Revista Exame

Desista, Guido, de controlar o real. Controle a inflação

Um dos maiores gestores de fundos cambiais e de renda fixa do mundo diz a EXAME que o Brasil deveria se preocupar menos com a alta do real e mais com a inflação

Michael Hasenstab, vice-presidente responsável pelos fundos cambiais e de renda fixa da gestora Franklin Templeton (Steve LaBadessa)

Michael Hasenstab, vice-presidente responsável pelos fundos cambiais e de renda fixa da gestora Franklin Templeton (Steve LaBadessa)

DR

Da Redação

Publicado em 16 de junho de 2011 às 12h45.

São Paulo - Poucos terrenos da discussão econômica são tão repletos de “especialistas” quanto o câmbio. Empresários, sindicalistas, po­líticos dos mais variados matizes, analistas, jornalistas e membros de outras categorias profissionais consideram-se, a julgar pelo que é dito por aí, detentores de notório saber cambial.

Qual é a “taxa de equilíbrio”? Para onde o real deve ir? O que o governo deve fazer para evitar a valorização da moeda brasileira? Num universo onde se chuta tanto, convém ouvir as opiniões do americano Michael Hasenstab. Aos 37 anos, o vice-presidente da empresa de investimentos Franklin Templeton é um dos maiores gestores de fundos cambiais do planeta. Hasenstab administra 130 bilhões de dólares e, desde 2001, seu principal fundo rendeu 202%, mais que o dobro da média do setor.

Ele é, também, um crítico ferrenho de medidas de controle cambial, como as que foram anunciadas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Em entrevista exclusiva a EXAME, o investidor afirmou não ver sentido algum na forma como o governo brasileiro luta para evitar a valorização do real. “Os governos de nações emergentes deveriam atuar menos no câmbio e mais nas políticas monetária e fiscal para evitar que a inflação saia do controle”, disse. A seguir, os principais trechos da entrevista.

EXAME - A valorização do real nos últimos meses não foi excessiva?

Michael Hasenstab - Não. O Brasil está crescendo e tem recebido mais investimentos produtivos do exterior, o que valoriza a moeda. É algo natural. As aplicações de estrangeiros em renda fixa, que preocupam o governo porque poderiam gerar muita volatilidade, respondem por uma parte pequena dos recursos externos. A economia está indo bem — as exportações, as importações, o endividamento de bancos e empresas, tudo isso está saudável. Não há distorções nem perigos, pelo menos por enquanto. 

EXAME - Mas as exportações caíram e as importações aumentaram.  

Michael Hasenstab - É verdade, e isso criou um déficit nas transações correntes com o exterior, mas é importante reconhecer que é um déficit pequeno e que ele é coberto pelos investimentos estrangeiros diretos que têm sido recebidos pelo país. Os fundamentos são sólidos. Acredito, inclusive, que o real vai continuar a valorizar, de forma moderada.

EXAME - Vários governos, em diferentes momentos, adotaram medidas para conter a alta de suas moedas e manter suas exportações competitivas. É o que está ocorrendo no Brasil. Isso não é mais saudável para a economia no longo prazo?   

Michael Hasenstab - Ao contrário. Essas medidas podem funcionar no curto prazo, mas são absolutamente ineficientes quando se olha mais para a frente. Foi o que ocorreu na Coreia e na Tailândia, por exemplo: as moedas voltaram a valorizar depois de um período. Essa estratégia é ainda mais questionável num ambiente de inflação alta, um risco para os países emergentes hoje. A valorização do real pode ser uma ferramenta útil de política monetária, porque reduz os preços de bens importados. Os governos de nações emergentes deveriam atuar menos no câmbio e mais nas políticas monetária e fiscal para evitar que a inflação saia do controle. Além disso, acho que nenhum país quer correr o risco de ficar sem investimentos externos.


EXAME - Como assim?

Michael Hasenstab - Países como o Brasil, que não têm poupança doméstica suficiente para financiar investimentos e aumentar a capacidade produtiva da economia, precisam de dinheiro de fora. Uma política para inibir a entrada de recursos estrangeiros, ainda que seja de forma parcial, não ajuda em nada.

EXAME - Seu principal fundo teve um desempenho ruim neste ano, porque apostava na desvalorização do iene, e a moeda japonesa subiu em relação ao dólar ante a expectativa de repatriação de recursos para o Japão. O senhor mudou sua estratégia?

Michael Hasenstab - Não. As incertezas  de curto prazo aumentaram a volatilidade e a aversão ao risco. Mas essa alta do iene é especulativa e momentânea. A moeda japonesa não deve valorizar como ocorreu após o terremoto de Kobe, em 1995, porque já está mais cara do que estava naquela época. Fora isso, muitos investidores institucionais japoneses com investimentos no exterior buscaram formas de se proteger das flutuações cambiais. Se decidirem repatriar esses recursos, o impacto no câmbio será nulo. No médio prazo, acredito que os fundamentos vão prevalecer. O Japão deve continuar crescendo menos que os Estados Unidos, e o iene deve perder valor ante o dólar.

EXAME - Na Europa, alguns de seus grandes investimentos estão em países escandinavos, como Suécia. Por que?

Michael Hasenstab - Os déficits gigantescos e a quantidade de dinheiro impressa pelos países centrais da União Europeia ainda vão gerar muitos problemas. Prefiro ficar longe disso. Gosto de investir em países com fundamentos sólidos, crescimento econômico consistente e balanços fiscais saudáveis. É o caso dos escandinavos, que têm sua economia ligada à da Alemanha. A moeda desses países deve valorizar, assim como a de muitas nações da Ásia.

EXAME - Incluindo a China?

Michael Hasenstab - Sim. Não espero uma alta repentina do iuane, mas há espaço para uma apreciação gradual, apoiada na crescente abertura comercial do país. A inflação também é um risco para a China, e uma moeda forte pode ajudar o governo a controlar os preços. Hoje, de forma geral, a mensagem para os países emergentes é: deixe o câmbio valorizar.

Acompanhe tudo sobre:CâmbioEdição 0989IeneIuaneMoedasReal

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda