Revista Exame

É hora de comprar: por que tantos brasileiros trocam de casa na pandemia

Estudo do Grupo ZAP mostra os preços dos imóveis nas capitais, o perfil de quem quer comprar e as mudanças na demanda com a pandemia

Juros do crédito habitacional caem pela metade e levam a vendas recordes de imóveis. Mas o mercado aquecido já pressiona os custos de construção e os preços para o consumidor (Getty Images/Getty Images)

Juros do crédito habitacional caem pela metade e levam a vendas recordes de imóveis. Mas o mercado aquecido já pressiona os custos de construção e os preços para o consumidor (Getty Images/Getty Images)

Karla Mamona

Karla Mamona

Publicado em 5 de novembro de 2020 às 05h25.

Última atualização em 11 de fevereiro de 2021 às 15h10.

No ano da pandemia de covid-19, da provável maior queda da economia brasileira em mais de um século, existe um setor que vive seu melhor momento em muitos anos. Nunca tantos brasileiros decidiram concretizar a decisão da compra da casa própria. Ou como investimento. O mercado imobiliário mostrou resiliência no momento mais agudo da crise e está liderando o processo de retomada da economia.

Um estudo exclusivo preparado pelo Grupo Zap para a EXAME revela a dimensão do momento de transformação do mercado de imóveis residenciais no país. Amparados pelo crédito imobiliário com as menores taxas de juro da história do país, os brasileiros que podem buscam imóveis maiores e estão dispostos a se afastar do centro e dos locais de trabalho graças à opção do trabalho remoto. E começam a pagar mais caro na compra, ainda que economizem com o crédito mais barato.

É um momento de euforia que contrasta com a apatia de muitos setores que ainda estão longe do patamar em que se encontravam antes da pandemia. Não que o mercado imobiliário não tenha sido impactado. No auge das medidas de isolamento social, lançamentos de imóveis foram suspensos, estandes de vendas ficaram fechados e muitos brasileiros decidiram adiar a compra da casa. As vendas recua­ram cerca de 50% em São Paulo de fevereiro para abril.

Mas o Banco Central decidiu acelerar a queda da taxa de juro de 4,5% para 2% ao ano para evitar que a recessão fosse tão profunda como se desenhava. Foi essa queda que ditou o tom da retomada do mercado de imóveis, derrubando o custo do capital de bancos e, consequentemente, ainda mais as taxas do financiamento habitacional. Isso acabou atraindo tanto quem desejava mas não podia financiar imóveis mais caros quanto o investidor de renda fixa, que viu seus rendimentos desabar.

As taxas de juro do crédito imobiliário caíram pela metade em quatro anos, passando de 15,6% ao ano em 2016 para 7,6% em 2020. No meio da pandemia, a recuperação começou tímida em abril, ganhou força em maio e passou a superar recordes históricos em agosto, auxiliada pela queda menor do que a esperada da atividade econômica e da renda disponível de quem preservou o emprego.

No maior mercado do país, São Paulo, foram vendidos 49.700 imóveis residenciais novos nos 12 meses até setembro, acima do recorde histórico de 49.200 ao longo de 2019, segundo dados do Sindicato da Habitação de São Paulo (SecoviSP).

Trabalhadores em futuros prédios na Vila Madalena, em São Paulo: obras aceleradas, mesmo com a pandemia (Germano Lüders/Exame)

A Caixa, líder no crédito imobiliá­rio do país, tem fomentado o mercado com iniciativas que vão além da redução de juros nas modalidades de crédito tradicionais: o banco foi o primeiro a lançar a linha de crédito imobiliário indexada ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Os bancos privados não ficaram atrás. O Itaú Unibanco, por exemplo, lançou uma linha de crédito atrelada à poupança. Os novos produtos e a concorrência entre os bancos são benéficos ao consumidor final, que tem a chance de comparar e escolher o que é melhor para seu bolso.

É um fenômeno nacional. A mineira MRV, maior incorporadora do país em receitas, tem superado recordes de vendas sucessivamente. Se no início da pandemia a previsão era encolher 50%, a situação foi revertida para uma alta de 40% nas vendas de janeiro a setembro na comparação anual. “Já estávamos com a empresa preparada para as vendas digitais havia algum tempo”, diz Rafael Menin, presidente da MRV, sobre como a empresa enfrentou a alta na demanda.

