Leonardo Silva, da Urbano: meta de importar 40 veículos elétricos em 2018 | Germano Lüders /
Da Redação
Publicado em 15 de março de 2018 às 05h00.
Última atualização em 2 de agosto de 2018 às 15h42.
Na cidade de São Paulo, 56% dos moradores afirmam possuir um carro, segundo uma pesquisa realizada pelo instituto Ibope, a pedido da ONG Rede Nossa São Paulo, no final de 2017. Ainda se trata de um número expressivo — afinal, são 6 milhões de carros na cidade. Mas esse é um número em retração desde 2014, ano em que 62% dos moradores declaravam ser donos de um veículo.
A recessão pela qual o Brasil passou no período colaborou para a queda, mas, por trás da estatística, há também uma mudança no comportamento do paulistano evidenciada por outro dado: a frota de veículos de aplicativos já é maior do que a de táxis, reflexo de quem vendeu o carro ou optou por deixá-lo na garagem e passou a usar os serviços Uber, 99 e Cabify. É na esteira desse movimento que São Paulo é agora o laboratório para uma leva de startups de carsharing, ou “compartilhamento de carros”. São empresas que apostam em diferentes modelos de negócios para quem quer continuar a dirigir sem ter as dores de cabeça comuns daqueles que têm carros.
Uma dessas empresas é a Urbano, que cobra 1,20 real por minuto utilizado do carro ou 61,20 para quem fechar 1 hora. A diária sai por 367,20 reais. Elaborado em parceria com a empresa francesa de mobilidade Vulog, que desenvolve o software e o equipamento de controle do veículo, a Urbano é a primeira empresa do país com o sistema de free-floating — ou seja, livre —, um modelo em que os carros ficam estacionados em vagas públicas e o aluguel pode ser encerrado a qualquer momento desde que dentro das áreas delimitadas na cidade pelo serviço.
Atualmente, são dez home zones, como a empresa chama esses espaços, boa parte deles nos bairros de Itaim Bibi, Vila Olímpia e Vila Madalena. O serviço funciona da seguinte forma: para abrir a porta do carro, o usuário utiliza um app baixado no smartphone; a chave fica dentro do porta-luvas. Quando está circulando, um sistema avisa, por meio de uma mensagem sonora, quando o motorista está fora da área delimitada — nessa situação, não é possível encerrar a viagem. Todo o processo de cobrança é feito por meio do cartão de crédito cadastrado no app e há também a opção de contratar um seguro. O combustível já está incluído no preço e, caso seja necessário abastecer, há um cartão da empresa dentro do carro.
De modo geral, o setor automotivo está pressionado pelas constantes mudanças tecnológicas e nos hábitos de consumo. Segundo um estudo da consultoria Accenture, as montadoras aparecem com um índice de potencial de disrupção de 0,9, numa escala que vai de zero a 1. Negócios relacionados, como venda de veículos e transportes, não se saem muito melhor na pesquisa, que considerou 28 indicadores em empresas de 80 países.
A recomendação aqui é seguir a estratégia de Silva: não fugir do negócio principal, mas investir em tecnologia. “Na área de mobilidade, as empresas não conseguem se proteger com barreiras regulatórias. Elas precisam pensar em novos serviços e em novos modelos. Quanto mais digital, melhor”, diz Ricardo Polisel, consultor da Accenture Strategy. Há outro incentivo para a entrada no setor de carsharing: ele atingirá 18 bilhões de dólares em 2024, com um crescimento anual de 35%, segundo a consultoria Global Market Insights.
Qual é o modelo vencedor?
Enquanto no exterior os expoentes no ramo dos carros compartilhados são as montadoras — a BMW opera o DriveNow; a Daimler AG, dona da Mercedes-Benz, o Car2Go; e a chinesa BYD é parceira do aplicativo Didi no mercado do país asiático —, o Brasil é um território para as startups. A Turbi é outra empresa que começou sua operação em São Paulo no segundo semestre de 2017. Diferentemente da Urbano, ela usa o sistema de round-trip, ou “ida e volta”. O motorista retira o carro num ponto específico da cidade e, após a utilização, precisa devolvê-lo no mesmo local. O cadastro, a abertura de portas e o pagamento são feitos por meio de um aplicativo.
A frota é composta de 50 carros, divididos entre os modelos Hyundai HB20, SUV Nissan Kicks e Mini Cooper, disponíveis em 40 pontos da cidade, como postos de gasolina, estacionamentos e hotéis. O app já foi baixado mais de 30.000 vezes até agora. A meta é terminar o ano com 150 carros em 80 pontos em São Paulo. A precificação é feita por hora e por distância percorrida. O Mini, por exemplo, custa 35 reais a hora mais 50 centavos por quilômetro rodado.
“O comportamento está mudando, mas o brasileiro ama carro. Por isso, decidimos ter bons modelos em nosso portfólio”, afirma Diego Lira, presidente e cofundador da Turbi. Ele acredita que o compartilhamento é uma forma de as companhias economizarem com transporte de vendedores ou outros profissionais que precisam visitar clientes. Não é por acaso, portanto, que seus carros estão espalhados pelos eixos financeiros das avenidas Paulista e Faria Lima. “Além dos consumidores, o modelo de round-trip tem um apelo grande para empresas e condomínios”, diz Lira.
Quem também aposta no modelo de round-trip é a Zazcar, pioneira no setor de compartilhamento. Fundada em 2009, a empresa vive hoje sua segunda fase. Na primeira, ela lutava num mercado ainda desconhecido para o consumidor, era dependente de um fornecedor estrangeiro de tecnologia e era dona de todos os carros que alugava — sem contar sua alta exposição cambial.
Em 2014, ameaçada, a Zazcar decidiu mudar: apostou no desenvolvimento da tecnologia no Brasil, vendeu a frota e passou a alugar seus carros — hoje há apenas o modelo Ka, da Ford, disponível. Por sorte, até o relançamento da empresa, veio o surto de popularização dos aplicativos de mobilidade. “O mercado está mais maduro hoje. Havia um atraso em relação à cultura do exterior”, diz Felipe Barroso, presidente da Zazcar. “Agora chegou o momento de a gente surfar essa onda.”
Apesar de ser, no limite, uma escolha do consumidor, os modelos têm impactos distintos na redução do trânsito. Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia mostra que, para cada carro compartilhado no regime de ida e volta, outros 13 carros deixam de circular — ante 11 carros no sistema livre.
“O compartilhamento de ida e volta tende a atender viagens mais planejadas, particularmente num ambiente residencial”, diz Susan Shaheen, diretora do Centro de Pesquisas de Transportes Sustentáveis, em Berkeley. Por outro lado, acredita Susan, o sistema livre, por oferecer viagens num só sentido, acaba competindo com serviços já estabelecidos, como o próprio Uber. O vencedor dessa contenda saberemos quem será, em breve, nas ruas das cidades.