Revista Exame

Brasil deve abandonar a preguiça e crescer, diz Jim O´Neill

Jim O’Neill, criador do acrônimo Bric, diz que, para voltar a crescer, o país tem de investir na eficiência da economia. Primeira medida: reduzir a inflação para baixar o juro real


	O'Neill: “Parece que o Brasil quer ser mais chinês do que a própria China”
 (./Divulgação)

O'Neill: “Parece que o Brasil quer ser mais chinês do que a própria China” (./Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2015 às 05h00.

São Paulo - O economista inglês Jim O’Neill sempre será lembrado como o criador do termo Bric, acrônimo formado pelas iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China. Esses quatro países, segundo ele, poderiam liderar o crescimento global no século 21. A China correspondeu e hoje é a segunda economia do mundo. A Índia também vai bem. Brasil e Rússia começaram bem, mas logo passaram a desapontar.

Para O’Neill, o motivo é: os dois países se acomodaram com o crescimento fácil da década passada impelido pela demanda por commodities. Quando os preços baixaram, os problemas tornaram-se evidentes. Com o Brasil, O’Neill mantém o otimismo. “O país ainda pode crescer 5% nesta década”, diz.

Para isso, é preciso deixar o que ele chamou de “preguiça” de lado e implementar uma agenda de reformas que aumentem a eficiência da economia. Mas faz um alerta: se o Brasil não voltar a crescer até 2019, vai deixar de merecer o lugar no grupo dos Bric.

EXAME - O que o caso de corrupção envolvendo parte da base de apoio do governo federal e a Petrobras revela sobre o Brasil?

Jim O'Neill - Mostra o risco que é a existência de grandes empresas controladas pelo governo no setor de commodities. O risco de corrupção não pode ser subestimado. É importante ressaltar que isso não ocorre apenas no Brasil, mas em muitos países em que essa combinação existe, como o México.

EXAME - O problema da Petrobras é mais um fator a prejudicar o crescimento brasileiro em 2015. Mas desde 2011 o PIB vem desacelerando. Por quê?

Jim O'Neill - A desaceleração é consequência de uma preguiça que tomou conta da economia brasileira com o boom de commodities. O país se tornou muito dependente da exportação de minério de ferro e de soja. Deu certo enquanto os preços estavam em alta. Mas, de um tempo para cá, a situação mudou. Os preços baixaram, e as fraquezas da economia brasileira foram expostas.

EXAME - O que o senhor chama de preguiça?

Jim O'Neill - Os formuladores de políticas permitiram a existência de muitas empresas não competitivas no país. O custo da mão de obra do Brasil é exagerado em comparação com muitos países. E há muita ineficiência. Nos últimos quatro anos, o Brasil poderia ter crescido a um ritmo de 5% ao ano. Mas não cresceu nem metade disso. Então, fica claro que o país precisa de mudanças radicais na condução da economia.

EXAME - O que seria sair dessa preguiça?

Jim O'Neill - Aumentar a eficiência da economia. Basicamente resolvendo algumas questões. A primeira é baixar de forma sustentável a taxa de juro real, que, no Brasil, é persistentemente alta. Essa situação ocorre mesmo num cenário em que os juros estão baixos no mundo inteiro.

A razão é que as expectativas de inflação no Brasil são sempre muito altas. É um reflexo da falta de independência do Banco Central para lidar de forma mais firme com o aumento de preços. Se o governo desse mais independência ao BC, as expectativas cairiam. E seria possível controlar a inflação com uma taxa de juro mais baixa. Isso permitiria um crescimento mais vigoroso da economia.

O que me chamou a atenção no Brasil, quando criei o acrônimo Bric em 2001, foi o fato de o país ter conseguido controlar a hiperinflação. Mas os brasileiros jamais podem baixar a guarda nesse campo.

EXAME - E quais as outras questões que precisam ser resolvidas?

Jim O'Neill - Um ponto importantíssimo: os governantes brasileiros precisam parar de tentar agir como os chineses. Ou seja, o governo precisa parar de interferir tanto na economia. O uso do BNDES, por exemplo, é excessivo. O governo domina o mercado financeiro por meio dos bancos públicos. Uma coisa é acreditar em justiça social, e eu admiro Lula e Dilma por isso.

