Alexandre Ribeiro: o objetivo da empresa é chegar a 10 000 carros (Germano Lüders/Exame)
David Cohen
Publicado em 28 de fevereiro de 2019 às 05h46.
Última atualização em 28 de fevereiro de 2019 às 05h46.
Quando completou 13 anos, o português Alexandre Ribeiro iniciou uma contagem regressiva. Faltavam-lhe 1.825 dias para tirar a carteira de motorista. Cinco anos depois, lembra, no dia zero de sua contagem, lá foi ele se matricular na escola de condução em Lisboa. Os tempos mudaram, é claro. Hoje em dia, é crescente o número de jovens que não dão a menor bola para ter carro. Graças a essa mudança dos tempos, Ribeiro agora, aos 44 anos, faz outra contagem, desta vez progressiva: quer chegar aos 10.000 carros até o fim do ano. Não para ele, obviamente.
Ribeiro é fundador e sócio majoritário da PPCar, uma locadora de automóveis especializada em atender motoristas de aplicativos de viagens, como Uber, 99 e Cabify. O objetivo é mais do que triplicar a oferta de carros (hoje a PPCar tem quase 3.000) e elevar o faturamento da empresa dos 30 milhões de reais em 2018 para mais de 100 milhões em 2019. Para um negócio de apenas dois anos e meio de vida, não está nada mal.
A história da PPCar começou em 2016. Ribeiro, que iniciara a vida adulta trabalhando como consultor de vendas e aos 25 anos montara o próprio negócio de criar games para treinamento em empresas, já morava no Brasil — veio para fazer um projeto para a rede de hotéis Accor e acabou ficando (e casando com uma brasileira). Inquieto, fez um curso na Universidade Singularity, na Califórnia, e saiu decidido a aproveitar as oportunidades da economia compartilhada. Comprou dez carros e contratou motoristas que os dirigissem. “Nem era para ganhar dinheiro”, afirma. “Eu queria entender se havia uma oportunidade.”
Havia. Naquela época, os aplicativos de transporte por automóvel contavam com cerca de 500.000 motoristas no Brasil. Hoje, são mais de 1 milhão. Não só o crescimento é explosivo. Ribeiro também percebeu que os motoristas careciam de educação financeira. A maioria deles não colocava em suas contas os gastos com manutenção, seguro, IPVA, troca de carro. Achavam que seus rendimentos eram líquidos e, lá na frente, tinham de arcar com custos repentinos, para os quais não se haviam planejado.
Feitas as contas, segundo Ribeiro, alugar é muito mais vantajoso do que comprar um carro para fazer o serviço. Primeiro, porque uma empresa consegue descontos da fábrica, pelo volume das encomendas. Além disso, o custo do dinheiro é menor para empresas do que para pessoas físicas; o IPVA é praticamente a metade; os custos de manutenção, devido à escala, são menores; e o seguro pode ser feito pela própria empresa, também com significativa economia.
Passado o período de experiência com os motoristas contratados, com receita de 40.000 por mês, Ribeiro decidiu montar a PPCar, com 50 automóveis. Negociou um acordo com a Cabify, que pagava diretamente à PPCar. Esta repassava o pagamento aos motoristas depois de descontar o aluguel do carro. Em um ano, a PPCar cresceu cerca de 20 vezes, mas Ribeiro percebeu que aquele não era o melhor sistema do mundo.
Tinha pelo menos três problemas. Primeiro, o risco trabalhista: como sua empresa recolhia o dinheiro e repassava aos motoristas, era mais fácil caracterizá-los como empregados da PPCar, o que poderia levar a um passivo trabalhista. Em segundo lugar, a prestação de contas era um inferno: a cada semana, seu departamento financeiro tinha de emitir as notas e justificar os ganhos e gastos para cada motorista. Finalmente, o sistema era sujeito a fraudes; nada impedia que os motoristas usassem outros aplicativos e ganhassem por fora, escapando ao controle da PPCar.
Em outubro de 2017, Ribeiro promoveu o que no mundo das startups é conhecido como “pivotagem”: um ajuste buscando outro mercado ou outra forma de atuação. Encerrou os contratos e praticamente começou de novo, com um modelo de aluguel “puro”. O desafio era conquistar clientes (os motoristas) concorrendo com locadoras tradicionais com até 100 vezes mais automóveis do que a PPCar (a Localiza, por exemplo, tem uma frota de cerca de 250 000 carros).
A vantagem da PPCar é a especialização. Seu aluguel é até um pouco mais caro, mas inclui uma quilometragem maior, visando a quem vai rodar 10 ou 12 horas por dia. A cobrança do aluguel é semanal, porque os aplicativos também pagam por semana. Os carros são 1.0, novos e econômicos (parte deles, ainda em fase de teste, roda com gás). Não há carros com placas de final 9 e 0, sujeitos a rodízio às sextas-feiras em São Paulo. E o mais importante: não é preciso comprovar boas condições financeiras, basta uma caução de 1.000 reais. “Estamos dando crédito a quem não tem”, afirma Ribeiro. “Muitos de nossos motoristas não teriam condições de ter um carro próprio, ainda mais um zero-quilômetro.”
Essas condições são possíveis porque a PPCar montou uma operação totalmente voltada para os aplicativos. Um dispositivo instalado nos carros permite à empresa localizá-los a qualquer momento. “De 120 casos de roubo, nós recuperamos 100”, diz Ricardo Vilela, diretor de tecnologia da empresa. O mesmo dispositivo permite bloquear o carro a distância. Ou seja, se o boleto da semana não for pago, o carro não anda.
A confiança no crescimento do mercado dos aplicativos de transporte é tanta que a PPCar já se internacionalizou. A operação em Portugal começou em janeiro de 2018, e a do México, em junho. No Brasil, a empresa atua em quatro cidades (São Paulo, Rio, Santos e Porto Alegre). A ideia é expandir para mais seis cidades no país e outras seis na América Latina.
Os motoristas também participam do crescimento, pela estratégia do marketing multinível: quem indicar um novo motorista ganha 4% de comissão sobre o aluguel do indicado, 3% sobre os pagamentos do indicado, numa escadinha que vai até o quarto nível. “A gente está distribuindo o sucesso também entre os motoristas”, diz Ribeiro. A única sombra nessa expansão toda é a expectativa de um futuro não muito distante em que os carros trafeguem sem motoristas. Ribeiro não parece muito preocupado. Diz que já está formulando um plano para a próxima pivotagem.