Revista Exame

Depois dos cursos, Carlos Wizard vende de burrito a chuteira

Quatro anos depois de vender suas escolas de idiomas, o empresário Carlos Wizard já investiu 650 milhões de reais em oito negócios diferentes

Carlos Wizard, Rodrigo Borges e Charles Martins: investidores da família Wizard e fundador da Hub Fintech possuem relação que vai muito além do Social Bank (Alexandre Battibugli/Exame)

Carlos Wizard, Rodrigo Borges e Charles Martins: investidores da família Wizard e fundador da Hub Fintech possuem relação que vai muito além do Social Bank (Alexandre Battibugli/Exame)

DR

Da Redação

Publicado em 5 de outubro de 2017 às 05h07.

Última atualização em 5 de outubro de 2017 às 05h07.

O empresário Carlos Martins ficou desempregado em dezembro de 2013. Pelo menos foi assim que seu filho adolescente, Nicholas, encarou a venda do negócio da vida do pai, o Grupo Multi (dono da rede de escolas de idiomas Wizard), para o grupo inglês Pearson por 2 bilhões de reais — um valor irrecusável, segundo o empresário, e suficiente para fazê-lo mudar de ramo.

Com o dinheiro na conta, ele tirou um período sabático e, em seguida, deu início a uma nova atividade, a de investidor. Carlos Wizard, como é mais conhecido, é um dos expoentes de uma geração de empresários brasileiros que aproveitou o crescimento do país para enriquecer com um negócio voltado para a classe média, a rede de escolas de idiomas e de cursos profissionalizantes. Agora, aproveita a crise para investir ao lado dos filhos mais velhos, Charles e Lincoln Martins. Em três anos, investiu 650 milhões de reais para comprar ou se associar a oito negócios, hoje avaliados em 2,6 bilhões de reais.

A miríade de setores em que Wizard se enfiou é surpreendente. Sua holding, a Sforza (o sobrenome italiano de seus avós), tem uma rede de varejo de produtos naturais, uma empresa de cartões pré-pagos, uma rede de fast-food de comida mexicana, escolas de futebol, marcas esportivas, uma empresa de venda direta de cosméticos, uma incorporadora especializada em galpões logísticos.

Atualmente, o grupo fatura 1,3 bilhão de reais e tem 900 funcionários — quase o tamanho do Multi quando foi vendido. “Fiz em três anos aqui o que demorei 27 para fazer lá do zero”, diz Wizard. Mas faz sentido colocar dinheiro em negócios tão diferentes? Para o empresário, a variedade de setores não é um problema. Ele diz estar mais interessado na estratégia de crescimento do que no setor de atividade. “Percebi após a venda que minha especialidade não era idiomas, mas, sim, franquias e negócios de escala”, afirma.

Os critérios de análise para a escolha dos investimentos estão calcados em dois fatores. O primeiro: quão único e ainda pouco explorado é o produto que a empresa oferece, o que garante um diferencial no mercado e menor competição. O segundo fator é a possibilidade de ganhar escala rapidamente por meio da abertura de franquias. Wizard diz não entrar em negócios que não deem pelo menos 10% de retorno por ano acima da inflação.

Para tocar tantos negócios ao mesmo tempo, o empresário criou a estrutura de um fundo que abarca todas as empresas, e colocou à frente dela dois executivos de sua confiança, saídos do Multi: Maria Carolina Marcondes e Rogério Domingues, que são, respectivamente, diretora de operações e diretor financeiro da Sforza. Os dois consolidam e monitoram os números e o desempenho das oito empresas.

No início, as estruturas dos negócios eram separadas, mas, à medida que foram crescendo, o grupo montou um centro compartilhado de serviços, como contabilidade, recursos humanos e cobrança, para reduzir custos e ganhar sinergia. “Uma única estrutura consegue atender mais de uma marca”, diz Filomena Garcia, sócia-consultora especializada em franquias do Grupo Cherto.

