São Paulo: maior cidade do país tem pressa em resolver os problemas. (RPAROBE/Getty Images)
Repórter de Lifestyle
Publicado em 25 de maio de 2023 às 06h00.
Onze bilhões de reais. Esse é o dinheiro que a cidade de São Paulo tem em caixa para usar em investimentos até o fim deste ano, um recorde. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) diz que isso só foi possível porque ele “fez o que tinha de ser feito”. Nesse contexto está uma série de medidas potencialmente impopulares, sendo uma das mais polêmicas a reforma da Previdência Municipal, aprovada em 2021. A maior metrópole do país não está sozinha nesse universo de cidades com dinheiro recorde no Orçamento para investimentos.
A lista inclui capitais que também aprovaram reformas no sistema previdenciário: Rio de Janeiro tem 4,7 bilhões em caixa para investimentos, Belo Horizonte, 1 bilhão de reais, e Curitiba reservou aproximadamente 670 milhões de reais. O desafio agora é resolver o mais rápido possível os principais problemas dos moradores dessas metrópoles: falta de moradia, população em situação de rua, mobilidade. Como pano de fundo, um momento complexo no país, com novo governo, debate sobre novo marco fiscal e uma reforma tributária que deve ser aprovada até o fim do ano. “Tem dinheiro em caixa, não estou pedindo dinheiro emprestado para ninguém. Os projetos estão prontos, planejados, agora vamos executar”, diz Nunes. (Leia entrevista completa)
Entre projeto e execução, há um tempo geralmente longo no setor público, que nem sempre atende os anseios e as necessidades da população. Há um mês, a gestão de Ricardo Nunes apresentou a reformulação do Programa de Metas, foi criado ainda quando Bruno Covas (PSDB) era o prefeito — ele faleceu em maio de 2021. Nunes, o vice que virou prefeito, ampliou de 77 para 86 as metas, com eixo central na redução das desigualdades e na criação de um ambiente com oportunidades mais justas. Até agora, foram cumpridos 17% do plano.
De acordo com o prefeito, os últimos anos foram de arrumar a casa para deixar para depois transformar a cidade em um verdadeiro canteiro de obras. Vale lembrar que o contexto é pré-eleitoral. Em outubro de 2024 os brasileiros vão às urnas eleger prefeitos e vereadores. O emedebista é “naturalmente candidato”, como ele mesmo diz. E deve usar a disposição para o trabalho como um trunfo. Nunes é “o primeiro a chegar e o último a sair” da prefeitura todos os dias, segundo ele mesmo e seus assessores. Entre os projetos que demandam sua atenção no momento está o programa de recapeamento, com 70 frentes de trabalho em toda a cidade atuando todos os dias entre 22 horas e 4 horas da manhã. Até agora, já foram feitos 5,8 milhões de metros quadrados de asfalto, o suficiente, como ressalta Nunes, para ir de São Paulo ao Uruguai. A meta é de 20 milhões.
No gap de tempo entre ideia e execução, a moradia é um dos desafios mais prementes. A maior cidade do país tem um déficit habitacional de 369.000 residências, segundo dados do Plano Municipal de Habitação. Estudos avaliam que pode chegar a 1 milhão em 2030. Além disso, muitas famílias vivem em condições precárias ou em ocupações irregulares. Outras grandes cidades também lidam com essa realidade. “O problema da habitação é urgente, e é um tema transversal. A favela está se verticalizando, e isso gera mais demanda por saúde, educação e saneamento básico”, diz o urbanista Nabil Bonduki, que foi relator do Plano Diretor de São Paulo, aprovado em 2014.
O Plano Diretor estabelece diversos parâmetros e metas para resolver os problemas urbanísticos da cidade. Uma revisão do texto está em discussão na Câmara de Vereadores e tenta equacionar a falta de moradia. Na avaliação de Bonduki, muitas propostas relacionadas à moradia que já estão no texto atual da cidade de São Paulo nem chegaram a ser implementadas. “Estava prevista a requalificação de áreas de periferia, reurbanizando assentamentos, algo que não foi feito”, explica.
