Revista Exame

Diversão ganha-ganha

Os jogos de tabuleiro transformacionais ajudam empresas e funcionários a atingir seus objetivos — e podem ser uma ferramenta útil no mundo pós-pandemia

Partida de FreshBiz antes da pandemia: simulação de como fazer negócios na nova economia (Divulgação)

Partida de FreshBiz antes da pandemia: simulação de como fazer negócios na nova economia (Divulgação)

Nos últimos anos, os jogos transformacionais, ou serious games, como são chamados, ganharam espaço no mundo corporativo como um meio de compreender como empresas e funcionários se comportam em relação a seus objetivos. O contexto em que essa experiên­cia se dá varia de jogo para jogo, mas todos eles são a representação de uma cena da vida real. E promovem, indiretamente, a lucratividade e a sustentabilidade dos negócios.

No atual cenário de pandemia, home office e digitalização, as empresas estão sendo obrigadas a atuar em novas frentes, de formas distintas. As atividades corporativas presenciais, é claro, estão reduzidas no momento. Mas à medida que o trabalho nos escritórios for voltando à normalidade, os serious games podem ser uma ferramenta ainda mais útil para ensinar os funcionários a ter flexibilidade e pensar de maneira diferente.

Tudo é simbólico nos jogos. O próprio ta­buleiro é o símbolo da vida e do caminho que será trilhado, explica Margareth Scherschmidt, psicoterapeuta de São Paulo que há 30 anos atua com a linha simbólica junguiana na área clínica e educacional. “E o que ocorre numa partida é uma representação simbólica da forma como agimos perante os acontecimentos na vida.”

Para o psicólogo e filósofo Marcos Adissi, os jogos proporcionam atenção plena — algo dificílimo hoje em dia — e acionam memórias afetivas num espaço seguro e compartilhado. “Se não expressar suas ideias e se não tiver o retorno de alguém, você fica numa bolha”, afirma Adissi, cuja dissertação de mestrado pela Coppe-UFRJ, Jogando e Aprendendo a Viver, é um trocadilho com “Vivendo e aprendendo a jogar”, da música de Aldir Blanc, morto neste ano vítima de covid-19. “É preciso desconstruir a ideia de que jogos são coisa de criança. Durante as partidas ensaiamos possibilidades existenciais, adultos e crianças.”

Os serious games recebem esse nome porque, embora as ações ocorram de forma lúdica, seu foco não é o entretenimento. Eles têm um objetivo “sério”, que é provocar mudanças na forma de pensar e de agir. Em outras palavras, são jogos ganha-ganha, e não ganha-perde, como nas versões tradicionais. “Você ganha quando reverte em conhecimento o que foi vivenciado no jogo”, diz Margareth. E, por ter esse caráter “profundo”, as partidas são guiadas por um facilitador credenciado, que confere imparcialidade ao processo.

Olga Balian, da Taygeta Editora & Consulto­ria, de São Paulo, trouxe o Jogo da Transformação e o Frameworks for Change para o Brasil quando pouco se falava de ferramentas como essas. Criados na comunidade ecológica de Find­horn, na Escócia, nos anos 1970, esses jogos sofreram modificações até chegar à versão atual. São 28 anos facilitando jogos e muitas histórias para contar. “A linguagem do Jogo da Transformação e do Frameworks, sua versão cor­porativa, é muito rica”, diz ­Olga, que se tornou referência na área.

Antes de iniciar a partida cria-se um propósito. Em geral, são palavras-chave, como criatividade e comunicação, mas pode ser qualquer tema. “Uso os jogos para direcionamento na minha empresa e na de meus clientes porque trazem questões que outra atividade não é capaz de trazer”, diz Luiza Ghisi, da consultoria paulista Lghisi Gente. Numa empresa de medicina diagnóstica, o Frameworks envolveu todo o nível gerencial, cerca de 250 pessoas, para desenvolver a liderança. “O resultado foi surpreendente: os insights ocorriam a cada rodada, você via o espanto nas feições”, diz Luiza.