Mas o comando do grupo está a cargo da família. Essa estrutura operacional se reporta aos irmãos gêmeos Lincoln e Charles, de 37 anos. Os dois têm personalidades complementares, dizem pessoas próximas: o primeiro é a razão; o segundo, a emoção. Enquanto Charles é mais agressivo na prospecção de negócios, Lincoln é o que vê os pequenos números. “Todo empreendedor que tem filhos sonha em vê-los dando continuidade aos negócios”, diz Wizard.

Os outros quatro filhos do empresário também participam dos empreendimentos. As duas filhas do meio, Thais, de 30 anos, e Priscila, de 28, idealizaram e montaram a Aloha, empresa de venda direta de óleos essenciais e cosméticos que o grupo lançou neste ano. Wizard diz que dedica 80% do tempo a esse negócio. Ele usa toda a sua oratória e habilidade de marqueteiro para fazer vídeos e palestras para o exército de consultoras que planeja montar.

Já os dois filhos mais novos, Felipe e Nicholas, ainda adolescentes, trabalham na cozinha de uma das unidades da rede de fast-food de comida mexicana Taco Bell, fazendo burritos. A rede foi trazida ao Brasil em 2016 por Wizard e tem 17 unidades, todas próprias e localizadas em São Paulo. A meta para cinco anos é chegar a 100 unidades, abrindo espaço para franquias.

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Essa estrutura de negócios enlaçada com a da família tem na religião um de seus pilares. Carlos Wizard é mórmon, religião cujos preceitos têm muito a ver com o mundo dos negócios. A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, ela própria dona de diversos negócios com fins lucrativos, proíbe vícios, prega o trabalho duro e financia os estudos de seus seguidores nas melhores universidades dos Estados Unidos. Treinamento de oratória em público e técnicas de liderança e vendas são ensinados desde a infância.

E foi exatamente esse o script seguido por Wizard desde que se converteu, aos 12 anos, juntamente com seus pais e irmãos. Atualmente, o empresário diz que uma de suas grandes inspirações no mundo dos negócios é o chinês Jack Ma, dono do varejista Alibaba. “Temos histórias bem parecidas, ele estudou nos Estados Unidos e voltou para seu país para empreender. Temos idade semelhante, e ele também escreve livros e dá palestras”, afirma Wizard.

O empresário conta que tinha um encontro marcado com Ma em uma de suas últimas passagens pela China, mas que um chamado do governo chinês de última hora fez Ma cancelar o encontro. A diferença: Ma é dono de uma fortuna de 23 bilhões de dólares, segundo a revista Forbes; Wizard, pela mesma lista, tinha 1 bilhão de dólares ao vender sua escola de idiomas.

Na Sforza, o negócio de cartões é o que desponta como o de maior potencial de crescimento. A Hub Prepaid, criada em 2012 e batizada inicialmente de Vale Presente, atua com cartões pré-pagos e gestão de recebíveis para o mercado corporativo. Além de vale-presentes, vende cartões de incentivo e de bonificação para bancos, como Itaú e Caixa Econômica Federal, e grandes varejistas, como Magazine Luiza e Walmart.

A ideia nasceu da necessidade do grupo Sforza de ter uma forma mais ágil e barata de fazer pagamentos às suas redes de franqueados. A Hub oferece ainda um serviço de gestão de recebíveis para os aplicativos de transportes 99 e Uber. Para a empreitada, Wizard se juntou a Rodrigo Borges, ex-gerente responsável pelos cartões do Magazine Luiza. Eles planejam agora entrar na seara dos bancos ao lançar um serviço alternativo à conta-corrente para a população desbancarizada.

Está marcado para outubro o lançamento do Social Bank, plataforma para pessoas físicas em que será possível colocar dinheiro para fazer compras, pagar contas, realizar empréstimos e transferências de recursos. Tudo isso por meio de um cartão pré-pago e um aplicativo para celular. “Queremos ser o Uber dos bancos”, diz Wizard.