Para as incorporadoras, a queda da taxa de juro significa ampliar a base potencial de consumidores: pessoas com renda mais baixa passam a ter acesso ao mercado porque o valor da prestação mensal diminuiu.

“O mercado potencial para nossos produtos mais do que triplicou”, afirma Fabrício Mitre, presidente da incorporadora Mitre. A empresa paulistana, que abriu o capital em fevereiro, está com a maior velocidade de vendas de sua história, com vendas de 113 milhões de reais no primeiro semestre. “O consumidor percebe que o preço está defasado e que tem acesso a linhas de financiamento mais baratas. Além disso, a poupança das famílias cresceu, em seis meses as pessoas não foram jantar fora nem viajar”, diz o empresário.

(Arte/Exame)

O mercado se aqueceu a tal ponto, com demanda recorde e consequente redução da capacidade ociosa da cadeia de fornecedores, que começa a pressionar os preços. Na média nacional e em capitais, os valores do metro quadrado registram a maior variação desde 2014, ano que marcou o início da prolongada recessão que se estendeu até 2016 na economia e até 2018 no mercado imobiliário. Os preços subiram, em média, 2,14% na taxa nacional acumulada de 12 meses até setembro, algo que não se via havia seis anos, segundo o índice FipeZap.

O metro quadrado era negociado a 7.394 reais em setembro, o que significa dizer que um imóvel com 80 metros quadrados saía por cerca de 590.000 reais. Em algumas capitais — Curitiba, Belo Horizonte, São Paulo e Salvador —, o avanço dos preços supera a inflação ao consumidor medida pelo IPCA, que é a referência para os reajustes de salários.

É um processo que deve ganhar tração nos próximos meses se não houver surpresas fora do mercado, segundo incorporadoras e especialistas. “Os preços continuarão a subir? Depende. Depende de como sairemos da pandemia economicamente, se o país terá sustentabilidade fiscal, se controlará o processo inflacionário e se evoluirá a agenda de reformas. Se for assim, devemos observar aquecimento mais prolongado dos preços até a oferta se ajustar”, diz Danilo Igliori, economista-chefe do Grupo Zap.

(Arte/Exame)

O ajuste da oferta é uma referência aos ciclos do mercado imobiliário. Cada um dos segmentos passa necessariamente por uma recessão, uma recuperação, uma expansão e uma superoferta. Para Arthur Vieira de Moraes, professor da ­EXAME Academy, o segmento de imóveis residenciais está atualmente em fase de expansão, descolando-se do mercado de imóveis comerciais, que está na fase de recessão.

“É por isso que começam a aparecer fundos que investem em imóveis residenciais. Por entenderem que há espaço para uma melhora dos preços nos próximos anos”, afirma. No mercado corporativo, a sobreoferta e as incertezas sobre a retomada do trabalho presencial pesam sobre os preços, que caíram 0,91% em 12 meses.

Os reflexos da demanda aquecida para residências são sentidos ao longo da cadeia produtiva. Os custos de materiais e de mão de obra estão subindo e apertando as margens das construtoras. O Índice Nacional do Custo da Construção (INCC), principal indicador do setor, avançou 6,64% no acumulado em 12 meses até outubro. A forte alta do dólar também pesou sobre os custos do aço e do cobre, sem contar o aumento de 20% no preço do cimento.

Para completar o quadro, muitos fabricantes de insumos reduziram a produção nos primeiros meses da pandemia, receosos de ficar com estoques elevados. “As indústrias não estavam preparadas e falta item até para os apartamentos decorados”, diz Abrão Muszkat, fundador da You, Inc., incorporadora voltada para média e média-alta renda em São Paulo. Ele diz esperar que a situação só se normalize no primeiro semestre de 2021.

Para as empresas do setor, além da necessidade de repassar custos de insumos mais altos, a demanda aquecida é uma oportunidade aguardada pelo menos desde 2014. “As incorporadoras vão fazer uma recomposição de margens que, até pouco tempo atrás, não conseguiam por causa da fraca demanda. Os terrenos estão sendo mais disputados e os custos de construção estão subindo”, afirma Otávio Zarvos, fundador e presidente da incorporadora Idea!Zarvos, voltada para alta renda em São Paulo.

