Placas fotovoltaicas em Santa Catarina: o custo dos equipamentos caiu 70% desde 2010 (Herminio Nunes / EXAME)
Valéria Bretas
Publicado em 1 de julho de 2015 às 18h01.
São Paulo - Um dos mais vultosos investimentos anunciados neste ano pelo americano Tim Cook, presidente mundial da Apple, nada tem a ver com sua linha de produtos. Em abril, a empresa comunicou a decisão de dedicar 850 milhões de dólares a uma usina de geração de energia solar capaz de suprir a demanda de suas operações na Califórnia — inclusive a sede, em Cupertino — e ainda vender o que sobrar para a rede de transmissão local.
A motivação vai além do desejo de salvar o mundo. Pelas regras vigentes nos Estados Unidos, empresas que vendem excedente energético de usinas próprias recebem o mesmo valor pago pela energia que consomem na rede. Além disso, têm 30% de desconto em impostos. Incentivos como esses vêm impulsionando a energia solar.
Estima-se que, até 2019, a fonte renovável atenderá 9,7% da demanda americana — 30 vezes mais do que a parcela atual. Esforço semelhante em outros países ajudou a quadruplicar a capacidade de geração global das placas fotovoltaicas desde 2010. Embora ainda represente apenas 0,8% da matriz elétrica mundial, a energia solar hoje se tornou a fonte que mais cresce.
No Brasil, essa proporção é ainda mais tímida — não passa de 0,01% da matriz nacional. Mesmo com um dos maiores níveis de radiação solar do planeta, o país também fica atrás no crescimento — uma realidade que, segundo especialistas, poderá mudar nos próximos anos. Estimativas do setor apontam que, até 2050, a fonte deverá corresponder a 13% de toda a energia produzida no Brasil.
Por enquanto, houve apenas um único leilão de energia solar no Brasil. Em outubro, foi contratado quase 1 gigawatt a ser injetado na rede elétrica a partir de 2017, o equivalente ao consumo residencial de uma cidade como Salvador, segundo a consultoria PSR. Apesar do volume modesto, o mercado viu um dado promissor: a energia foi negociada a uma das cotações mais baixas do mundo.
A tarifa média foi de 215 reais por megawatt-hora, deságio de quase 18% em relação ao preço-teto estabelecido pelo governo. No segundo semestre, dois leilões serão realizados. “Nessa faixa de custo, o Brasil tem condições mais favoráveis para desenvolver a energia fotovoltaica”, afirma Altino Ventura, secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia.
A queda do custo da energia solar — um dos principais entraves para sua popularização — se deve, sobretudo, a seu ganho de escala no mundo. Há apenas cinco anos, o preço por megawatt-hora da energia solar era mais do que seis vezes maior do que o da hidrelétrica e o triplo da eólica. Na última década, o preço dos equipamentos caiu 70% no mercado global.
Diante da ameaça de uma nova crise energética, e da consequente pressão por diversificar a matriz para além das hidrelétricas, o governo decidiu aproveitar o momento favorável e dar um empurrãozinho nessa tendência. Em abril, anunciou a intenção de isentar do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços a energia solar gerada pelo próprio consumidor.
O Conselho Nacional de Política Fazendária já autorizou a liberação do tributo estadual em São Paulo, Pernambuco e Goiás. Segundo especialistas, é questão de tempo até que todos os estados participem do convênio. Segundo projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia, a desoneração em todo o país poderia reduzir 19% o custo da geração fotovoltaica e elevar 55% o número de sistemas instalados até 2023.
“Acreditamos que a energia solar deverá crescer tanto quanto a eólica”, afirma Solange David, vice-presidente do conselho de administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), órgão que regula e acompanha o mercado livre, em que empresas compram energia diretamente dos geradores. Com o avanço tecnológico dos equipamentos, o custo médio do megawatt-hora da energia eólica caiu praticamente pela metade na última década. Hoje, já representa 4,3% da matriz energética brasileira.