Mas não se consegue justiça social com intervenção na economia. Nem a China, que é um país comunista, faz isso. Parece que o Brasil quer ser mais chinês do que a própria China! Em vez de fazer isso, o governo deveria criar um ambiente de negócios que favoreça e encoraje as empresas a assumir riscos e a investir mais. O Brasil precisa aumentar sua competitividade.

EXAME - O governo culpa a crise mundial pelos problemas na economia.

Jim O'Neill - Está errado. Os problemas do Brasil estão no Brasil. Há poucos dias, estive na Indonésia. No ano passado, aquele país cresceu cerca de 5,5%. E a Indonésia estava tão exposta ao cenário internacional quanto o Brasil. Então, é uma justificativa fraca culpar o mundo pela desaceleração econômica.

EXAME - Mas a economia brasileira não foi prejudicada pela redução dos preços de matérias-primas?

Jim O'Neill - Sim, é verdade que os problemas do Brasil se tornaram mais evidentes depois da queda nas cotações de commodities. Mas, como venho dizendo há algum tempo, para se consolidar como uma economia forte e que mereça ser parte de um grupo como o Bric, o Brasil precisa mostrar que consegue lidar com a diminuição dos preços de matérias-primas.

EXAME - Neste começo do segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff dá prioridade a um ajuste fiscal. Ela está certa nisso?

Jim O'Neill - O desarranjo fiscal foi reflexo da tentativa de usar mais o governo para impulsionar a economia. Hoje, a situa­ção fiscal do país é bastante delicada. Nesse sentido, a presidente Dilma está correta em fazer o ajuste. Mas não se trata apenas de reduzir o déficit. É necessário melhorar a qualidade dos gastos públicos, para permitir uma redução dos impostos e abrir mais espaço para o setor privado. 

EXAME - Fazer um ajuste fiscal com a economia desacelerando não poderia jogar o país ainda mais na recessão, como se deu com Grécia e Portugal?

Jim O'Neill - Essa comparação é descabida. A situa­ção brasileira é completamente diferente da que ocorreu na Europa. O Brasil sofre com um problema que é ter um Estado que gasta muito. Por isso, os juros são altos, o que diminui o consumo das famílias e os investimentos. Daí vem a necessidade de o país fazer um ajuste fiscal. Isso não tem nada a ver com os problemas enfrentados pela Europa.

EXAME - O Brasil deve ir para o quinto ano seguido de baixo crescimento. Faz sentido manter o país no Bric?

Jim O'Neill - Claro que sim. Mas se o Brasil, como a Rússia, não recuperar o crescimento até 2019, aí não merecerá conti­nuar no grupo. Ressalto que ainda é cedo para fazer essa avaliação.

EXAME - O que impulsionaria um novo ciclo de crescimento no Brasil?

Jim O'Neill - Reformas econômicas concebidas como forma de aumentar a produtividade da economia. O efeito imediato seria tornar os investidores e os consumidores mais otimistas. Isso iniciaria um ciclo virtuoso de crescimento, muito mais saudável e sustentável do que um ciclo iniciado pelo boom de commodities.

EXAME - O senhor está otimista com a recuperação da economia mundial?

Jim O'Neill - Mais otimista do que a média dos analistas, mas menos otimista do que costumo ser. Acho que a economia dos Estados Unidos está se recuperando muito bem. E a desaceleração da China é positiva no médio prazo. Essas duas economias respondem por boa parte do PIB mundial. Minha preocupação é com a Europa. Lá os problemas ainda são graves e a solução não será simples.

EXAME - Em 2001, Brasil, China, Rússia e Índia chamaram a atenção. Em 2015, quais emergentes sobressaem?

Jim O'Neill - Ainda a China e a Índia. Apesar da desaceleração do crescimento, o governo chinês está fazendo o que é preciso para manter um ciclo virtuoso — algo que o Brasil ainda não conseguiu fazer. A Índia também faz reformas positivas. Além desses, estou otimista com a Indonésia, o México e a Coreia do Sul. 

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