(Arte/Exame)

O aumento das vendas de imóveis novos e usados também foi impulsionado por uma conjunção de fatores propiciada pela pandemia. É o que Zarvos define como tempestade perfeita às avessas. Além do crédito mais em conta, ele sustenta que as restrições a viagens e a programas fora de casa levaram muitas pessoas a repensar a relação com a casa e a valorizar o espaço e a qualidade de vida. “É um momento único e, de certa forma, inesperado”, afirma.

A psicóloga Patricia Dalcin, de 37 anos, foi uma das pessoas que tomaram crédito imobiliário neste ano: ela e o marido trocaram o apartamento em que moravam por uma casa em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Encontraram uma casa em um condomínio fechado e perto do trabalho de Patricia. Para que a compra fosse finalizada, o casal precisou vender o apartamento em que morava, um negócio que eles conseguiram fechar em menos de três semanas. A aprovação do financiamento no banco também foi rápida, com uma taxa atrativa de 6,99% ao ano. A pandemia pesou na decisão da troca.

“O apartamento era muito pequeno, com um banheiro só. Foram 15 dias trancados em 45 metros quadrados quando peguei o coronavírus”, diz a psicóloga, que hoje comemora o novo lar. “Agora temos quintal e garagem. Nossa filha tem espaço para brincar. É ­muito diferente.”

Patricia Dalcin trocou um apartamento por uma casa: mais espaço para a filha brincar (Germano Lüders/Exame)

A história de Patricia está longe de ser exceção. Informações da DataZap revelam a queda na procura por apartamentos de um dormitório: eles respondiam por 19,2% da demanda total no terceiro trimestre de 2019 e passaram a representar 13,7% no mesmo período deste ano. Na contramão, apartamentos e casas com três dormitórios passaram a responder por 38,3% da procura no portal, acima dos 32,2% verificados um ano antes. São mudanças percebidas pelas incorporadoras.

A MRV percebe que o setor mais ­aquecido hoje não é o que abrange os ­imóveis mais acessíveis em preço, e sim o de produtos logo acima dessa faixa tradicional, com área maior e varanda. É um fenômeno que se aplica a outras faixas de renda. Além disso, morar perto do trabalho também deixou de ser prioridade. Com bares e restaurantes fechados, até mesmo bairros com maior estrutura de comércio e serviços perderam relevância nas buscas. Por outro lado, aumentaram as buscas por bairros residenciais e condomínios de casas em um raio de até 100 quilômetros das capitais.

Mas qual será a sustentabilidade das novas tendências do mercado? Vai depender do desdobramento da pandemia. Como ainda há muita incerteza, resta olhar a história, segundo Igliori, do Grupo Zap.

“Ao longo dos milênios, quando pandemias são controladas, vemos seus efeitos ser revertidos. A expectativa, portanto, é que a cidade continue fortalecida e as pessoas decidam se reaproximar”, afirma o economista. Para quem quer comprar e aproveitar as propícias condições financeiras e de comportamento, portanto, a hora é agora.


ALUGUEL: OFERTA TAMBÉM SOBE

A queda dos juros atrai investidores que estavam na renda fixa e que buscam retorno acima do CDI, ampliando o número de imóveis para locação residencial | Karin Salomão e Marília Almeida

As taxas de juro mais baixas não afetam o mercado de imóveis apenas pela perspectiva do financiamento para compra. O mercado de aluguel também está aquecido, tanto pelo lado da oferta quanto pelo da demanda de quem passou a procurar casas e apartamentos maiores com a pandemia. A queda acentuada da Selic para 2% ao ano tornou o investimento em imóveis mais atraente: o rendimento proporcionado pelo aluguel voltou a superar o CDI (referência para o retorno da renda fixa) depois de muito tempo, pelo menos desde 2008.

