Revista Exame

De Nova York a Belém

O Brasil tem a chance de assumir um protagonismo inédito na Agenda 2030, e o primeiro passo foi dado na Assembleia Geral da ONU. O que falta para o país abraçar essa oportunidade?

Sede da ONU,  em Nova York:  apesar das guerras,  o combate às mudanças climáticas segue como pauta dominante na geopolítica global  (Leandro Fonseca/Exame)

Sede da ONU, em Nova York: apesar das guerras, o combate às mudanças climáticas segue como pauta dominante na geopolítica global (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 26 de outubro de 2023 às 06h00.

“Não é mais possível estabilizar o aumento da temperatura em 2 graus Celsius.” A frase dá a dimensão do desafio que a humanidade tem até 2050 para atingir a meta de descarbonização da economia, principal frente de batalha contra as graves consequências das mudanças climáticas, definida no Acordo de Paris. O acordo foi assinado por 193 países, em 2015, mas, para muitos cientistas climáticos, seus objetivos já não podem mais ser alcançados.

“A maior parte dos países do Acordo de Paris se compromete a ser net zero, ou seja, ter emissões zero, mas isso também não é possível”, afirma Paulo Artaxo, o autor da frase que abre esta reportagem, cientista climático brasileiro que é, hoje, um dos mais citados em estudos pelo mundo.

O desafio das mudanças climáticas se tornou um tema dominante na geopolítica global, ainda que as guerras eclodidas recentemente, na Ucrânia e em Israel, prevaleçam momentanea-mente sobre as conversas acerca da transição energética. Esses conflitos, no entanto, também estão inseridos no contexto de mudanças político-econômicas provocadas pela expectativa de queda na demanda de petróleo e gás natural em consequência dos investimentos massivos em energias renováveis.

As guerras também servem como alerta para uma consequência implacável das grandes mudanças econômicas: a definição de vencedores e vencidos. É essa expectativa que leva um país como a Rússia, grande exportador de gás natural, a provocar um conflito de grandes proporções com consequências globais. O Brasil se encontra diante desse mesmo imbróglio, porém, com perspectivas mais promitentes.

Dona de uma das maiores capacidades de geração eólica e solar do planeta, a maior potência sul-americana pode se beneficiar das mudanças em curso, desde que saiba navegar pelas mensagens subliminares da diplomacia. “Voltamos, depois de um período em que o mundo percebia que o Brasil tinha se ausentado”, disse à EXAME o diplomata Norberto Moretti, representante alterno do Brasil na ONU. “Mas há muito trabalho pela frente.”

Luiz Inácio Lula da Silva, em sua fala na Assembleia Geral da ONU deste ano, realizada em setembro, destacou o combate às mudanças climáticas como uma das agendas prioritárias para o mundo, e aproveitou para incluir nesse esforço o combate às desigualdades. A EXAME conta essa história em uma série de documentários produzidos em Nova York, na semana da assembleia. Associar a transição energética ao desafio de acabar com a fome e a pobreza favorece o Brasil e os demais países em desenvolvimento.

Em teoria, é justo; afinal, os maiores responsáveis pela crise climática são as nações que mais tiraram proveito da Revolução Industrial, ou seja, Estados Unidos e Europa. A China, maior emissora de gases de efeito estufa da atualidade, por sua vez, ainda tem boa parte de sua população na pobreza. Já o Brasil, cujas emissões estão, na maior parte, ligadas ao uso da terra (leia-se desmatamento), também tem um grande desafio social. Porém, diferentemente da China, tem uma matriz energética predominantemente limpa. É uma vantagem que faz do Brasil o destino perfeito para investimentos verdes, e uma plataforma barata para a exportação de produtos de baixo carbono, com ênfase para a coqueluche do momento, o hidrogênio verde.

O presidente parece enxergar a oportunidade. Seu plano é levar esse debate ao clímax na COP30, conferência climática da ONU que será realizada em 2025 na cidade de Belém, no Pará. Na mesma época, o Brasil estará na presidência do Brics, grupo que forma com Rússia, Índia, China e África do Sul. Para isso, Lula explora a famosa neutralidade brasileira e busca ficar bem com países ricos e pobres. O desafio é ler as mensagens subliminares.

“Há muita empolgação e esperança, mas a questão é se o Brasil será capaz de entregar tudo que promete”, disse à EXAME Michael Stott, editor para a América Latina do jornal Financial Times, talvez o mais influente diário econômico do mundo. “Mas, talvez, no Brasil nem sempre se compreenda que os europeus enxergam a guerra na Ucrânia, em particular, de uma maneira existencial.” 

A série traz depoimentos de executivos de grandes empresas, como Eletrobras, CBA, Aegea, entre outras. Estão presentes também lideranças como Rachel Maia, presidente do conselho do Pacto Global da ONU no Brasil; Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU no Brasil; e Camila Valverde, diretora de impacto do Pacto. Mas as grandes estrelas são o “pai” da sustentabilidade, John Elkington, e a “mãe” dos ODS, Paula Caballero.

Caballero, que criou, na Universidade Colúmbia, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, afirma que o setor empresarial está certo em enxergar oportunidades no desafio. Porém, alerta que é preciso coordenar as ações, especialmente com os governos, sob o risco de perder efetividade. Já Elkington, que cunhou o termo triple botton line, o precursor do ESG, está otimista, mas lamenta que parte da agenda idea-lizada por ele nos anos 1970 e 1980 tenha acabado diluída ao ser massificada.

Os quatro episódios da série estão disponíveis no YouTube. O projeto continuará em dezembro, na COP28, quando serão produzidos mais dez episódios. O plano é fazer uma segunda temporada em 2025, para retratar o caminho até a COP30, que será realizada em Belém, no Pará.

Confira o documentário aqui.

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