Revista Exame

Gustavo Franco está do outro lado do balcão

Quando era presidente do Banco Central, ele criticava os empresários. Agora virou um deles

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Da Redação

Publicado em 8 de novembro de 2013 às 17h53.

Um pouco sem jeito, o economista carioca Gustavo Franco acomoda-se na cadeira, seguindo as orientações da fotógrafa Bia Parreiras, de EXAME, e explica seu aparente desconforto diante da câmera. "Fiz uma força muito grande para me tornar uma pessoa normal", diz ele.

A normalidade a que se refere começou há cerca de três anos. Mais exatamente em janeiro de 1999, quando deixou a presidência do Banco Central, desgastado no próprio governo e diante de boa parte da opinião pública pela condução que dera à política cambial.

Até então, como uma das estrelas maiores da economia nacional -- ao lado do ministro da Fazenda, Pedro Malan --, durante sete anos acostumara-se a viver sob os holofotes.

Como é voltar a ser comum após tantos anos definindo os destinos do país? Sim, porque Gustavo Franco foi tudo naqueles anos menos um cidadão comum. Alçado à presidência do Banco Central aos 37 anos, como o expoente de uma geração de economistas formados pela PUC do Rio de Janeiro, ele controlou a política monetária com mão-de-ferro.

Em seus momentos de glória, chegou a ser citado pela revista inglesa Euromoney como uma das personalidades abaixo de 40 anos que deveriam influenciar as finanças mundiais no século 21. Ninguém esteve tão identificado com o Plano Real quanto ele. Principalmente com a âncora cambial, defendida de forma inflexível até seu último dia no comando do BC.

É claro que deixar o poder não é coisa fácil para ninguém. Principalmente para uma personalidade tão voluntariosa como Franco. Mas ele vê a coisa de dois ângulos. O lado bom da história, segundo diz, foi voltar a conviver a semana inteira com a família -- a mulher, Cristiana, e os quatro filhos.

"Estar com a família, trabalhar no Rio, ver a noite cair no Rio. Disso eu não abro mão nunca mais", afirma. "Acho graça até de pegar engarrafamento." Também diz ter ficado feliz por estar ao lado do pai, Guilherme Arinos Franco, de 85 anos, com quem tem uma ligação muito forte. "Acho que meu pai estava precisando de mim aqui, ao lado dele", afirma. "Foi muito bom para nós dois esse reencontro."

Já a parte menos interessante da história é aquele recomeço que sucedeu aos dias de glória. Logo que saiu do BC, Franco impôs-se uma quarentena de um ano. "Eu estava muito envolvido em tudo que era coisa do governo e achava que devia ficar longe por um tempo", afirma. E acrescenta uma ironia: "Até para não atrapalhar".


Voltou ao ponto inicial de sua carreira: dar aulas na PUC e fazer palestras. Nesse período também escreveu dois livros. Com o tempo Franco passou a sentir falta da antiga agitação. "Confesso que no primeiro ano quase morri de tédio", afirma. "O Banco Central me modificou como profissional. Tomei gosto pela vida executiva."

Começou, então, a pensar no que fazer dali para a frente. Conta que ouviu da mãe um conselho: "Meu filho, você já foi professor e já foi governo. Está na hora de arrumar um bom emprego". Não que Franco precise disso. Os bens de família garantiriam a ele uma aposentadoria mais que confortável. Mas aposentar-se é tudo o que não pensa em fazer da vida.

Em seu projeto de virar executivo, Franco vislumbrou dois caminhos. O primeiro seria trabalhar numa grande empresa privada. O outro, abrir seu próprio negócio. Ficou com a segunda opção. Sua avaliação é que, numa grande corporação, enfrentaria os mesmos problemas que encarou no governo: muita política e muita intriga. Já abrindo uma empresa, além de ser dono, concluiu que poderia pôr em prática várias idéias inovadoras.

Com esse objetivo, Franco fundou há dois anos, em sociedade com dois amigos de longa data -- Luís Cláudio Garcia de Souza e Paulo Bilik, egressos do Banco Pactual --, a empresa Rio Bravo. Ali, o trio desenvolve negócios ainda pouco difundidos no mercado brasileiro, como a formação e gestão de fundos de investimento imobiliário e a securitização imobiliária.

Na área de fundos imobiliários, a Rio Bravo já administra uma carteira de 700 milhões de reais. O valor corresponde a quase metade do total das operações desse mercado no país, da ordem de 1,5 bilhão. "É uma maneira moderna de investir em imóveis", diz Franco.

Uma das beneficiadas com esse instrumento é a construtora Inpar, do empresário Alcides Parizotto, de São Paulo, que recebeu dinheiro para projetos de shopping centers e prédios comerciais.

Quanto à securitização, consiste de operações sofisticadas, por meio das quais a Rio Bravo levanta o capital para financiar um empreendimento imobiliário e garante essa captação com títulos (em inglês securities) lastreados pelo próprio imóvel ou pela receita de aluguéis que ele vier a gerar. Recentemente a Rio Bravo fechou um contrato desse tipo no valor de 136 milhões de reais com o HSBC.


A Rio Bravo tem outras frentes de atuação. Em sociedade com a companhia suíça de resseguros Swiss Re, há dois anos montou um fundo de private equity -- isto é, para investir em companhias fechadas. Na carteira desse fundo, de valor que Franco não revela, há participações em empresas de tecnologia como a Compera, de software para celulares.

Também acaba de fechar um fundo de 20 milhões de reais para investimentos no Nordeste, nos setores de fruticultura, criação de camarões e tecnologia. Além disso, a Rio Bravo atua como consultoria de fusões e aquisições.