Em setembro, enquanto o rendimento gerado pela locação estava em 0,40% ao mês, a taxa paga pelo CDI era equivalente à metade: 0,20%. A demanda por aluguel é reforçada também pelas gerações que não compartilham do “sonho” da casa própria: jovens com até 24 anos correspondem a apenas 2% do público que busca comprar imóveis, segundo dados do DataZap. De 25 a 36 anos, são 23%.

Mas o mercado aquecido ainda não se reflete em pressões sobre os preços, mesmo com o IGP-M (índice de inflação que serve de referência para os contratos) subindo 20,93% no acumulado em 12 meses até outubro: os aluguéis subiram 3,20% em 12 meses, segundo o FipeZap.

A explicação está nos efeitos da pandemia sobre o nível de emprego e a renda de milhões de brasileiros. É um público distinto de quem quer comprar um imóvel, que conseguiu preservar a renda.

Atentas à demanda, algumas empresas decidiram reforçar as apostas no mercado. É o caso da MRV, que fortaleceu seu braço de aluguel, mesmo com a alta de 40% nas vendas no ano. Sua subsidiária Luggo constrói apartamentos voltados para a locação, que podem vir com decoração completa, de olho no cliente que busca comodidade. “Temos mais de 450 imóveis na plataforma, com taxa de vacância perto de zero”, diz Rafael Menin, presidente da MRV.

Já a Housi, startup de aluguel que nasceu com a construtora paulistana Vitacon, prevê triplicar de tamanho neste ano, com a chegada a outras oito capitais. O valor de mercado das unidades sob gestão deverá chegar a 10 bilhões de reais.


SÃO PAULO

Capital paulista tem melhor ano em vendas de imóveis novos da história, mas os preços já superam a inflação

(Lucas Moratelli/Exame)

Nos últimos anos em São Paulo, os feirões de imóveis promovidos por incorporadoras simbolizaram um mercado que oferecia descontos para alavancar as vendas e reduzir os estoques. Esse tempo ficou para trás. A capital paulista, maior mercado do país, agora representa o novo momento do setor. Os preços de imóveis novos em São Paulo se recuperaram de maneira não vista havia muito tempo.

Neste ano, nos 12 meses até setembro, as unidades encareceram 3,35%, segundo o índice FipeZap. É a maior alta desde 2014, quando o mercado começou a sentir os efeitos da recessão que se estenderia até 2016. E acima da inflação de 2,92% medida pelo IPCA.

“Não veremos mais grandes campanhas de descontos. As incorporadoras vêm testando preços maiores a cada lançamento”, diz Carlos Martins, gestor de fundos imobiliários da Kinea. Segundo ele, trata-se de um movimento com base sólida. “Há uma preocupação com o aumento dos custos para construir. Os terrenos estão escassos nas regiões consolidadas da cidade.”

A demanda também sustenta a alta dos preços. As vendas de novos imóveis passaram a se recuperar gradualmente em maio e registraram o melhor desempenho para os meses de agosto e setembro da série histórica iniciada em 2004, segundo dados do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP). Em agosto, foram comercializadas 6.350 unidades.

No acumulado de janeiro a setembro, foram negociados 32.735 imóveis novos, ligeiramente acima do resultado recorde no mesmo período de 2019 e mais de 10% superior à média histórica. Isso mesmo com a queda acentuada nas vendas de março a maio por causa da pandemia.

“Lançamentos e vendas estão ligados à Selic extremamente baixa, de 2%, à facilidade de financiamento para atender uma demanda reprimida e também porque compradores e investidores perceberam que estamos em um dos melhores momentos para comprar um imóvel ou investir”, afirma Emilio Kallas, vice-presidente do Secovi-SP.

O mercado começou a reagir antes da pandemia. Em 2019, a capital registrou o primeiro grande ciclo de lançamentos de imóveis construídos sob o efeito da Lei de Zoneamento aprovada em 2016. A legislação reduziu a permissão para a construção de metro quadrado por área, o que pressionou o custo de terrenos e da outorga onerosa, valor pago à prefeitura pelo direito de construção acima do coeficiente de aproveitamento do terreno. São despesas que acabam repassadas para os preços.