O mercado de cartões pré-pagos fatura, aproximadamente, 160 bilhões de reais por ano no Brasil, equivalente a 4% do consumo privado, segundo a consultoria Boanerges. Em dez anos, a projeção é de que esse mercado possa chegar a 270 bilhões de reais. Os cartões da Hub transacionaram 5,5 bilhões de reais em 2016, e a empresa prevê dobrar o número neste ano. 

Os demais negócios da Sforza estão concentrados em franquias. Uma aposta que perpassa quase todos os investimentos nesse segmento é a mudança de hábitos alimentares e de vida dos brasileiros em busca de produtos e serviços mais saudáveis. A varejista de produtos naturais Mundo Verde foi a primeira tacada de Wizard como investidor. A rede tinha 250 lojas quando foi adquirida, em 2014, e hoje possui 400 unidades pelo país. A meta é chegar a 1.000 lojas nos próximos cinco anos por meio de aquisições e crescimento orgânico.

A agressividade se repete em outros setores. No caso da Aloha, Wizard quer atrair 100.000 revendedores e atingir uma receita de 1 bilhão de reais em cinco anos. O modelo usado é o de marketing multinível, em que o consultor ganha ao vender os produtos e ao indicar outras pessoas para fazer parte da rede.

Taco Bell: os filhos adolescentes de Wizard trabalham na cozinha | Germano Lüders

A ProSports, rede de escolas de futebol que Wizard criou, se associou a um dos maiores nomes do esporte, o jogador de futebol Ronaldo, e abriu escolas no Brasil, na China, nos Estados Unidos, na Colômbia, no México e em Hong Kong. No Brasil, assinou, no ano passado, contrato com o Palmeiras para criar a Academia de Futebol.

Como quem faz esportes precisa de equipamentos esportivos, eis mais um negócio no qual o empresário se meteu: depois de comprar as marcas de calçados Topper e Rainha, da Alpargatas, o grupo criou a BR Sports, que gerencia essas marcas e vem fazendo acordos exclusivos de distribuição no Brasil de marcas reconhecidas lá fora, como a Saucony, de calçados, referência mundial entre praticantes de corrida.

Uma das últimas tacadas de Wizard foi voltar para o setor de educação, depois que seu acordo de não competição com a Pearson expirou. Em maio, ele comprou 35% da rede de ensino de idiomas Wise Up e, junto com o fundador da escola, Flavio Augusto, já saiu assinando cheques. Em junho, os dois anunciaram a compra da rede de ensino Number One, criando a holding Wiser Educação. Juntos, pretendem realizar outras aquisições e chegar a 1.000 escolas — hoje, a Wise Up tem cerca de 450 unidades.

A ambição e o ritmo que impõe aos negócios fazem com que Wizard se destaque em meio a uma geração de empresários que enriqueceu na última década. Segundo estudo da consultoria EY, 158 brasileiros venderam seus negócios por pelo menos 100 milhões de dólares entre 2007 e 2013, auge da euforia com o Brasil.

Acertar a mão no primeiro negócio, evidentemente, não é garantia de que a história vá se repetir uma segunda vez. Empreendedores seriais fazem parte da cultura corporativa de países como Estados Unidos. Empresários que retornam como investidores também são comuns por lá. Aqui, isso ainda é uma raridade.

Wizard, segundo consultores ouvidos por EXAME, tem usado uma receita heterodoxa: investe em negócios variados, participa ativamente da gestão, e ainda envolve a família. “Uma vantagem é que a maior parte do dinheiro está investida num modelo que ele conhece profundamente, o de franquias, então a probabilidade de dar certo é grande”, diz o consultor empresarial Lourival Stange.

Nos setores em que é novato, Wizard tem se cercado de pessoas que conhecem o negócio. Ter os ovos em tantas cestas certamente ajuda: entre tacos e óleos essenciais, Wizard não precisa vencer em todas as frentes. A dúvida é se ele terá mais um grande sucesso para chamar de seu.

Acompanhe tudo sobre:Grupo MultiMundo verdeTaco BellWizard by Pearson

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