na internet e ligar para os amigos”, afirma Erasmo Rojas, diretor da 4G Americas, uma associação de empresas do setor de telecomunicação. “Nesse cenário, há risco de congestionamento das redes, com lentidão ou perda da ligação.”

Por enquanto, o governo fechou acordo para que, a partir de setembro, cinco grandes provedores vendam pacotes de 1 Mbps a 35 reais por mês. Por exigência da Fifa, a estatal Telebrás vai investir 200 milhões de reais para dotar os centros de mídia dos estádios de internet de 20 gigabits por segundo.

“O governo vai cumprir os compromissos com a população e com a Fifa”, diz Cezar Alvarez, secretário executivo do Ministério das Comunicações. “Além de incentivar a competição entre os provedores, queremos promover a inclusão digi­tal para a educação e em regiões rurais.”

Entretanto, para chegar lá é preciso desatar uma série de nós. O primeiro é a realização de um leilão em abril de 2012, pela Agência Nacional de Telecomunicações, para licitar a chamada internet móvel de quarta geração, ou 4G, necessária para conexões a partir de 5 Mbps.  

“Como a demanda por internet móvel cresce exponencialmente, a parte mais difícil de nossa missão é prever o volume de tráfego médio em 4G nos próximos anos”, diz João Rezende, diretor da Anatel. “Mas o leilão vai acontecer na data prevista.”

Uma vez feito o leilão, as empresas ganhadoras não poderão instalar suas redes de fibras ópticas imediatamente. Isso porque o 4G brasileiro vai adotar uma frequência de faixa hoje utilizada por TVs por assinatura. Logo, será preciso “despejar” os atuais usuários e indenizá-los para limpar a faixa.

De acordo com analistas ouvidos por EXAME, os provedores terão entre 12 e 18 meses para instalar a nova tecnologia. “O prazo é apertado”, diz o consultor Ronaldo Sá, ex-presidente da Telebrás.


“Não há garantias de que o leilão e a limpeza da faixa permitirão a implantação, o ajuste e a ativação da rede 4G a tempo da Copa do Mundo.” Segundo ele, as cidades-sede da Copa com instalação mais trabalhosa serão São Paulo, Manaus, Natal e Cuiabá.

Além dessas questões, há tradicionais empecilhos tupiniquins, como a carga de impostos — que chega a 43% do preço final da internet — e a ausência de regras para operadoras de telefonia atuarem no mercado de TV a cabo, a exemplo do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos.

Nada disso desanima as empresas, que planejam investir 70 bilhões de reais em infraestrutura até 2014. “Depois da revolução na telefonia celular, temos boas razões para ser otimistas”, diz Antonio Carlos Valente, presidente da Telefônica, que neste ano deve investir 6 bilhões de reais.

As operadoras rivais não são menos agressivas. Recentemente, a Embratel implantou uma rede de fibra óptica entre Porto Velho e Manaus, rasgando a floresta e passando por baixo do rio Amazonas. Já a Oi chegou a Manaus pelo norte, com um cabo partindo da Venezuela.

Como se vê, diante de um mercado tão promissor, o setor privado joga no ataque. Mas é preciso que o governo possibilite o acesso a um serviço vital ao país — antes, durante e depois da Copa.

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