Nicolás Maduro: presidente da Venezuela quer mudar Constituição em novo mandato (Juan Barreto/AFP/Getty Images)
Publicado em 23 de janeiro de 2025 às 06h00.
Última atualização em 23 de janeiro de 2025 às 11h14.
Nicolás Maduro tomou posse de seu terceiro mandato como presidente da Venezuela sob o olhar de apenas dois presidentes estrangeiros. Somente os líderes de Cuba, Miguel Díaz-Canel, e da Nicarágua, Daniel Ortega, foram à cerimônia em Caracas. Foi uma amostra de seu isolamento internacional: líderes dos principais países do continente, como Brasil, Argentina e Colômbia, não reconheceram sua vitória nas urnas. Esse isolamento regional é uma das marcas deste novo período de governo, que irá pelo menos até 2031. Além disso, sua estratégia vem reforçando dois movimentos: endurecimento na política e uma surpreendente liberalização na economia.
Nos dias anteriores à cerimônia, mais de dez opositores foram presos ou desapareceram, incluindo o cunhado de Edmundo González, que disputou a Presidência nas eleições de 2024. As prisões seguiram o mesmo padrão: as pessoas foram levadas por homens encapuzados enquanto andavam na rua, sem mandado ou processo público. Isso levou críticos do governo a temerem sair na rua.
“Estou tentando que ninguém perceba que estou aqui em casa. Tenho saído para lugares muito específicos e sempre sob uma série de cuidados”, contou à EXAME dias antes da posse uma liderança da oposição, que pediu anonimato. “A perseguição está muito forte. As ruas estão tomadas por militares. Foram montadas blitze em pontos de entrada em Caracas, e a fila de carros chegou a 7 quilômetros.”
González, que prometia voltar ao país e tentar assumir a Presidência, por considerar que o governo fraudou os resultados e que ele seria o vencedor legítimo, desistiu da ideia e estava no exterior até a conclusão desta reportagem.
No dia de sua de posse, Maduro propôs uma nova reforma da Constituição. Em 2017, ele fez proposta similar, que não deu em nada. “Nas últimas semanas, tem havido sinais de que uma nova Constituição vai, basicamente, eliminar todos os espaços para a participação da oposição e formalizar um Estado de partido único”, diz Risa Grais-Targow, diretora para a América Latina na consultoria Eurasia Group.
Maduro se tornou presidente em 2013. Coube a ele anunciar na TV a morte do presidente Hugo Chávez, de quem era vice. Chávez assumiu em 1999, depois de vencer as eleições. Meses depois de chegar ao poder, conseguiu mudar a Constituição e passou a ampliar a estatização da economia e aumentar programas sociais, financiados pelo dinheiro do petróleo, produto do qual a Venezuela tem uma das maiores reservas globais. O país vendia gasolina por centavos e subsidiava muitos gastos do dia a dia, como energia.
A conta chegou quando o petróleo perdeu valor no mercado internacional, nos anos 2010, e o país foi alvo de sanções por perseguir opositores e desrespeitar direitos humanos. “Com a queda do petróleo, o país não tinha crédito no exterior. O único jeito de se financiar foi imprimir moeda”, diz Josilmar Cordenonssi, professor de economia no Mackenzie. Assim, a Venezuela viveu sua pior crise sob o comando de Maduro, com hiperinflação que atingiu impressionantes 65.000% ao ano, em 2018, e queda do PIB de 27%, em 2019.
Sem emprego nem renda, quase 8 milhões de venezuelanos deixaram o país, a maioria deles rumo à Colômbia. Milhares deles vieram para o Brasil, o que superlotou abrigos em Roraima. Há temores de que o novo mandato de Maduro possa gerar uma nova onda de saída do país. “No começo, vinham pessoas com educação superior. Hoje em dia, o perfil das pessoas que chegam é de pouquíssima formação”, diz Blanca Montoro, presidente da Casa Venezuela, uma entidade brasileira de apoio a imigrantes. Ela comenta que esse fluxo voltou a ganhar força após as eleições, em julho passado.
Na economia, a Venezuela teve melhorias nos últimos anos, mas a situação continua difícil. A inflação anual está na casa dos 60% ao ano, estima o Banco Mundial. O cenário melhorou por alguns fatores: o governo liberou o uso de dólares no dia a dia, o que levou a uma espécie de dolarização informal. Com os produtos do dia a dia cotados em dólar, os negócios se tornaram mais previsíveis, já que o bolívar sofria desvalorizações constantes. Ao mesmo tempo, houve abertura às importações, o que reduziu o desabastecimento, e cresceu a produção de petróleo, que vinha caindo desde o governo Chávez.
Grais-Targow, da Eurasia, afirma que Maduro é muito mais pragmático na economia do que Chávez, que defendia um Estado grande, e tem buscado, até mesmo, privatizar. “Há um reconhecimento de que o governo não pode tocar tudo e precisa do setor privado”, diz.
Em sua posse, Maduro fez um aceno forte aos empresários. “Devemos nos unir cada vez mais, para que a Venezuela siga seu caminho de recuperação e construção de um novo modelo econômico. Contem comigo, eu conto com vocês”, disse o presidente.
Apesar da ligeira melhora, analistas dizem ser difícil prever o que ocorrerá na economia venezuelana nos próximos anos. O isolamento internacional dificulta acordos comerciais, negócios e empréstimos. O novo governo Trump poderá impor sanções adicionais, e o fechamento do regime deve afastar investidores ou venezuelanos que queiram voltar e trabalhar por seu país.
Os problemas econômicos travam, ainda, a ação política. “Os venezuelanos enfrentam dificuldades diárias para garantir a comida na mesa. Os salários são muito incompatíveis com o custo de vida, e as pessoas precisam ter duas, três ocupações diferentes”, diz Carolina Pedroso, professora de relações internacionais na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em política venezuelana. “Isso demanda tempo, e entre querer mudar a política do país, sob risco de ser morto, e garantir a sobrevivência de sua família, as pessoas optam pela segunda.”
Sobre o futuro político, os especialistas concordam que Maduro não deixará o poder enquanto tiver apoio das Forças Armadas. A oposição tem tentado atrair os generais e soldados para o seu lado, sem sucesso.
Benjamin Gedan, diretor de América Latina no centro de estudos Wilson Center, em Washington, avalia que uma revolta popular massiva poderia levar as Forças Armadas a reconsiderar sua posição. “No entanto, a prisão de mais de 2.000 pessoas contrárias ao governo depois da eleição desencoraja protestos amplos”, diz. Em 9 de janeiro, a oposição conseguiu fazer atos contra Maduro em várias cidades, mas o movimento não impediu a posse dele, no dia seguinte.
Segundo Gedan, o fim do autoritarismo na Venezuela poderia ocorrer como foi feito no Chile, com a saída do ditador Augusto Pinochet após a realização de um plebiscito. “Qualquer mudança política na Venezuela provavelmente vai acontecer devagar e por negociações, que envolvem compromissos desagradáveis”, avalia.
Outro consenso é que a mudança na Venezuela depende mais das ações internas do que do exterior. “A conjuntura mudou e hoje Maduro tem menos guarida internacional. Mas o fator essencial, como ocorreu na Síria, é a atuação dos próprios venezuelanos”, aponta Leandro Consentino, professor de ciência política no Insper. Na posse de Maduro, afinal, houve apenas dois presidentes estrangeiros, mas centenas de militares dispostos a lhe bater continência, uma vez mais.
1992 - Hugo Chávez, coronel do Exército, tenta dar um golpe de Estado. A ação falha, e ele é preso. Fica na cadeia até 1994
1998 - Chávez vence as eleições presidenciais
1999 - Depois de tomar posse, Chávez convoca plebiscito para mudar a Constituição. Dos venezuelanos, 70% concordam. A nova Carta aumenta os poderes do presidente e elimina uma das câmaras do Parlamento. O país adota o nome República Bolivariana da Venezuela
2000 - Novas eleições presidenciais, por causa da mudança na Constituição. Chávez conquista mandato de seis anos
2002 - Militares tentam golpe contra Chávez, que consegue voltar ao poder com o apoio de parte do Exército
2006 - Chávez é reeleito e promete ampliar a revolução. A licença da principal emissora de TV do país, a RCTV, é suspensa
2007 - Chávez tenta mudar a Constituição de novo, mas a proposta é rejeitada em referendo. Dois anos depois, outro referendo aprova a reeleição ilimitada para presidente
2012 - Chávez conquista novo mandato, mesmo depois de ter revelado estar com câncer
2013 - Em tratamento, Chávez não comparece à posse, em janeiro, e o país vive semanas de incerteza. Em 5 de março, seu vice, Nicolás Maduro, anuncia que ele morreu. Novas eleições são convocadas, e Maduro vence por margem estreita de votos
2019 - Maduro anuncia vitória na reeleição e é contestado. Dezenas de países, incluindo Brasil e EUA, reconhecem oficialmente o opositor Juan Guaidó como presidente, mas ele não consegue assumir o comando do país
2024 - Maduro anuncia vitória na eleição, mas é contestado, pois o governo não divulga os resultados detalhados e impede nomes da oposição de concorrer