Em outro programa com o Frameworks, o tema era inusitado: o feminino e o masculino no universo empresarial. O principal executivo de um banco havia reparado que mais de 50% do comitê diretivo estava se divorciando, e ele mesmo tinha acabado de se separar. Olga, então, dividiu em etapas: primeiro fez jogos com os gerentes; e depois com as esposas e os maridos desses gerentes, sempre em grupos separados por gênero. “Quando as mulheres foram jogar, a expectativa delas era altíssima. Estavam habituadas que, após treinamentos, o entusiasmo dos maridos não durava três dias, mas dessa vez, em três semanas, havia ocorrido uma mudança”, diz Olga.

As histórias durante os jogos criam conexões emocionais que aumentam a retenção da vivência. “O jogador fica no centro da ação e sabe na hora o resultado de suas escolhas”, afirma Olga. A neurociência tem explicação para isso: nosso cérebro não faz distinção entre uma simulação e uma experiên­cia ­real. “Perceber um aspecto seu é trazer à consciência algo para que você faça a mudança. Tudo vai depender de como usará aquilo”, diz Margareth.

O movimento é importante, senão o jogo — e a vida — não avança. No FreshBiz, um jogo da nova economia, sem a colaboração do grupo não é possível evoluir. “Competição é um jogo para amadores; colaboração é para empreendedores”, diz Graziela Merlina, fundadora da Apoena, em São Paulo, líder no Brasil do FreshBiz. Segundo ela, o ­mindset da competição nos limita; e a colaboração, por outro lado, faz a riqueza circular. “O FreshBiz flagra padrões limitantes, permitindo à empresa dar um salto de performance.” Como resultado, em vez do medo, prevalece a criatividade; em vez da escassez, há abundância.

Responsável pelos jogos da Points of You no Brasil, o paulistano Ariolino Andrade gosta de repetir o que ouviu durante uma vivência em pleno deserto em Israel: “São ferramentas para abrir corações e mentes”. As ferramentas são cartas com fotografias e palavras cuja associação pode trazer algo novo para o momento do observador. “Só conseguimos fazer mudanças quando enxergamos a vida de outra perspectiva”, afirma Andrade.

Com experiência na área de RH antes de abrir a Constelar, consultoria de desenvolvimento humano em Jundiaí, no interior paulista, Marcos Eduardo Pereira pôde ver dos dois lados o resultado dos jogos transformacionais. Hoje ele é facilitador do Jogo da Transformação, do FreshBiz e do Points of You, entre outros, porque observou que cada um tem um modo diferente de ampliar a percepção. “Qualquer jogo pode ser usado para promover insights e, em consequência, transformar o que afeta o cotidiano da pessoa ou da empresa”, explica Pereira. “Nessas vivências, é importante exercitar uma comunicação efetiva por meio da troca honesta de ideias.”

Foi numa sessão de coaching com Pereira que a executiva Csilla Almasy conheceu o Points of You. Na época, Csilla havia sido promovida a um cargo de direção e buscava apoio para enfrentar o novo desafio. “Vislumbrei ali o enorme potencial dessa ferramenta e depois apresentei à empresa”, conta. Com Giovana Delbin Lopes, gerente de RH na indústria farmacêutica Althaia|Equaliv, de São Paulo, ocorreu algo semelhante. Após sessões particulares, participou de diversos treinamentos na empresa. “No FreshBizz, observei que as pessoas saem com clareza do que podem fazer individualmente e coletivamente.”

No caso do analista de TI Rodrigo Milharese, o primeiro contato com os jogos foi num workshop ministrado por Pereira na ONG Sonhar Acordado, onde atua como voluntário. Não teve dúvida: levou a ideia para a empresa em que trabalha, a TE Connectivity, em Bragança Paulista, no interior paulista, para melhorar a comunicação. “Hoje a equipe é mais preparada para buscar uma solução conjunta para os problemas que surgem.”

Para Alfred Adler, psicólogo contemporâneo a Jung, a resposta às dificuldades da vida está no desenvolvimento da coo­peração. É o que mostra a visão colaborativa dos jogos: o pensamento coletivo, intrínseco à sobrevivência da humanidade ­— e das empresas —, deve prevalecer. Afinal, estamos todos no mesmo jogo.

(Arte/Exame)

Acompanhe tudo sobre:Casual

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda