Revista Exame

Ping Fu foi do caos chinês ao sonho americano

Vítima de Mao Tsé-tung, a chinesa Ping Fu mudou-se para os Estados Unidos, está à frente da nova Revolução Industrial e virou conselheira do governo Obama

Ping Fu, criadora da empresa de tecnologia Geomagic (Jonathan Fredin/EXAME.com)

Ping Fu, criadora da empresa de tecnologia Geomagic (Jonathan Fredin/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 15 de março de 2013 às 18h14.

São Paulo - Os últimos três anos foram especiais para a empresária Ping Fu, uma chinesa radicada nos Estados Unidos há 29 anos. Ficou claro que sua empresa, a Geomagic, especializada em softwares para impressoras 3D, está na vanguarda do que vem sendo chamado de uma nova Revolução Industrial.

Além disso, ela foi convidada pelo presidente Barack Obama para participar do Conselho Nacional de Inovação e Empreendedorismo, órgão estratégico na recuperação da economia do país, e, para coroar essa fase de sucesso, sua biografia, lançada em janeiro, entrou para a lista dos livros mais vendidos do jornal The New York Times.

A obra, Bend, Not Break: A Life in Two Worlds (“Dobra, não quebra: uma vida em dois mundos”, em uma tradução livre), deve ser lançada no Brasil ainda neste semestre.

Além de sua trajetória profissional bem-sucedida, o que ajudou a chinesa a se tornar uma das empresárias de tecnologia mais badaladas do momento foi sua história de vida absolutamente inusitada. Ela tinha tudo para dar errado. E não deu.

A história é daquelas clássicas sobre o american dream, conceito que anda desgastado devido à crescente disparidade de renda nos Estados Unidos. Ping Fu chegou a São Francisco em 1983 com 80 dólares no bolso e sabendo falar três palavras em inglês: “oi”, “obrigado” e “socorro”. 

Aos 25 anos, carregava consigo os horrores da Revolução Cultural. Poucas semanas após completar 8 anos de idade, ela foi levada da casa onde vivia, em Xangai, pelos guardas do Exército Vermelho. Era o início de 1966 e sua família, formada por acadêmicos de classe média alta, se enquadrava no perfil de inimigo do Partido Comunista Chinês.

Seus familiares foram enviados para campos de trabalho e Ping Fu foi mandada para sua cidade natal, Nanjing, onde passou a viver com outras crianças como prisioneira em um dormitório de uma universidade evacuada. Ao completar 10 anos, foi trabalhar numa fábrica. Sem poder contar com a proteção de ninguém, sofreu com a violência física e sexual ao longo de toda a sua adolescência. 

O fim da Revolução Cultural, em 1976, permitiu que ingressasse na faculdade, num curso de literatura, o que parecia ser o recomeço de um período de normalidade em sua atribulada trajetória. Não foi.

Em seu trabalho de conclusão, fez uma pesquisa sobre os efeitos da política de controle de natalidade e acabou denunciando a matança de meninas recém-nascidas no interior do país. Ficou sem o diploma de graduação e ainda ouviu que se tornara persona non grata no país.

Mesmo após a morte do líder Mao Tsé-tung, quem recebia essa mensagem na China sabia que a melhor saída era o aeroporto. Hoje, ela recorre a uma imagem da natureza para explicar a reviravolta que se seguiu em sua vida.

“Meu pai gostava de dizer que o bambu é flexível. Ele balança com o vento, mas não quebra, pois consegue se adaptar”, disse a EXAME. É essa imagem que ela usou como título de seu livro, que virou best-seller.


Ao chegar aos Estados Unidos sem conhecer ninguém, trabalhou de babá e garçonete, aprendeu a falar inglês e, anos depois, ingressou numa faculdade de ciências da computação.

No início dos anos 90, quando trabalhava no National Center for Supercomputing Applications, órgão do governo americano que oferece infraestrutura e especialistas para ajudar o trabalho de cientistas e engenheiros no país, Ping Fu assistiu ao colega Marc Andreessen fundar o Mosaic (que depois passou a se chamar Netscape, o primeiro navegador popular de internet).

Em seu primeiro dia de operações na bolsa, o Netscape foi avaliado em quase 3 bilhões de dólares. 

A experiência de Andreessen foi inspiradora. Em 1997, ela fundou a Geomagic no estado da Carolina do Norte. Desde então, a empresa, que tem pouco mais de 100 funcionários, seguiu uma trajetória vencedora em seu mercado. Recentemente, passou por uma fusão com uma concorrente do setor, a 3D Systems.

O software da Geomagic vai complementar a oferta de impressoras da 3D Systems, formando uma companhia avaliada em 3,8 bilhões de dólares. “Em cinco anos, não será raro ver impressoras 3D na casa dos americanos”, diz Ping Fu, agora parte do conselho da 3D Systems. “Com isso, o poder de produção não será mais exclusividade das fábricas.”

No vibrante setor de tecnologia americano, costuma-se atribuir o sucesso de Ping Fu ao poder de inspirar sua equipe. Apesar de seu estilo cordato e tranquilo, em termos de carisma ela não perde para as grandes estrelas do Vale do Silício. E a arma, claro, é sua história pessoal.

Em 2000, Ping Fu decidiu profissionalizar a Geomagic e contratou um executivo de mercado como presidente, mas a experiência não deu certo. Em menos de um ano, quando o dinheiro em caixa era suficiente para tocar a empresa por apenas seis meses, ela resolveu reassumir o comando da companhia. Aflita, a empresária chamou os funcionários para contar o que estava acontecendo.

Numa tentativa de motivá-los a conseguir novos contratos e manter a empresa viva, abriu o coração e contou sua história. Depois disso, ela conta que o esforço da equipe na venda do software da Geomagic engordou o caixa em 3 milhões de dólares em três meses. De lá para cá, as coisas melhoraram. E a menina vítima da demência comunista virou protagonista da nova fase do capitalismo.

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