Revista Exame

Do sem G ao 5G: nova internet móvel é chance para o Brasil tirar o atraso

A nova era da conectividade finalmente chegou ao país com a Claro, mas é preciso um plano nacional

 (Pixabay/Divulgação)

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Juliana Estigarribia

Publicado em 30 de julho de 2020 às 05h22.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 11h55.

Em uma fazenda no interior de Mato Grosso, máquinas agrícolas com sistema de condução autônoma operam em lavouras de soja e milho. A programação das rotas e o posicionamento preciso são feitos por meio de uma rede de internet celular 4G da operadora Claro. É uma opção em regiões aonde a banda larga fixa, muito comum nos grandes centros, não chega.

Essa tem sido a rea­lidade de muitos brasileiros: 29% dos domicílios no país não têm nenhum tipo de acesso à internet, de acordo com dados do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação. Em ­áreas rurais, essa parcela sobe para 49%.

Uma das explicações para essa carência está nas dimensões continentais do Brasil, o que dificulta a implantação de redes de fibra óptica, considerada a tecnologia mais eficiente de banda larga fixa. Há muitos anos, as alternativas adotadas em diversas localidades têm sido o rádio e os chips de 3G e 4G.

Mas está a caminho uma revolução para levar conectividade às grandes massas e colocar o Brasil em pé de igualdade com os países desenvolvidos: é a quinta geração de internet, ou 5G.

Quem está saindo na frente na briga por esse mercado é a Claro, subsidiária da mexicana América Móvil, que começou a implantar em julho as primeiras redes de quinta geração do país em alguns bairros de São Paulo e do Rio de Janeiro — antes mesmo da realização do leilão de frequências 5G pelo governo, que deve ficar para 2021. O plano da Claro é tirar da espanhola Vivo o lugar de maior operadora de telefonia móvel do Brasil.

“Estamos na corrida para buscar a liderança do mercado nacional. O forte ganho de participação que obtivemos nos últimos anos demonstra a força de nossa trajetória”, afirma Paulo Cesar Teixeira, presidente da unidade de consumo e pequenas e médias empresas da Claro.

Loja da Claro: sinal 5G será oferecido antes do leilão usando as frequências existentes | Germano Lüders (Wikimedia Commons)

O 5G promete uma velocidade teó­rica de internet de até 10 Gigabits por segundo (Gbps), dez vezes maior do que a do 4G, e com menor latência (veloci­dade de resposta) na transmissão dos dados, o que permitirá o desenvolvimento de tecnologias promissoras, como a internet das coisas (IoT), a telemedicina, os veículos autônomos, a inteligência artificial e a indústria 4.0.

Em processo similar, a expansão da quarta geração de internet viabilizou uma vasta gama de serviços sem os quais, hoje, é difícil imaginar a vida: transporte individual por aplicativo (como Uber e 99), troca de mensagens instantâneas (WhatsApp), streaming (Netflix e Spotify) e entregas de todos os tipos (iFood e Rappi).

O 5G também terá um papel social importante: deverá servir como a última ponta da rede de internet rápida a alcançar re­giões que estão fora dos grandes centros. A fibra leva o sinal até as antenas, que, por sua vez, distribuem a conexão via aérea por um custo mais baixo. O banco de investimento americano Goldman Sachs declarou em um recente relatório a clientes que a implementação do 5G será mais barata do que a de fibra óptica: o custo cairia de 700 dólares para 606 dólares por residência.

Em larga escala, a nova tecnologia levaria a uma economia monumental de recursos, o que poderia reduzir o fosso digital que existe no mundo, evidenciado pela pandemia de ­covid-19. A falta de conectividade pune principalmente a populacão mais vulnerável, que tem pouco acesso imediato a informações sobre saúde, oportunidades de trabalho remoto, telemedicina e escola, no caso de centenas de milhões de crianças e adolescentes que precisam manter os estudos à distância.

De acordo com uma estimativa da Organização das Nações Unidas, 46% da população mundial ainda não está conectada. São quase 4 bilhões de pessoas sem acesso à internet. No Brasil, 134 milhões de pes­soas utilizam a internet, mas somente 15 em cada 100 domicílios têm acesso à banda larga fixa, de acordo com dados do Banco Mundial.

O leilão do 5G promete diminuir o atraso do Brasil, porém a operadora que conseguir se antecipar terá um grande trunfo. Ao se lançar primeiro no 5G, a Claro repete a estratégia da Vivo, a primeira a implantar o 3G no Brasil em meados de 2004.

“O 5G reforça a imagem da Claro de uma empresa inovadora, com tecnologia de ponta. É importante para ganhar mercado. A Vivo fez isso com o 3G e a TIM tentou a mesma estratégia com o 4G”, afirma Eduardo Tude, presidente da Teleco, consultoria especializada em telecomunicações.

A Claro já dava uma mostra de suas intenções em meados de 2017, quando inaugurou no mercado brasileiro o 4.5G, internet com a promessa de velocidade dez vezes maior do que a do 4G tradicional, porém utilizando a mesma faixa de frequência. Chamadas ilimitadas em território nacional e dentro do grupo em viagens ao exterior, sem custos, também passaram a fazer parte de seu pacote pós-pago.

Segundo a Claro, a ofensiva rendeu à empresa muitos frutos: dos cerca de 580.000 clientes que o segmento ganhou até maio de 2020, 500.000 assinaram com a Claro. Agora a operadora pretende ganhar ainda mais destaque ao ser a primeira a oferecer o 5G no país.

Embora não seja com a tecnologia 5G definitiva, que exige a abertura de novas frequências para se disseminar, porque as atuais estão quase lotadas, a companhia promete uma conexão até 12 vezes mais rápida do que a do 4G convencional com o compartilhamento de frequências que já estão disponíveis atualmente.

Telemedicina: a internet mais rápida vai possibilitar cirurgias à distância | Daniela Toviansky (Wikimedia Commons)

No entanto, a rede funcionará somente em aparelhos que suportam o 5G, como os celulares da linha Edge, da Motorola, lançados no Brasil em julho. A expectativa é que até o final de 2020 outros aparelhos cheguem ao mercado brasileiro e ampliem o alcance — apesar da previsão de preços altos dos modelos, acima de 5.000 reais.

“O novo processador Snapdragon viabilizará a chegada de celulares 5G de gama intermediária no final deste ano”, afirma Fiore Mangone, diretor de desenvolvimento de negócios da Qualcomm, líder do mercado de processadores e modem para celulares.

Em São Paulo, a nova cobertura de 5G será oferecida inicialmente em regiões de maior concentração de pessoas, como a Avenida Paulista e os Jardins, sendo ampliada gradativamente. O mesmo vai acontecer no Rio de Janeiro, iniciando pelos bairros de Ipanema, Leblon e Lagoa.

Dispositivo de controle de carro autônomo: na lista das inovações que o 5G deve popularizar | Yves Herman/Reuters (Wikimedia Commons)

Depois do lançamento do serviço de “quase 5G” da Claro, as concorrentes Vivo e TIM também anunciaram planos para oferecer serviços similares, mostrando como a disputa pela liderança do segmento não tem sido fácil. A Claro concluiu no ano passado a aquisição da Nextel, ganhando um pouco mais de espectro de internet e também uma oportuni­dade de abrir vantagem sobre a TIM, atual terceira maior.

Mas a briga está embolada por causa da recuperação judicial da Oi, que conta com 36 milhões de clientes na telefonia móvel. O plano de reestruturação que foi apresentado aos credores da empresa inclui a venda de quatro ativos. O mais valioso é o de telefonia móvel, avaliado em aproximadamente 15 bilhões de reais.

Na tentativa de abocanhar um pedaço, Claro, Vivo e TIM fizeram entre si um acordo e apresentaram no dia 18 de julho uma proposta conjunta para adquirir o negócio. O que as empresas não esperavam era o lance de uma operadora até então desconhecida no Brasil, a Highline, controlada pelo fundo americano Digital Colony. Em 22 de julho, a companhia ganhou da Oi o direito de negociar exclusivamente o ativo depois de fazer uma oferta cujo valor não foi divulgado (veja quadro abaixo).

Fontes próximas às empresas não descartam um novo lance conjunto por parte de Vivo, Claro e TIM, mas até o fechamento desta edição da EXAME não havia notícia de uma nova proposta. Outra possibilidade é que a Highline esteja se cacifando para virar uma grande operadora no país disputando o leilão de 5G, o que atrapalharia os planos das outras três.

Fábrica 4.0 em Pernambuco e orelhões da Oi no Rio: futuro e passado convivem no país | Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas, David Callan/Getty Images (Getty Images)

O caminho da prosperidade digital não é fácil. Estados e municípios precisam chegar a um consenso em relação à instalação e ao uso das novas antenas voltadas para o 5G, porque a regulação brasileira do segmento ainda é muito divergente entre os entes da federação.

O Brasil também pode ficar no meio de uma disputa geopolítica: a empresa chinesa Huawei, de produtos e infraestrutura de telecomunicações, é acusada pelo governo americano de espionagem, e sua participação no processo de implementação do 5G nos Estados Unidos e em parceiros comerciais, incluindo o Brasil, poderá ser vetada.

Marcelo ­Motta, diretor de cibersegurança e soluções da Huawei, refuta as suspeitas que recaem sobre a companhia. “Somos a empresa mais transparente em cibersegurança do mundo, temos centros que permitem a clientes e governos testarem nossas tecnologias. Nos 22 anos que estamos presentes no Brasil, as operadoras nunca apresentaram pro­blemas”, afirma o executivo.

O pano de fundo dessa disputa é um avanço tecnológico e econômico inédito na história das nações e uma oportuni­dade de ouro de o Brasil finalmente deixar de ser apenas um produtor de commodities para entrar no século 21.


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