Revista Exame

Novos sites e aplicativos levam a democracia às telas

Oito em cada dez brasileiros não lembram em quem votaram para o Congresso. Novos sites e aplicativos usam tecnologia para mudar esse quadro

Luís Kimaid, Adriana Neto e Bruno Aracaty, da Bússola Eleitoral: site tem um mapa para aproximar eleitores e políticos em torno de valores (Germano Lüders/Exame)

Luís Kimaid, Adriana Neto e Bruno Aracaty, da Bússola Eleitoral: site tem um mapa para aproximar eleitores e políticos em torno de valores (Germano Lüders/Exame)

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Isabel Seta

Publicado em 30 de agosto de 2018 às 05h41.

Última atualização em 30 de agosto de 2018 às 05h41.

Não há desafio que a tecnologia não possa resolver.” A frase do físico Peter Diamandis, cofundador da Universidade Singularity, da Califórnia, proferida em uma palestra, foi uma iluminação para Mário Mello, ex-diretor-geral da empresa de pagamentos PayPal na América Latina. Mello estava decepcionado com o fracasso da discussão sobre a reforma política no Brasil, cujo maior problema, para ele, é o distanciamento entre o Congresso Nacional e os eleitores. “Percebi que eu podia criar uma plataforma que simulasse os benefícios de sistemas políticos de outros países, como a aproximação, a cobrança, o debate”, afirma Mello. Foi assim que nasceu o Poder do Voto, um aplicativo lançado no fim de julho, que permite ao usuário monitorar projetos de lei em votação, se posicionar a favor ou contra as propostas e ver como votam os políticos que ele escolheu acompanhar.

As eleições deste ano devem colocar à prova o poder da tecnologia e seu potencial de espalhar informação — e desinformação. Numa ponta está a preocupação com a disseminação de notícias falsas, após a revelação de que milhares de eleitores foram expostos a elas na última eleição nos Estados Unidos. Na outra ponta, nunca tantos candidatos apostaram nas redes sociais como plataforma de distribuição de conteúdo e de relacionamento com os eleitores. É nesse cenário que iniciativas digitais, como o Poder do Voto, querem usar a tecnologia para aproximar os eleitores dos políticos. Segundo uma pesquisa do próprio aplicativo, desde 2014 foram lançadas no Brasil 30 plataformas, que já acumulam 5 milhões de interações com os eleitores.

A maioria das plataformas foi desenvolvida por empresários, executivos, cientistas políticos e da computação com vontade de melhorar, de alguma forma, o país. Mello tirou dois anos para fazer um “sabático cívico”, no qual vai se dedicar ao aplicativo, financiado por recursos próprios e doações. Seu sócio é o empresário Paulo Dalla Nora, ex–controlador do Banco Gerador. Outras iniciativas foram possíveis graças ao financiamento coletivo, doações, trabalho voluntário dos fundadores e parcerias pro bono. Nenhuma delas tem fins lucrativos.

O atrativo mais evidente desses novos projetos, no momento, é ajudar os eleitores a votar melhor. A Bússola Eleitoral, prevista para ser lançada no fim de agosto, fará isso com um mapa que aproxima eleitores e políticos em torno de valores comuns entre eles. Em setembro, entrará no ar o site Tem Meu Voto, também para auxiliar na escolha do voto para senador, deputado federal e estadual. Desenvolvido pelos movimentos de renovação política Renova BR, Acredito, Agora e Brasil 21, o site funcionará como uma espécie de “tinder da política”: o eleitor e os candidatos respondem a sete perguntas, e a plataforma fornece ao usuário uma lista dos dez candidatos com mais respostas em comum. O mais popular dos novos aplicativos é o Detector de Ficha de Político, do Instituto Reclame Aqui. Ele permite ao usuário fotografar (em revistas, jornais, internet ou televisão) ou buscar o nome de um político para verificar se ele, eventualmente, responde a processos por corrupção ou improbidade administrativa. Lançado em abril deste ano, o aplicativo já ultrapassou 1,4 milhão de downloads.

O surgimento dessas iniciativas está ligado aos protestos de junho de 2013, quando milhares de cidadãos se organizaram pelas redes sociais e saíram às ruas para protestar contra o aumento da passagem de ônibus, desencadeando reivindicações variadas. Para os fundadores do Monitora Brasil, Gustavo Cruvinel e Geraldo Figueiredo, os protestos de 2013 evidenciaram o distanciamento entre o Congresso e os anseios da sociedade. Na tentativa de ajudar a resolver esse problema, eles fundaram em 2014 a plataforma, que funciona com dados puxados da Câmara, do Senado e do Tribunal Superior Eleitoral e que tem cerca de 4.000 usuários ativos por mês. “Os protestos desencadearam o sentimento de que havia uma brutal assimetria no acesso às informações e mostraram a necessidade de mais engajamento político”, diz Alexandre Pacheco da Silva, coordenador do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.

Paulo Dalla Nora e Mário Mello, do Poder do Voto: cobrança e debate | Germano Lüders

A oferta de dados públicos – abertos pelo governo após a Lei da Transparência de 2009 – é condição prévia para o funcionamento das plataformas. O Brasil está na 8a posição do ranking da Open Knowledge International, que mede o grau de transparência e qualidade dos dados governamentais ao redor do mundo. O país é considerado transparente no que se refere a orçamento público, resultados eleitorais e leis nacionais. O Detector de Ficha de Político, o Monitora Brasil, o Atlas Político e o Poder do Voto funcionam praticamente sozinhos por meio de robôs programados para extrair esses dados públicos e compilá-los nas plataformas.

No entanto, o fato de as informações estarem disponíveis não as torna necessariamente acessíveis. Somente em São Paulo, são 2.089 postulantes a deputado estadual, 1.647 candidatos a deputado federal e apenas 52 dias de campanha até o primeiro turno. Em todo o Brasil, 8.262 candidatos concorrerão a uma vaga na Câmara e 17.284 às Assembleias  Legislativas. Segundo cálculos do cientista político Luis Kimaid, criador da Bússola, se o eleitor paulista gastasse dez minutos por candidatura, trabalhando oito horas por dia, ele precisaria de 66 dias para analisar todos os candidatos. “Estamos entregando na mão do usuário todas as ferramentas necessárias para mostrar que o poder de escolha é do eleitor”, diz Kimaid.

Os aplicativos brasileiros seguem os passos de projetos estrangeiros. Um exemplo é o Smartvote, aplicativo suíço estudado por Pacheco, que, como o Tem Meu Voto, oferece uma lista dos candidatos que têm mais proximidade com o eleitor. O Smartvote gerou 1,3 milhão de interações nas eleições de 2015 da Suíça, cobrindo 85% das candidaturas. Nos Estados Unidos, o aplicativo Countable, criado em 2014, alcançou 1 milhão de usuários registrados e 12 milhões de mensagens aos congressistas. Como o Poder do Voto, ele permite ao usuário acompanhar votações no Congresso, se informar sobre as leis e se comunicar com seus parlamentares.

Medir o impacto desses projetos é difícil. Principalmente dos que dependem da boa vontade dos políticos para participar (no caso do Poder do Voto) ou de respostas a perguntas (como no Tem Meu Voto e na Bússola Eleitoral). Mais difícil ainda é atrair o público. Como estão sendo lançados às portas das eleições, muitos dos novos serviços devem ficar conhecidos apenas na próxima legislatura. Seu desafio nos próximos quatro anos vai ser romper uma situação triste para o país: 79% dos eleitores não sabem em quem votaram para o Congresso e 84% não se veem representados pelos parlamentares.

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