O negócio mais reluzente nessa área é o projeto de venda dos Diários Associados -- um grupo de 12 jornais, oito emissoras de TV, 14 estações de rádio, três produtoras de vídeo e uma agência de notícias --, sobre o qual Franco evita falar. "Só quem fala são os condôminos do grupo", diz.

Os negócios foram recentemente ampliados para a área de administração de recursos de terceiros. A Rio Bravo há dois meses vem operando com aplicações em títulos do governo. Hoje, sua carteira de fundos de renda fixa soma 60 milhões de reais. "Ainda é pouco, mas vamos crescer", afirma Franco.

A idéia é que a Rio Bravo ocupe um espaço deixado por bancos de investimentos que foram comprados por bancos estrangeiros -- os novos donos abandonaram muitos clientes antigos, fixando-se apenas em grandes empresas.

O QG da Rio Bravo fica em São Paulo, num prédio da avenida Faria Lima, na zona sul da cidade, onde trabalham 80 funcionários. Mas, como Franco não abre mão de morar no Rio de Janeiro, parte da empresa funciona na região central carioca, num conjunto de salas pertencente a seu pai. O espaço foi recentemente ampliado para abrigar os novos negócios.

Franco ocupa uma sala que equivale provavelmente a um terço da área de seu antigo escritório na presidência do Banco Central. Mas nem por isso abriu mão de um cuidadoso projeto de decoração. Os móveis são claros, as divisórias de tijolos de vidro e os sofás revestidos de camurça bege.

Numa estante atrás da mesa, os livros de economia misturam-se aos de arte, uma das paixões de Franco, que tem interesses tão diversos como música clássica, literatura, tênis, pesca submarina e o time do Botafogo.


Os investimentos na Rio Bravo, segundo ele, ainda não deram retorno. Mas o negócio tampouco deu prejuízo. "Por enquanto estamos empatados, o que já é muito bom", diz. A perspectiva é que a Rio Bravo comece a dar lucro em pouco tempo. "Parte do sucesso dessa indústria é antecipar tendências", afirma. "É isso que estamos fazendo."

Além da Rio Bravo, Gustavo Franco participa também de conselhos consultivos de empresas. Uma delas é a canadense TIW, do setor de telefonia, que vive às turras com seu sócio Daniel Dantas, do banco Opportunity. "É uma experiência única", diz Franco. "Acho que teve gente que passou a vida em conselho de empresa e nunca viveu uma briga dessas."

E como é Gustavo Franco atuando num conselho? Na TIW, quando começam as brigas e as gritarias durante as reuniões, ele simplesmente se abstrai. "Saca umas canetas coloridas e começa a escrever num bloquinho", diz um dos participantes habituais das reuniões. "Acho que ele escreve os artigos que publica em jornais e revistas." Franco jamais altera o tom de voz nas discussões. Fala baixo e é invariavelmente irônico.

Por essas e outras, na visão de muitos de seus conhecidos, ele não abandonou a postura arrogante que mantinha quando era o todo-poderoso da economia. "O Gustavo acha que tem razão em tudo e que os outros são os outros", diz um de seus desafetos. Os amigos o defendem.

"Ele é corajoso", afirma o economista Winston Fritsch, colega de Franco no governo federal. "Não abre mão de suas convicções." Franco não se considera uma pessoa difícil. "Chega uma hora em que você tem de fazer as coisas acontecerem", diz.

Nessa fase como empresário, afirma ter apenas uma grande mágoa: a de nunca poder negociar com o governo. "Todas as vezes que tento entrar num negócio, surge alguém para dizer que vai haver favorecimento", diz Franco.

Foi o que aconteceu recentemente com uma operação de securitização para o Banco do Brasil. Embora sua empresa tivesse condições de tocar o projeto, o negócio foi suspenso, porque poderia levantar suspeitas. "Isso é um absurdo", diz. "Deixei o governo sem nenhuma dúvida sobre minha integridade."

Do governo ele tem outras mágoas. Uma delas é nunca ser consultado pelo PSDB, partido ao qual é filiado até hoje. "É como se eu não fosse do partido", diz. Quanto ao candidato do governo à Presidência, José Serra, ele é só críticas. "O Serra sempre falou mal do Real e nunca nos ajudou", afirma. "Agora vem com um discurso de quem defendeu o plano o tempo todo."

O curioso de ver Gustavo Franco do outro lado do balcão é que, durante seu mandato à frente do Banco Central, ele foi um dos grandes críticos do empresariado.

Em seu discurso de despedida, por exemplo, fez um duro ataque à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), à qual referiu-se como "aquela negra torre de mármore construída com dinheiro dos impostos que incidem sobre o emprego, aquele monumento vivo ao custo Brasil".

Hoje ele admite que fazer negócios no Brasil não é fácil. Mas acha que isso ocorre porque o governo não levou a cabo as reformas fiscal e trabalhista. Ainda assim, continua crítico das empresas brasileiras que a seu ver ainda mantêm, uma cultura subsdesenvolvida, de negócio familiar.

Mas não se preocupa com os desafetos que fez nessa área. "Não me lembro de ter encontrado ninguém com quem tenha brigado", diz. "O Brasil é muito grande. Você pode ter brigado com toda a diretoria da Fiesp sem nunca ter de fazer negócios com eles." Mas, se for preciso, o pragmatismo falará mais alto. "Se é bom para os dois lados, não interessam as brigas do passado", afirma Franco.

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