Revista Exame

Grandes construtoras: difícil é ganhar dinheiro

Não faltam clientes nem crédito. Mesmo assim, grandes construtoras lucram menos, atrasam obras — e suas ações despencam

Obra da Cyrela: custos mais altos do que o previsto em cerca de 15% das obras  (Fernando Vivas)

Obra da Cyrela: custos mais altos do que o previsto em cerca de 15% das obras (Fernando Vivas)

Tatiana Vaz

Tatiana Vaz

Publicado em 25 de julho de 2011 às 06h00.

São Paulo - Nunca houve tantas condições favoráveis para a expansão do setor imobiliário brasileiro como hoje. Com estandes cheios de compradores e crédito farto, as cinco maiores construtoras do país sextuplicaram suas receitas nos últimos quatro anos. Também não faltaram investidores — o setor foi o que mais levantou dinheiro na bolsa de 2006 a 2010, mais de 24 bilhões de reais.

Mesmo com demanda forte e bancos com linhas de crédito mais amplas, os resultados de algumas das maiores companhias do setor despencaram no início deste ano — e, de acordo com analistas, os dados do segundo trimestre, ainda não divulgados, devem confirmar essa tendência.

Com expressivas quedas no lucro, três construtoras lideram as perdas nos últimos 12 meses — Gafisa, Trisul e Cyrela, com queda de 45%, 44% e 32%, respectivamente . No mesmo período, o Ibovespa encolheu 6%.

Boa parte do problema decorreu justamente da efervescência do mercado. Para atender à demanda em ebulição e cumprir metas ambiciosas acertadas com investidores, as maiores construtoras diversificaram tanto o perfil de empreendimento quanto sua abrangência regional.


Entrar em mercados até então desconhecidos mostrou-se uma manobra cara, especialmente pelo momento do mercado. A profusão de obras pelos país levou à alta de quase 10% nos custos de insumos e mão de obra no ano passado. Logo veio outro efeito colateral do crescimento acelerado — o aumento do time de clientes insatisfeitos.

As queixas contra as construtoras no Procon de 24 estados brasileiros dobraram nos últimos 12 meses e incluem de atrasos a mau atendimento de corretores. "As construtoras estão pagando o preço do mau planejamento", diz Marcelo Motta, analista do banco J.P. Morgan.

Um dos desvios de rota mais notáveis foi o da Gafisa. Terceira maior do setor, a empresa faturou 4 bilhões de reais em 2010 — 23% mais em relação ao ano anterior. No primeiro trimestre deste ano, porém, as vendas caíram 7,5%, e o lucro, 79%. O revés se deve, segundo seus executivos, ainda a resquícios da compra da Tenda, em outubro de 2008.

Na época, a companhia mineira tinha uma dívida de 73 milhões de reais e uma operação deficitária voltada para imóveis de baixo custo. Para frear os prejuízos, o ritmo das obras da Tenda caiu à metade a partir de 2009 — o que ajudou a levá-la nos últimos meses à liderança de reclamações na Justiça paulistana, segundo o advogado Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário.

De janeiro a junho, 250 processos foram abertos contra a Gafisa (a empresa não divulga o dado e não confirma a informação). "Achamos que a recuperação viria antes, mas o aumento dos custos do setor atrasou os planos", diz Alceu Duilio Calciolari, presidente da Gafisa. "Os resultados devem melhorar até dezembro."


Caminho tortuoso

Para as grandes construtoras, o que parecia um atalho para a expansão — formar alianças com parceiros locais — também se mostrou um caminho tortuoso. Ao deixar o projeto nas mãos de um terceiro, muitas perderam o controle dos custos. Nos últimos meses, a maioria está revendo essa estratégia.

A Cyrela, segunda maior construtora do país, com vendas de 4,9 bilhões de reais em 2010, fez o movimento mais expressivo nesse sentido. A companhia intensificou a contratação de parceiros, sobretudo em 2007 e 2008, com a missão de expandir os negócios para outras regiões.

Sem acompanhamento próximo, 30 de seus 209 canteiros espalhados pelo país custaram até 5% mais que o previsto — e 19 têm mais de seis meses de atraso. Para reverter o cenário, a construtora anunciou, em abril, a redução das parcerias.

Até então, 65% de suas obras estavam nas mãos de construtoras locais. Agora, apenas 30% delas serão terceirizadas. "Com a medida, a rentabilidade de­ve aumentar", afirma Guilherme Vi­lazante, analista da Barclays Corretora.


Outras empresas restringiram o perfil dos empreendimentos que lançam. É o que fez a paulista Trisul, com vendas de 816 milhões de reais em 2010. O lucro líquido da empresa recuou 167% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado, e ela perdeu mais de 40% do valor de mercado nos últimos 12 meses.

"Não estávamos preparados para atuar na baixa renda", diz Jorge Cury Neto, presidente da Trisul. Hoje, até 60% de seus empreendimentos são dedicados a esse público. Neste ano, dos lançamentos previstos pela companhia — que somam até 300 milhões de reais —, apenas 20% serão destinados à baixa renda, que deve ser extinta do portfólio a partir de 2012. "Vamos voltar a atender o público que conhecemos bem: a média e alta renda paulistana", diz Cury Neto.

Algumas empresas que adiantaram a depuração de seu portfólio já viram os resultados. A PDG, maior construtora do país, já diminuiu o número de parceiros regionais ao longo de 2010. No primeiro trimestre deste ano, a empresa faturou 1,5 bilhão de reais, 30% mais que o obtido no mesmo período do ano passado.

O lucro cresceu no mesmo ritmo. De acordo com analistas ouvidos por EXAME, os resultados no setor devem melhorar até 2012. "A demanda dos compradores permanece, o que ajudará na recuperação", diz Marco Aurélio Barbosa, da corretora Coinvalores. Para ganhar dinheiro nesse contexto, as empresas já aprenderam pelo menos o que não fazer.

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