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Pressionadas, montadoras fazem parcerias inéditas pelo futuro

Dar as mãos ao Vale do Silício é uma necessidade para montadoras pressionadas como nunca a entregar inovação a seus consumidores

Produção da Ford: investimento em startup de ex-executivo do Google (Germano Lüders/Site Exame)

Produção da Ford: investimento em startup de ex-executivo do Google (Germano Lüders/Site Exame)

RS

Raphaela Sereno

Publicado em 24 de abril de 2017 às 05h55.

Última atualização em 25 de abril de 2017 às 17h58.

São Paulo — No fim da década de 90, Bill Gates, fundador da empresa de tecnologia Microsoft, deu uma alfinetada na indústria automotiva americana. Segundo Gates, se as montadoras evoluíssem tão rápido quanto o Vale do Silício, os carros deveriam custar menos de 30 dólares. O comentário, naturalmente, feriu o ego de Detroit. Em resposta, dizia-se que, se a Microsoft fabricasse automóveis, eles parariam de funcionar quando o carro chegasse a 100 quilômetros por hora, e a única saída seria reinstalar o motor.

Por duas décadas, os dois setores continuaram cada um em seu quadrado: as montadoras gastaram bilhões desenvolvendo os próprios equipamentos tecnológicos e, mais recentemente, as empresas do Vale do Silício começaram a fazer esforços mais sérios para  fabricar seus carros do zero. Mas os tempos de competição estão ficando para trás.

O Google estuda carros autônomos desde 2009 e chegou a projetar um modelo sem volante e pedais, mas desistiu de desenvolver a ideia internamente e divulgou uma parceria com a montadora Fiat Chrysler. As empresas já anunciaram que produzirão 100 unidades da minivan experimental Pacifica, que terá sensores e componentes tecnológicos para testes de condução sem motorista.  Ford e General Motors gastaram, cada uma, cerca de 1 bilhão de dólares para comprar participações em startups que pesquisam carros autônomos.

A Ford aposta na Argo AI, startup fundada por Bryan Salesky, ex-responsável pela equipe de carros autônomos do Google. Startups de Israel e China também estão na mira: a Volkswagen, por exemplo, investiu na empresa chinesa de inteligência artificial Mobvoi, também criada por -ex-executivos do Google, que está desenvolvendo carros com sistemas de reconhecimento de voz.

Dar as mãos ao Vale do Silício é uma necessidade para montadoras pressionadas como nunca a entregar inovação a seus consumidores. As frentes de pesquisa são variadíssimas. Além de testar tecnologias para desenvolver carros autônomos e aprimorar os elétricos e híbridos (que combinam motores a combustão e elétricos), montadoras e startups planejam outras melhorias não tão “revolucionárias”, mas que podem facilitar a vida de quem dirige — e aumentar a segurança nas ruas. A Ford lançou alguns automóveis com um sistema capaz de mapear buracos e emitir um alerta no painel de controle com alguns minutos de antecedência.

A GM está desenvolvendo um retrovisor que não é mais um espelho, mas um monitor que transmite imagens vindas de câmeras instaladas nas traseiras dos veículos — o objetivo é evitar que a visão fique obstruída por objetos no porta-malas e eliminar os “pontos cegos” (lugares que não são mostrados pelos espelhos tradicionais). Na Mercedes-Benz, há pesquisas para criar o carro que estaciona sozinho: o plano é que ele tenha câmeras e sensores e o motorista possa estacioná-lo por meio de comandos no celular. A maioria das grandes montadoras também pretende instalar roteadores de Wi-Fi nos automóveis, para que seja possível acessar a internet sem fio, e está desenvolvendo softwares para recomendar restaurantes e bares e avisar onde há um posto de combustível (quando isso for solicitado pelo motorista).   

O que as montadoras perceberam é que é mais rápido e mais barato investir em startups do que desenvolver tudo dentro de casa. O custo dos equipamentos tecnológicos de um veículo equivale a 25% do total. Em uma década, esse patamar deverá chegar a 65%, segundo a consultoria KPMG. Para as startups, a vantagem das parcerias com as montadoras é ter os recursos para desenvolver produtos e serviços. Na avaliação de Mark Reuss, diretor global de produtos da GM, “nenhuma empresa pode fazer isso sozinha”.

Esse também é um movimento defensivo. Segundo a consultoria Roland Berger, em 2030, 40% do lucro do setor automotivo virá de produtos que são incipientes hoje, como veículos autônomos e elétricos, e serviços como os de compartilhamento. Estimativas indicam que o faturamento do setor de serviços de transportes chegará a 5 trilhões de dólares em 2030, quase o dobro das receitas do mercado automotivo obtidas hoje. Além disso, ao investir em tecnologia e lançar carros mais moderninhos, econômicos e seguros, as montadoras podem ganhar um novo impulso.

As vendas de carros cresceram apenas 3,6% ao ano nos últimos cinco anos no mundo e, segundo a consultoria McKinsey, devem aumentar apenas 2% ao ano a partir de 2030. Num símbolo dos novos tempos, a novata Tesla, que produz carros elétricos, passou a GM e se tornou — por alguns dias — a maior montadora de capital aberto dos Estados Unidos, com valor de mercado de 51 bilhões de dólares. A GM (que retomou o posto de mais valiosa) fatura 20 vezes mais do que a Tesla. Para Bill Ford, presidente do conselho de administração e bisneto do criador da centenária fabricante de carros Ford, “as montadoras precisam mudar e virar fábricas de software. Esse é o futuro”.

A pressão tecnológica deve mudar a cara dos carros, mas também da indústria automotiva. O estímulo a fusões entre as montadoras é evidente — empresários como Sergio Marchione, presidente da Fiat Chrysler, defendem abertamente a união de forças. No caso de Marchione, sua tentativa de orquestrar uma fusão com a GM nunca deu em nada, e ele recentemente passou a cortejar a Volkswagen. Mas o fenômeno Tesla instiga uma provocação. Os investidores estão dizendo, da forma mais clara possível, que preferem apostar numa montadora tocada com jeitão de startup.

Se o futuro é o carro autônomo, ganhará quem prestar melhores serviços para levar uma pessoa de um lugar a outro da maneira mais barata e confortável possível. Não é de esperar, então, que Detroit acabe engolida pelo Vale do Silício? A Apple tem, em caixa, cerca de 250 bilhões de dólares. É suficiente para comprar a GM cinco vezes. O carro moderno ainda está longe de custar 30 dólares. Mas, para as gigantes de tecnologia, comprar uma montadora sairia baratinho.

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