Revista Exame

É correto, mas não dá dinheiro para a Pepsico

Em busca de uma imagem politicamente correta, a Pepsico deixou de lado produtos mais rentáveis e, vá lá, menos saudáveis. Só esqueceu de combinar isso com boa parte de seus consumidores

Anúncio da Pepsico no Super Bowl, em 2011: resgate à imagem da marca que deu origem à companhia (John Biever/Getty Images)

Anúncio da Pepsico no Super Bowl, em 2011: resgate à imagem da marca que deu origem à companhia (John Biever/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 10 de fevereiro de 2012 às 05h00.

Nova York - Uma multidão estimada em 100 milhões de espec­tadores deverá acompanhar cada minuto do jogo entre os times de futebol americano New York Giants e New England Patriots na disputa pelo Super Bowl, em Indianápolis, no dia 5 de fevereiro. Para um grupo de executivos da Pepsico, no entanto, nada será tão decisivo como os intervalos da partida.

Mais precisamente os 45 segundos em que o anúncio de sua principal marca de refrigerante será transmitido a um custo proporcional ao tamanho da audiência — cerca de 5 milhões de dólares por inserção. O investimento dá início a uma temporada agitada para a Pepsi após um período de reclusão.

A verba de marketing para a marca foi reduzida a menos da metade entre 2005 e 2010, com efeito colateral imediato — a perda do segundo lugar no mercado de refrigerantes nos Estados Unidos para a Diet Coke. Agora a Pepsico quer — e precisa — reerguer a marca com vendas de 20 bilhões de reais no mundo por ano — o equivalente a cerca de 30% de seu faturamento total.

No ano passado, o investimento na marca Pepsi aumentou 30% e, para 2012, analistas projetam outros 20% de acréscimo. Procurada, a empresa não deu entrevista.

O aparente descaso diante de uma marca tão poderosa resultou de uma obsessão — criar e manter uma linha de produtos politicamente corretos. Nos últimos anos, a companhia concentrou esforços para transformar uma oferta originariamente baseada em refrigerante e batata frita, dois dos mais atacados ícones da junk food em todo o planeta.

A partir de 2008, a presidente mundial Indra Nooyi estabeleceu como meta que a venda de produtos considerados saudáveis — como água de coco, salgadinhos com cereais integrais e até uma marca de pasta de berinjela — deveria subir de uma média de 10 bilhões de dólares por ano para 30 bilhões de dólares até 2020.

A mudança afetou também embalagens e formulações de produtos — que passaram a estampar frases como “Contém fibras” e “Não contém glúten” (um dos mais novos vilões dos seguidores da alimentação politicamente correta).

Enquanto isso, suas marcas mais tradicionais saíram do foco das atenções. A perda de mercado para a Coca-Cola foi a gota d’água para os investidores. Os mais críticos defendem a separação da Pepsico em duas companhias, uma para os produtos saudáveis e outra para os demais produtos.


“Não tenho nada contra os produtos saudáveis, mas, na busca por diversificação, o negócio principal foi afetado”, afirma Walter Todd, diretor de investimentos da gestora Greenwood Capital, que possui ações da companhia. “Se não houver equilíbrio entre as duas frentes, a separação pode ser a saída.”

Os executivos da Pepsico não são os únicos a perseguir alimentos mais saudáveis. “É um caminho inevitável para todas as grandes indústrias de alimentos do mundo”, diz Joel Huber, professor de marketing da escola de negócios da Universidade Duke.

“Existe a tendência do consumo consciente, e a Pepsico, considerada a rainha da junk food, não pode ficar parada.” Nos últimos anos, o cerco se fechou para fabricantes de salgadinhos e refrigerantes com a proibição da venda para crianças nas escolas.

A polêmica em torno do estilo de alimentação dos americanos voltou ao debate recentemente com o anúncio de que a apresentadora Paula Deen, famosa por seus quilinhos a mais e suas aulas de culinária recheadas de manteiga e açúcar no canal Food Network, sofre de diabetes tipo 2 — uma doença comumente associada a maus hábitos alimentares e a sedentarismo.