Por causa das novas regras, e dentro do contexto de encarecimento de mão de obra e do material de construção, os preços tendem a se recuperar mais rapidamente do que em outras capitais. Muitos dos lançamentos atendem a diretrizes da nova lei, com o incentivo para a construção de apartamentos menores (como estúdios) próximos a modais de transporte, como estações de metrô. Imóveis com menos de 45 metros quadrados responderam por três em cada quatro lançamentos na cidade em setembro, apesar da aparente demanda por imóveis maiores em virtude do confinamento forçado.

A recuperação de preços se concentra na cidade de São Paulo, não sendo tão forte na região metropolitana. Na análise por regiões da cidade, bairros nobres da zona oeste, como Perdizes e Pinheiros, continuam aquecidos em lançamentos e vendas. Algumas incorporadoras já aplicam reajustes na casa dos 10% no valor dos imóveis por causa da demanda aquecida e da escassez de oferta, aproveitando para recompor margens comprimidas em anos passados. Na zona leste, a aposta continua concentrada no Tatuapé, que já havia sido destaque no último ciclo de lançamentos, em especial para imóveis de médio e alto padrão.

Para quem quer alugar, o momento também é favorável. Os preços avançaram 2,45% nos 12 meses até setembro, a menor alta desde 2017, apesar de o IGP-M (índice que serve de referência para os contratos) ter subido mais de 2 dígitos. A principal razão é a crise provocada pela pandemia.

Ainda assim, o mercado de locação na cidade se desenvolveu de forma relevante nos últimos anos, especialmente depois da recessão de 2015 e 2016, que derrubou a renda e inviabilizou a compra do imóvel para uma parcela da população. Em 2008 apenas 7% das unidades na cidade eram locadas. A fatia subiu para 24%.

Marília Almeida


RIO DE JANEIRO

Depois de cinco anos de queda, o mercado do Rio dá sinais de início de retomada com a estabilização dos preços e o crescimento das vendas

(Lucas Moratelli/Exame)

Nenhuma capital sofreu tanto os efeitos da crise no mercado imobiliário quanto o Rio de Janeiro. Foram cinco anos seguidos de retração nominal (ou seja, sem descontar a inflação) no preço de imóveis novos, período em que a queda acumulada ficou perto de 13%. Mas essa fase parece ter chegado ao fim.

Os valores ficaram praticamente estáveis nos 12 meses encerrados em setembro, segundo o índice FipeZap. Ainda assim, é um desempenho que deixa a capital fluminense descolada do movimento de recuperação consistente visto em outras grandes cidades do país.

O comportamento singular pode ser atribuído a características socioeconômicas da cidade, segundo Eduardo Zylberstajn, economista do FipeZap. “Na cidade do Rio, crises econômicas e sociais se expressam de forma mais aguda, inclusive no mercado imobiliário. Uma das razões é a desigualdade social mais veemente no Rio”, afirma.

Mas ele pontua que a força promovida pela queda das taxas de juro para o financiamento habitacional, aliada à busca por imóveis maiores por causa do distanciamento social, também vai se refletir no mercado local.

“O mercado é cíclico. Vemos uma retomada do setor imobiliário no país e é possível que chegue ao Rio de Janeiro nos próximos meses”, completa. Os sinais de retomada começaram a despontar com mais força em agosto: as cerca de 3.500 unidades residenciais negociadas representaram o melhor resultado para esse mês do ano desde 2017, segundo o Sindicato da Habitação do Rio (Secovi Rio). As buscas por compras subiram quase 80% em julho e agosto na comparação com o primeiro trimestre, apontam dados da empresa de gestão imobiliária Apsa.

Apesar dos cinco anos seguidos de queda nos preços e mais este ano de estabilidade, o Rio de Janeiro ainda ostenta o status do metro quadrado mais caro do país na média: 9.347 reais, segundo dados do FipeZap. A cidade também abriga alguns dos bairros mais caros do país para imóveis novos: é o caso do Leblon (21.000 reais o metro quadrado) e de Ipanema (18.500 reais).

Os preços mais elevados são justificados em boa parte pela geografia da cidade, que dificulta a expansão do mercado imobiliário em áreas mais nobres, onde há poucos terrenos para construir e a demanda é aquecida, mesmo nas crises.

