Luiz da Silva, novo presidente da Bombril: demissão de quase todos os diretores (Germano Luders/Site Exame)
Raphaela Sereno
Publicado em 10 de novembro de 2016 às 05h55.
Última atualização em 10 de novembro de 2016 às 05h55.
São Paulo — A fabricante de produtos de limpeza Bombril terminou 2015 como tantas outras empresas no Brasil, contando os centavos. Com a recessão, as vendas caíram, a operação deu prejuízo e faltou dinheiro para pagar os credores. Sem receber há mais de seis meses, alguns de seus fornecedores pararam de entregar insumos e, com isso, a produção de certas fábricas teve de ser paralisada.
Se nada mudasse, seus donos, a família Sampaio Ferreira, sabiam que a Bombril poderia pedir recuperação judicial — um processo penoso que eles já haviam enfrentado entre 2003 e 2006 e queriam evitar a todo custo. Dessa vez, a família decidiu tentar algo novo — e radical: entregar o comando do negócio a uma consultoria especializada em reestruturar companhias em dificuldade que teria carta branca para mudar o que quisesse, dos produtos aos funcionários.
Foi o que a RK Partners começou a fazer poucos dias antes do Natal. No início de 2016, o presidente, quase todos os diretores e 60% dos gerentes foram demitidos. Além disso, o total de produtos fabricados caiu 35% (só ficaram no catálogo os que tinham alta rentabilidade), a verba de marketing foi reduzida de 4% para 1% do faturamento e contratos foram renegociados. “Em menos de um mês, apresentamos um novo cronograma de pagamento aos fornecedores.
Cerca de 90% deles aceitaram e retomaram o abastecimento”, diz Luiz Gustavo da Silva, ex-diretor da RK que foi indicado como presidente da Bombril. Os resultados já melhoraram: no primeiro semestre, a empresa lucrou 46 milhões de reais. A Bombril faturou 1 bilhão de reais no ano passado. Para sobreviver em meio à pior recessão do país, as empresas sabem que precisam cortar custos, renegociar dívidas e ser mais produtivas.
“É necessário adotar medidas duras, como fechar fábricas e demitir, que muitos executivos e empresários não estão preparados para encarar ou simplesmente não querem fazer”, diz Marcelo Gomes, diretor executivo para a América Latina da consultoria de reestruturação Alvarez & Marsal. A saída, então, é partir para as consultorias: se não funcionar, sempre dá para jogar a culpa no consultor. O aumento da procura por esse tipo de serviço fez surgir novas empresas especializadas em reestruturação, como a Enéas Pestana & Associados, do ex-presidente do Pão de Açúcar.
Além disso, bancos — entre eles o Brasil Plural — criaram áreas dedicadas a reorganizar negócios em dificuldade. Os novatos concorrem com consultorias tradicionais nessa área, como Galeazzi, Alvarez & Marsal, TPC Latam e RK, que ampliaram suas operações. São essas consultorias que indicam profissionais como Luiz da Silva, que coordena a reestruturação da Bombril. Esse cargo até ganhou um nome, chief restructuring officer (CRO).
A escola de negócios Insper, de São Paulo, criou dois cursos de pós-graduação em recuperação e reestruturação de empresas — no ano passado, houve fila de espera por vagas.
As empresas entram em crise por várias razões — problemas na sucessão, erros estratégicos, mudanças econômicas, chegada de concorrentes. Mas as que resolvem entregar a gestão a uma consultoria especializada geralmente estão numa fase crítica, quando não conseguem pagar fornecedores, bancos e até mesmo funcionários. “O que leva os acionistas a buscar um novo comando é a necessidade de uma rápida mudança de resultados financeiros”, diz Flávio Boan, sócio-diretor da consultoria Falconi.
Hoje, há mais empresas nessa situação. Segundo um levantamento do Centro de Estudos do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais, que analisou 605 companhias abertas e fechadas, metade delas não gera caixa suficiente para pagar os juros de suas dívidas. É o caso da rede de lojas de roupas Colombo. Fundada em 1917, a empresa se endividou para crescer na década de ouro do varejo, de 2004 a 2013. Com a virada do mercado, as vendas caíram e muitas lojas passaram a não se pagar.
No fim de 2015, a Colombo devia 1 bilhão de reais, duas vezes mais que seu faturamento e cinco vezes a geração de caixa. “Os donos não conseguiam mais pensar no negócio, passavam o dia negociando com credores”, diz um executivo próximo à companhia, referindo-se aos fundadores, os irmãos Álvaro e Paulo Jabur Maluf. Em junho, a empresa iniciou uma reestruturação, tocada pelo banco Brasil Plural e pelo escritório de advocacia Felsberg. Os irmãos concordaram em abrir mão do controle.
Deram três opções aos credores: receber a quantia a que têm direito com 30% de desconto, receber títulos de dívida da empresa ou converter o valor da dívida em participação societária. A maioria optou pela participação, e o plano deve ser homologado até o fim do ano. A expectativa é que a fatia dos Maluf na companhia caia dos atuais 100% para algo entre 15% e 30%. “Eles decidiram que é melhor fazer parte de um negócio rentável do que ter tudo de algo que não gera valor”, diz Warley Pimentel, sócio do Brasil Plural à frente da operação da Colombo.
Quando a reestruturação termina, a consultoria sai da empresa, mas o executivo que comandou as mudanças pode continuar. No caso da Colombo, a decisão será do novo bloco de controle, que deve ser formado pelos credores. Na Bombril, a família continuou no controle e manteve Luiz da Silva na presidência. Como esse modelo é novo no Brasil, há poucas reestruturações concluídas e nenhum estudo sobre o tema, e isso torna difícil dizer se as consultorias especializadas conseguem, de fato, tirar um grande número de companhias do buraco.
Um exemplo bem-sucedido é o da fabricante de pneus de bicicletas e motocicletas Levorin. Depois de passar um ano e meio à frente da Levorin, André Pimentel, sócio da consultoria Performa, conseguiu aumentar quatro vezes a geração de caixa e intermediar a venda da empresa para a francesa Michelin, anunciada em agosto deste ano. Um caso dramático é o da fabricante de calçados Vulcabrás. A reestruturação, que começou em 2013, foi conduzida pela consultoria Galeazzi.
Depois de três anos de prejuízos, a Vulcabrás deu lucro no primeiro semestre deste ano, mas sua operação é uma fração do que já foi no passado: 23 das 25 fábricas foram fechadas e 22 000 funcionários foram demitidos. Um teste importante desse modelo deve acontecer nos próximos meses. A mineradora MMX Sudeste, que fazia parte do grupo do empresário Eike Batista, acaba de vender parte de suas minas para o fundo Mubadala e para a Trafigura, empresa especializada em transportar e negociar commodities.
A venda faz parte do plano de recuperação judicial, que é coordenado pela consultoria RK desde 2014. A operação está paralisada desde então. Dos quase 2 000 empregados, restaram apenas 40, que cuidam da manutenção e da segurança das minas. “Com o plano concluído, a empresa, mais enxuta, poderá voltar a funcionar”, afirma Ricardo Werneck, presidente da MMX, que foi indicado pela RK. Um início modesto nunca esteve nos planos de Eike, mas, na situação atual, ter condições de produzir já é uma vitória.