(Cyla Costa/Exame)
A ambição de mudar radicalmente a cara de setores inteiros explica o sucesso de boa parte dos empreendedores listados no Ranking EXAME Negócios em Expansão 2022. O objetivo fica mais realista quando o setor em si passa por uma revolução. Vide o exemplo do agronegócio brasileiro.
Em 2021, o setor cresceu 8%, ultrapassando a marca de 2,3 trilhões de reais de faturamento, algo como 27% do PIB — a maior fatia desde 2004. A boa notícia esconde problemas. A escalada dos preços de matérias-primas, em geral importadas, vem comendo as margens de produtores e agroindústrias. Na cadeia do agro, ninguém passa mais provações do que a pecuária. O PIB decorrente da boiada caiu 8,9% no ano passado na comparação com 2020. Por trás do resultado está a combinação de escassez de bois prontos para o abate com a dificuldade de frigoríficos em repassar o aumento dos custos a um consumidor final com as finanças fragilizadas no segundo ano de pandemia.
O torniquete nas finanças de pecuaristas serviu como uma alavanca para os negócios dos empreendedores paulistanos Fernando Sartori e Michel Tridico Torteli. Em 2018, a dupla abriu a FinPec, autointitulada “a primeira fintech de investimento na pecuária do Brasil”.
O negócio da FinPec põe em xeque o antigo ditado “é o olho do dono que engorda o gado”. Nos últimos quatro anos, Sartori e Torteli têm convencido investidores acostumados com os produtos financeiros da Faria Lima a comprar bois de parceiros da FinPec. O alvo são bois jovens e ainda magros demais para o abate.
Por intermédio da FinPec, a boiada vai para um confinamento, um cercadinho presente em muitas fazendas em que o animal fica num regime de engorda até atingir o peso desejável pelos frigoríficos. Geralmente, os donos dos confinamentos são pecuaristas que recebem uma comissão da FinPec para hospedar a bicharada. No período do confinamento, a FinPec vai negociando com os frigoríficos contratos futuros de venda da boiada. Quanto mais bem nutrida ela estiver, maior o ganho dos investidores e da própria FinPec, que fica com uma comissão sobre a valorização no preço do bicho.
Ao trazer recursos de investidores neófitos na pecuária, no meio de um momento de entressafra, a FinPec conquistou novos clientes e viu as receitas saltar 162% em 2021, para 217 milhões de reais. Com isso, a empresa teve o maior crescimento percentual entre as 17 classificadas na faixa de faturamento entre 150 milhões e 300 milhões de reais. “O Brasil tem mais de 1,5 milhão de pecuaristas. E a grande parte desses produtores não consegue bancar os custos de todo o processo necessário para a criação de gado, pelo menos não de uma forma efetiva”, diz Sartori, administrador formado na escola de negócios Insper, em São Paulo, e dono de uma carreira focada no agro, com passagem pela negociação de contratos de grãos na trader americana Louis Dreyfus.
Em média, um confinamento de 10.000 cabeças de gado pode necessitar de um capital de giro de até 70 milhões de reais. “Um valor altíssimo, ainda mais considerando que 99% dos pecuaristas brasileiros são pessoas físicas, às vezes um homem simples do campo”, diz Sartori, que convenceu o colega de faculdade Torteli a largar a mesa de trading do frigorífico Minerva para empreender.
Ambos vêm de famílias habituadas às lidas do campo — a família de Sartori cultiva soja e milho; a de Torteli é pecuarista. “Temos a missão de transformar o mercado pecuarista do Brasil em algo tão sofisticado e atraente quanto o mercado financeiro nacional. Não faz sentido um setor que representa quase 10% do PIB não ter uma oferta boa de produtos e não ser um ambiente mais desenvolvido economicamente e, principalmente, tecnologicamente. Viemos para modernizar”, diz Sartori. Daqui para a frente, a aposta da dupla é na concessão de crédito chamado por ali de “flexível” e voltado para investimentos para elevar a produtividade dos confinamentos — construção de novos silos, aquisição de rações de melhor qualidade, entre outros.
A pegada de modernizar o jeitão de setores inteiros está na essência da paulistana Kovi, empresa destaque do Ranking EXAME Negócios em Expansão 2022 após uma alta de 127% nas receitas em 2021, para 187 milhões de reais. A Kovi cresce com locação de automóveis, um setor à beira de uma revolução profunda com a chegada dos carros elétricos e dos autônomos, e o fim do paradigma do carro como posse.
A aposta da Kovi é a de que mais gente vai querer só alugar um veículo daqui para a frente. Por isso, a empresa fundada em 2018 virou destaque no mercado de locação por oferecer planos de longo prazo para automóveis — em alguns casos de até um ano —, com a opção de compra ao fim do contrato. A Kovi funciona com dois modelos básicos de remuneração: pagamento de quilômetro rodado (pré-acertado em contrato), ou um pagamento único para quilômetros ilimitados. “Boa parte da população brasileira precisa ter acesso a um veículo, mas não consegue por causa dos valores cada vez mais altos desses automóveis”, diz Bruno Poljokan, um dos sócios dedicados à estratégia de expansão da Kovi. “A ideia de comprar um carro popular não existe mais.”
Empresas capazes de estar à frente da disrupção nos setores de atuação podem sobreviver por mais tempo — e manter um crescimento acelerado, digno de startup —, mesmo após décadas de operação. É o caso da catarinense Teltec, nona colocada na categoria de empresas de 150 milhões a 300 milhões de reais do Ranking EXAME Negócios em Expansão 2022. Em 2021, a Teltec faturou 157 milhões de reais, alta de 30% em um ano.
O início da operação, nos anos 1990, foi com a instalação de cabos e antenas em cidades do interior de Santa Catarina com pouca infraestrutura de telefonia fixa. Com a universalização dos celulares, a empresa virou uma integradora de soluções de TI. Um dos carros-chefes por ali é a consultoria para a adoção de cloud computing — a Teltec é uma das principais parceiras no país das americanas Amazon e Microsoft, duas das maiores provedoras de infraestrutura de nuvem do mundo.
“A primeira transformação da empresa foi quando começamos a investir em jovens engenheiros para reconstruir as áreas de atuação da empresa”, diz Diego Ramos, diretor-geral da Teltec, que aposta no 5G como o indutor da próxima virada na empresa. “Enxergamos no 5G um potencial incrível para fomentar ecossistemas inteiros de cidades inteligentes, porque acreditamos que o 5G vai destravar por completo a internet das coisas.” Com ousadia e uma boa dose de habilidade para vislumbrar tendências, companhias como FinPec, Kovi e Teltec estão virando grandes negócios.
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