Nos últimos 12 meses até setembro, os preços de unidades novas na cidade subiram em apenas três bairros da zona sul: Leblon (2,3%), Ipanema (2,2%) e Botafogo (2,1%), ainda abaixo da inflação ao consumidor acumulada no período segundo o IPCA, de 2,92%. Já na zona norte o movimento de alta nos valores é mais forte, puxado pela região do Maracanã (4,4%), de Piedade (4,1%) e do Riachuelo (3,5%).

A falta de vigor do segmento de compra e venda de imóveis novos no Rio se reflete no mercado de locação: os preços dos contratos subiram apenas 0,43% nos 12 meses até setembro, muito abaixo dos 3,20% da média nacional, de acordo com o FipeZap.

Marília Almeida


BELO HORIZONTE

Em busca de imóveis maiores ou ativos para investir, os mineiros saem às compras em um dos mercados mais aquecidos do país

(Arte/Exame)

Razões não faltam para explicar a ampla retomada do mercado de imóveis residenciais na capital mineira. Em agosto, foram vendidos 463 novos apartamentos na capital, um aumento de 122% na comparação com o mesmo período de 2019, segundo o sindicato das empresas do setor (Secovi-MG). No caso de lotes para construção, o crescimento foi de 23% em setembro, de acordo com a Câmara do Mercado Imobiliário.

Com a pandemia, o consumidor abriu mão da localização privilegiada dos imóveis em busca de mais espaço e qualidade de vida, segundo Cássia Ximenes, presidente do Secovi-MG. Além disso, para ela, a demanda subiu porque muitas pessoas voltaram a avaliar que ter um imóvel é um bom investimento.

É um cenário que inclui o investidor que migrou do imóvel comercial para o residencial devido ao fechamento e às restrições para funcionamento de atividades econômicas. Nos últimos 12 meses, houve aumento de 4,29% nos preços de casas e apartamentos novos em BH, um dos reajustes mais altos entre as capitais.

Os preços devem subir também devido ao novo Plano Diretor sancionado no começo do ano. O plano prevê a cobrança de outorga onerosa que deve ser paga por empresas que queiram construir mais do que a área do terreno. Representantes do setor dizem que construtoras vão reduzir os lançamentos e até migrar da capital para a região metropolitana, o que pode impactar o estoque de imóveis.

Karla Mamona


CURITIBA

Demanda reprimida e estoques limitados pressionam o mercado

(Arte/Exame)

O mercado curitibano de imóveis residenciais começou a se recuperar em 2019, com incorporadoras adquirindo terrenos para lançar projetos neste ano. E aí veio a pandemia de covid-19, que segurou os empreendimentos por alguns meses. Com uma demanda reprimida e um estoque limitado de novos imóveis, a capital do Paraná teve o maior aumento de preços entre as capitais pesquisadas pelo ­FipeZap, com alta de 5,84% em 12 meses até setembro. A tendência é que os preços continuem a subir acima da inflação também em 2021.

A busca maior é por empreendimentos do chamado grupo standard, na faixa de 230.000 a 400.000 reais. Também vai ficar em alta a procura pelo padrão superluxo, com imóveis acima de 2 milhões de reais, segundo Guilherme Werner, sócio-consultor da Brain Inteligência Estratégica, empresa de pesquisa e consultoria no mercado imobiliário.

O estoque de unidades disponíveis em Curitiba, que em 2016 estava em cerca de 12.000 unidades, caiu para 6.100. Na projeção de Werner, essa quantidade deve se manter estável: apesar da procura em alta, as incorporadoras lançarão novos empreendimentos.

“Os estudos mostram que o ideal para Curitiba seria ter um estoque de 7.500 unidades, porque há uma demanda reprimida. Também houve aumento nos preços dos terrenos e no Índice Nacional de Custo da Construção (INCC). Tudo isso pressiona o valor do metro quadrado, que atualmente está em 8.500 reais, em média”, diz o consultor.

Jean Michel Galiano, presidente do Instituto de Pesquisa do Mercado Imobiliário e Condominial (Inpespar), do Sistema Secovi-PR, diz que o comprador curitibano é conservador. Isso significa que se ele está em um apartamento vai continuar no mesmo tipo de habitação. Mas a tendência é que procure por mais comodidades, como churrasqueira gourmet ou suíte.