As condições favoráveis motivaram empresas como a Renova a investir. Geradora especializada em energias renováveis, a empresa tem dois projetos em obras na Bahia. O primeiro deverá ser entregue no primeiro trimestre de 2016 no interior do estado. O investimento de 35 milhões de reais vai resultar no primeiro parque híbrido do país — com geração solar e eólica.
O segundo parque, também na região de Caetité, terá 110 megawatts de capacidade, 20 vezes superior ao primeiro empreendimento, e exigirá investimentos de 600 milhões de reais. A conclusão está prevista para 2017. “Estamos otimistas com o segundo leilão, que deverá ocorrer em agosto”, diz o presidente da Renova, Mathias Becker.
Entre as vantagens da geração solar está a dispensa de licenças ambientais, necessárias no caso de hidrelétricas. Outra é a possibilidade de construir usinas em locais alternativos — o que não acontece com outras fontes energéticas. Recentemente, geradoras vêm ampliando a instalação das placas sobre flutuadores em reservatórios de água já existentes.
Em abril deste ano, o governo anunciou uma parceria com a Chesf, na Bahia, e com a Eletrobras, no Amazonas, de um projeto piloto para instalar placas solares sobre reservatórios das hidrelétricas de Sobradinho e de Balbina, respectivamente. Os testes deverão começar no segundo semestre. E as usinas produzirão 5 megawatts de energia instalada — correspondente ao abastecimento de até 4 000 casas. O projeto piloto espelha o modelo de países como os Estados Unidos, a Índia e o Reino Unido.
Há quem seja mais cético. A CPFL Renováveis, por exemplo, tem apenas uma usina de energia solar, construída em Campinas, no interior de São Paulo, em 2012. A capacidade instalada é suficiente para suprir as necessidades de apenas 748 habitantes. A empresa tem planos de investir na construção de projetos solares com potência de mais de 500 megawatts, sem data para sair do papel.
“O custo ainda é alto e não justifica a ampliação da demanda”, diz André Dorf, presidente da CPFL Renováveis, cujos principais investimentos estão concentrados em parques eólicos e pequenas centrais hidrelétricas. Mesmo os mais otimistas concordam que os esforços do governo até agora, além de tardios, ainda são insuficientes.
Diferentemente do que existe no caso da energia eólica há quase cinco anos, os fabricantes de equipamentos para geração de energia solar não têm isenção de impostos no Brasil. Na China, onde o consumo de energia solar cresceu 88% no último ano, existe um desconto de 50% na forma de reembolso para os fabricantes de produtos de eletricidade solar desde 2013.
Há críticas também com relação ao modelo de venda de energia excedente no país, que não estimula a instalação de placas por empresas e indivíduos para geração própria. Diferentemente do que acontece em países como Estados Unidos e Alemanha, este último o maior produtor mundial de energia solar, o consumidor que produz a própria energia não recebe dinheiro pelo excedente que devolve na rede.
A produção extra gera um crédito com a distribuidora que pode ser utilizado em até 36 meses. Mas, como na maioria das vezes quem produz é autossuficiente, esse crédito se acumula e na prática não é resgatado.
Em países como os Estados Unidos, o incentivo à produção individual, com placas instaladas em telhados de casas, fábricas e lojas, deverá mudar a relação entre geradoras e consumidores de energia. Um estudo publicado em abril pela consultoria especializada em energia Rocky Mountain Institute projeta que, embora a maioria dos consumidores ainda dependa da rede elétrica, em Westchester, no estado de Nova York, eles precisarão captar apenas um quarto da energia que consomem da rede em 2030 — e menos de 5% em 2050.
Lá, diferentemente do que acontece por aqui, há linhas de financiamento com condições especiais para quem compra os equipamentos de geração individual. No Brasil, o impulso dado à energia solar até agora dependeu mais de condições externas do que do esforço próprio. Espera-se que os próximos anos marquem o início de uma nova fase.