Diversas empresas cederam à pressão da opinião pública com sucesso nos últimos anos. A incorporação de opções como saladas e frutas ajudou na expansão de companhias como a rede de lanchonetes McDonald’s, cujas vendas cresceram 12%, para 27 bilhões de dólares em 2011. (O problema é que, nos Estados Unidos, as saladas e frutas estavam sendo acompanhadas de hambúrgueres temperados com hidróxido de amônio, produto usado para melhorar o aspecto da carne gordurosa. A denúncia foi feita pelo chef britânico Jamie Oliver, uma celebridade da comida politicamente correta. No fim de janeiro, o McDonald’s anunciou o banimento do “ingrediente”.)

A própria Coca-Cola ampliou o portfólio com água, sucos e chás. Da mesma forma, Nestlé, Kraft e Unilever introduziram produtos ou modificaram os existentes com características mais saudáveis. Poucas foram tão enfáticas quanto a Pepsico. O assunto tomou tamanha proporção internamente que o portfólio foi polarizado em dois grupos — “good for you” e “fun for you” (em inglês, “bom para você” e “diversão para você”).

Na tentativa de se redimir de tantos pecados atribuídos a açúcar, gordura, sódio e mais recentemente ao glúten contido em seus produtos, a Pepsico radicalizou não só na hora de reformular o portfólio — mas também na comunicação das marcas.


Em 2010, após 23 anos ininterruptos, deixou de anunciar no Super Bowl, em favor da campanha beneficente Refresh Project. Realizada pela internet, a campanha distribuiu 20 milhões de dólares em projetos para comunidades pobres escolhidas pelos consumidores — entre eles estava a montagem de um parquinho para crianças de uma escola pública no Texas.

Segundo a Pepsico, a iniciativa ajudou 1,7 milhão de pessoas — mas não evitou a perda da vice-liderança no mercado de refrigerantes para sua maior concorrente. Outra medida politicamente correta virou piada — a criação de uma embalagem 100% biodegradável para os salgadinhos integrais SunChips.

Nesse caso, a Pepsico ajudou o meio ambiente em detrimento da saúde auditiva dos consumidores. Vídeos se espalharam pelas redes sociais com imagens de consumidores medindo os decibéis emitidos pelos pacotes amassados, dez vezes superiores aos de uma embalagem convencional e equivalentes aos de um cortador de grama doméstico. As vendas caíram e a embalagem polêmica saiu do mercado em outubro de 2010, 18 meses após seu lançamento.

Sabor e conveniência

Mais recentemente, os próprios executivos da Pepsico reconheceram que a tendência da busca pelo bem-estar talvez tenha sido superdimensionada na hora de estabelecer as prioridades do negócio.

Num evento do setor de alimentos realizado em dezembro, em Nova York, Albert Carey, vice-presidente de bebidas da Pepsico para as Américas, apresentou dados de uma pesquisa mostrando que apenas 10% dos consumidores americanos comem alimentos saudáveis o tempo todo, 25% comem corretamente, mas, às vezes, cedem a algo menos recomendável, e 65% só querem sabor e conveniência. “Não deveríamos demonizar esses produtos”, disse Carey no evento.

Com a pressão dos investidores, a Pepsico reforçou o velho estilo de anunciar para as massas. Nesse quesito, investiu 60 milhões de dólares na temporada do programa de calouros X Factor, que durou três meses e se encerrou em dezembro. A vencedora, Melanie Amaro, levou um prêmio de 5 milhões de dólares — valor inédito em programas similares nos Estados Unidos.

Além de aumentar as verbas de marketing, a Pepsico decidiu aproveitar a força de suas marcas conjuntamente e criou, em setembro, um comitê para analisar possíveis sinergias entre anúncios de refrigerantes e salgadinhos.

Para dar fôlego aos novos investimentos e manter o lucro — que cresceu 4% nos primeiros nove meses de 2011 em relação a 2010 —, analistas preveem cortes drásticos, com a demissão de até 3 900 funcionários nos próximos três anos. Para a Pepsico, depois de se redimir diante dos consumidores, chegou a hora de fazer o mesmo com os investidores.

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