Gilson Garrett Jr.


PORTO ALEGRE

Nem os juros baixos fizeram o mercado reaquecer na capital gaúcha: os reajustes de preços ainda perdem para a inflação com as vendas abaixo da média histórica

(Lucas Moratelli/Exame)

Se em algumas capitais o mercado imobiliário está mais aquecido, em Porto Alegre ele ainda ensaia uma retomada. Há sinais graduais de recuperação, como o crescimento de vendas mês a mês. Em setembro, foram vendidas 539 unidades novas. Contando os imóveis usados, foram 2.624 unidades, segundo o Sindicato da Habitação do Rio Grande do Sul (Secovi RS/Agademi). Foi o maior número neste ano.

Logo no início de 2020, as vendas estavam próximas desse patamar, com mais de 2.300 unidades comercializadas na média mensal. Mas, com a chegada da pandemia, os negócios despencaram. Em abril, na cidade só foram vendidos 1.601 imóveis. Para saber como o coronavírus impactou o mercado imobiliário da capital, o sindicato fez uma pesquisa com empresas do setor.

A maioria (59%) disse que as vendas caíram 73% em média desde o início da pandemia. Quem trabalha no segmento acredita que os negócios vão voltar à normalidade só a partir de 2021. “Em outubro, tivemos uma retomada dos negócios. Mas ainda longe da média mensal de vendas dos últimos dez anos, que foi de 3.200 unidades”, diz Moacyr Schukster, presidente do Secovi RS. Ele justifica sua cautela.

Apesar da disponibilidade de crédito imobiliário com os juros mais baixos da história, a redução na renda mensal do trabalhador preocupa. “O Brasil tem 13 milhões de desempregados. Sem emprego e sem renda não há como comprar imóvel. O cenário econômico precisa melhorar.”

Quem não teve a renda comprometida conseguiu boas oportunidades na capital gaúcha: imóveis maiores e com preço ainda baixo, em decorrência de anos de mercado fragilizado. É o que aponta uma pesquisa do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS), em parceria com as empresas de informações de mercado Alphaplan e Órulo: 39% dos apartamentos novos vendidos em setembro foram de três dormitórios, seguidos pelos de dois (33%).

Dados do índice FipeZap mostram que em setembro a média do metro quadrado era de 5.978 ­reais na capital. Os bairros mais valorizados são Três Figueiras (10.900 reais) e Pedra Redonda (9.195 reais). Nos últimos 12 meses, o reajuste médio acumulado no preço do imóvel em Porto Alegre foi de apenas 1,6%, abaixo da inflação medida pelo IPCA no período (2,9%). Ainda assim, é a maior alta desde 2016, o que pode indicar o tão aguardado início da recuperação.

Karla Mamona


RECIFE

Por causa de restrições a lançamentos na capital, a demanda migrou para municípios vizinhos, como Paulista

(Lucas Moratelli/Exame)

Os preços dos imóveis residenciais em Recife caíram 3,5% em 2020, segundo a pesquisa FipeZap. É mais um ano ruim para o setor na capital pernambucana, um mercado ainda longe de encontrar o otimismo de outras capitais nordestinas, como Salvador.

O motivo: faltam bons produtos. A legislação urbanística na cidade, considerada rigorosa pelas construtoras ao limitar a altura dos prédios novos e impedir a demolição de construções em áreas nobres, tem inibido o setor. O número de lançamentos na cidade está estagnado na casa de 20 imóveis residenciais por ano há algum tempo, diz Avelar Loureiro, presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco (Ademi-PE).

Somado a isso, o consumidor local ainda dá preferência ao imóvel novo em relação ao usado. O resultado é uma migração de lançamentos — e de negócios — para cidades vizinhas, onde as regras urbanísticas são mais flexíveis. No início dos anos 2000, 80% dos novos prédios na Grande Recife estavam na capital. Agora, perto de 20%.

“O mercado da capital vem perdendo dinamismo”, diz Loureiro. Quem está sendo beneficiada é a vizinha Paulista, de 340.000 habitantes, a 17 quilômetros de Recife e que vem crescendo na esteira de novos shoppings e indústrias nas redondezas. Quase metade das vendas de imóveis novos na Grande Recife neste ano foi na cidade.

Leo Branco


SALVADOR

Pandemia e mudanças urbanísticas fazem preço subir na capital baiana

(Arte/Exame)

O mercado imobiliário de Salvador ficou aquecido nos últimos meses após anos de paralisia. O preço dos imóveis na capital baiana cresceu 3% neste ano, o maior reajuste entre as metrópoles do Nordeste, segundo a pesquisa do FipeZap. Em boa medida, o isolamento social causado pela pandemia explica a escalada desses valores.

A popularização do trabalho remoto aumentou a migração de profissionais de outras cidades para Salvador, diz Cláudio Cunha, presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi-BA). Ao mesmo tempo, mudanças urbanísticas recentes valorizaram os imóveis soteropolitanos. Com duas novas linhas de metrô, a cidade tem hoje a terceira maior malha sobre trilhos do país — são 46 quilômetros. Novos parques e ciclovias aumentaram a procura por imóveis de bairros à beira-mar, como a Barra.

A prefeitura deu uma força para o mercado ao descontar em até 30% o valor do IPTU de construções com alguma iniciativa verde, como tetos solares ou sistemas para reúso de água. Além disso, abrandou regras urbanísticas para autorizar a abertura de comércios e pequenas indústrias em bairros residenciais — e vice-versa —, em uma tentativa de reduzir deslocamentos pela cidade.

Tudo isso reduziu o estoque de imóveis. No auge da crise econômica iniciada em 2014, havia mais de 8.000 unidades à venda em Salvador, entre imóveis novos e usados. Atualmente, há pouco mais de 1.300. “É o patamar mais baixo em quatro décadas”, diz Cunha.

No que depender das construtoras, a escassez deve durar pouco. Neste ano, já foram lançados 34 projetos residenciais na cidade, 24% mais do que no mesmo período de 2019. Desse total, 60% são imóveis de até 500.000 reais, uma faixa de preço capaz de atender o consumidor de programas habitacionais do governo, como o programa Casa Verde Amarela, e até de um perfil um pouco mais exigente.

Entre as regiões prediletas dos incorporadores estão bairros de alto padrão, como Horto Florestal e Vitória, além de regiões de comércio abundante, como as vizinhanças da Avenida Paralela e do aeroporto.

Leo Branco


FORTALEZA

Regras flexíveis motivaram uma corrida das construtoras, mas a demanda não acompanhou a oferta

(Arte/Exame)

O preço dos imóveis caiu 6% nos últimos 12 meses em Fortaleza, a maior queda na pesquisa do FipeZap. Por trás da deflação está o estoque alto de unidades lançadas à espera de compradores na cidade, acima de 4.000 imóveis. É três vezes a oferta em Salvador, que tem quase 200.000 moradores a mais.

Nos últimos anos, as construtoras locais foram beneficiadas por melhorias regulatórias, como um sistema eletrônico para aprovação de projetos na prefeitura de Fortaleza. Com isso, os lançamentos imobiliários proliferaram por todas as regiões da cidade e, em um cenário de incertezas na economia, a oferta superou a procura.

Mas há vários motivos para acreditar em uma recuperação. A começar pelo interesse em residências mais amplas, motivado pela pandemia. As vendas de casas em condomínios fechados de alto padrão nos arredores da capital cearense têm batido recordes nos últimos meses.

No radar dos compradores estão empreendimentos de alto padrão na região do complexo turístico Beach Park, a exemplo do bairro planejado Alphaville. Na faixa de renda de imóveis de até 500.000 reais, tem ganhado força a venda de imóveis em bairros afastados do centro, como Messejana e Maraponga, na parte sul da capital cearense, com boa estrutura de comércio e serviços.

As construtoras também esperam atrair estrangeiros dispostos a aproveitar o câmbio favorável para investir em imóveis na cidade. “Muita gente vai aproveitar o clima ensolarado para fazer o home office daqui”, diz Luciano Cavalcante, dono de imobiliária homônima.

Leo Branco


 

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