A falta de moradia e a pandemia de covid-19 agravaram outro problema correlato: a população em situação de rua. Essa não é uma realidade apenas paulistana, mas é na cidade em que o contexto é mais dramático. No último censo realizado pela própria prefeitura, em 2021 pouco mais de 31.000 pessoas não tinham onde morar na maior cidade do Brasil. Em todo o país, são pouco mais de 180.000, segundo dados do Ipea.
Uma das manifestações mais visíveis da falta de moradia em São Paulo é a Cracolândia. Localizada no centro da cidade, a região é marcada pelo consumo de drogas, prostituição e violência, abrigando grande número de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Para além do tráfico, muitos dos que vivem na Cracolândia são pessoas sem moradia, que buscam refúgio e apoio naquela área.
“Uma das abordagens que mais têm funcionado em outros países para enfrentar o problema é dar primeiro uma moradia, para depois tratar uma dependência química”, diz Henrique Evers, gerente de desenvolvimento urbano do instituto WRI. No Programa de Metas da gestão municipal de São Paulo lançado em 2021, a prefeitura quer licenciar 300.000 moradias até 2024. “Eu já entreguei 5.962 chaves nas mãos das pessoas, e hoje estamos construindo 18.200 unidades habitacionais que serão entregues até o ano que vem”, garante o prefeito Ricardo Nunes. Ainda segundo ele, a situação da Cracolândia não deve ser resolvida em menos de 30 anos.
Também com um ritmo diferente entre necessidade e capacidade de resolução está o problema da mobilidade. Um efeito colateral da queda na qualidade do serviço é a redução de passageiros da capital paulista de 9 milhões, antes da pandemia de covid-19, para os atuais 7 milhões por dia. “Valorizar o transporte individual distorce a economia, com consequências não tão boas”, avalia o professor Ciro Biderman, coordenador do núcleo FGV Cidades, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.
No plano de metas paulistano, há a previsão de construção de dois eixos de BRT, um sistema de corredores exclusivos de ônibus que dá mais agilidade ao deslocamento no transporte público, além de ser uma alternativa mais barata e rápida de construção se comparada com linhas de metrô. Mas a ideia de tirar o projeto do papel em um tempo mais curto nem sempre é uma realidade. A construção do BRT da Radial Leste, por exemplo, está paralisada desde janeiro por determinação do Tribunal de Contas do Município (TCM), que encontrou possíveis irregularidades no edital de contratação. A prefeitura reclama da morosidade do processo. Philippe Duchateau, assessor de controle externo do TCM, defende a atuação do órgão. “Nos últimos três anos só 44 editais foram parados pelo TCM, e atualmente temos só dez. O tempo médio que os editais ficaram suspensos foi de 62 dias”, afirma.
A criação de um ambiente que incentive o empreendedorismo tem trazido resultados mais rápidos. Reflexo disso é o título de melhor cidade para fazer negócios nos eixos econômicos de mercado imobiliário e comércio, registrado pela última edição do ranking Melhores Cidades para Fazer Negócios, apresentado pela EXAME e elaborado pela consultoria Urban Systems.
O ranking reforça essa posição de oportunidade, evidenciando o potencial econômico de São Paulo e a confiança do mercado. De 2017 para cá, 44.000 empresas trocaram o domicílio do CNPJ de outras cidades pelo paulistano. No ano passado, o comércio teve um saldo de 17.000 novos postos de trabalho. Do lado imobiliário, um marco para a cidade foi a inauguração do novo prédio mais alto, com 172 metros de altura, no bairro do Tatuapé, na zona leste — desbancando o até então inabalado Mirante do Vale, que tem 170 metros, fica no centro —, que levou quatro anos para ser construído, um tempo recorde se comparado com obras públicas.
Com São Paulo como referência, as cidades brasileiras voltam ao holofote no cenário pós-eleição presidencial e com o fim da pandemia de covid-19, decretado em maio. As previsões de que as grandes metrópoles teriam fuga de moradores e ficariam menos dinâmicas não se concretizaram. São Paulo, Rio, Brasília, Salvador, Porto Alegre e tantas outras cidades brasileiras são tão vibrantes como nunca foram. Projetos para atrair investimentos do Brasil e do mundo não faltam, e até dinheiro em caixa passou a existir em quantidades inéditas. A dificuldade central é o tempo, o pior inimigo da gestão pública.