Revista Exame

De Bad Bunny a Fernanda Torres: a revolução da longevidade na América Latina

Estudo exclusivo do BID e do Data8 mostra o impacto do envelhecimento na região e os desafios econômicos para os próximos 20 anos

Fernanda Torres: ao interpretar Eunice Paiva,  ela inspirou a nação a repensar o etarismo (Gareth Cattermole/Getty Images)

Fernanda Torres: ao interpretar Eunice Paiva, ela inspirou a nação a repensar o etarismo (Gareth Cattermole/Getty Images)

Layla Vallias
Layla Vallias

Coordenadora do FDC Longevidade

Publicado em 12 de março de 2025 às 06h00.

A América Latina é uma região frequentemente associada a questões como desigualdade social, instabilidade política e rica diversidade territorial e cultural. Nos últimos anos, no entanto, essa percepção passou a ser substituída pela constatação de que há um acelerado envelhecimento populacional. A realidade que antes parecia distante e restrita a países desenvolvidos chegou aos latino-americanos — e muito antes do esperado. Estamos vivendo sob um telhado prateado.

Para tornar tangível essa mudança, basta olhar para a família, um dos pilares centrais da cultura latino-americana. Já reparou como ela está diferente? Um latino-americano nascido na década de 1940, que hoje tem 80 anos, teve em média seis filhos e cerca de 24 netos. Por sua vez, alguém nascido nos anos 1980, atualmente com 40 anos, terá, em média, apenas dois filhos e quatro netos, segundo o estudo Envejecimiento, personas mayores y Agenda 2030 para el Desarrollo Sostenible: Perspectiva regional y de derechos humanos (CEPAL, 2022).

Eis que a família latino-americana não é mais a mesma. E isso se deu, principalmente, por dois fatores. O primeiro é que estamos vivendo mais: em média, a população latino-americana ganhou 17 anos de vida nos últimos 55 anos. O segundo, temos menos filhos: nos últimos 70 anos, a taxa de fecundidade na região caiu de seis para dois filhos nascidos vivos por mulher. Esse fenômeno vem acontecendo de forma tão abrupta que a América Latina se tornou a região que envelhece mais rápido no mundo. A percepção sobre o que é ter mais de seis décadas também mudou.

Um recado prateado

O rapper porto-riquenho Bad Bunny viralizou, recentemente, com o álbum Debí Tirar Más Fotos, no qual enaltece o seu país e a cultura latino-americana, reflete sobre a saudade de pessoas queridas e a importância de aproveitar o tempo com amigos e familiares. Essa música uniu gerações e se tornou uma das trends mais emocionantes do TikTok, com vídeos nos quais netos e avós curtem as canções entre lágrimas e sorrisos.

Fernanda Torres, orgulho nacional, também tem dado o seu recado prateado ao mundo. Um ano antes de completar 60 — idade em que oficialmente uma pessoa é considerada idosa no Brasil —, a atriz, reconhecida e premiada internacionalmente por seu papel como Eunice Paiva no filme Ainda Estou Aqui, tem inspirado a nação a repensar o etarismo ao provar que sempre há horizontes a serem conquistados — não apesar da idade, mas muitas vezes por causa dela.

Os desafios de envelhecer

O envelhecimento da população não apenas impõe desafios e transforma a dinâmica cultural e social, mas também redefine a economia dos países. Com uma presença crescente, a população 50+ já desempenha um papel cada vez mais relevante no produto interno bruto (PIB) das nações, impulsionando novos mercados e oportunidades.

O conceito de Economia Prateada, criado no Japão nos anos 1970 e impulsionado globalmente pela União Europeia, em 2015, e pela Oxford Economics, em 2018, refere-se ao consumo de produtos e serviços pela população 50+. Na América Latina e no Caribe, ela contribui com 40% do PIB da Argentina e da Colômbia; 39% do Brasil e do Chile; e 28% do México.

Embora notável na influência na economia dos países, havia até 2024 pouca disponibilidade de dados detalhados sobre a cesta de consumo específica dessa economia na região. Para suprir essa lacuna de informação, o Banco Interamericano de Desenvolvimento — via BID Invest e BID Lab — se uniu à ­agetech brasileira Data8, da qual sou uma das fundadoras, para conduzir a pesquisa Prateados na Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai (2023-2043) — um retrato de hoje com projeção de 20 anos.

Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai foram os quatro países escolhidos para essa pesquisa não só por suas diferenças econômicas e sociais, mas também por estarem em estágios distintos do envelhecimento populacional. Além da metodologia inovadora — que permitiu um entendimento mais profundo das dinâmicas desses mercados, nuances culturais e tendências locais —, o estudo contou com o respaldo de especialistas renomados, como Enrique Iglesias, ex-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); Mailén García, fundadora do DataGénero; e Manuel Ferreira Brusquetti, ex-ministro da Fazenda do Paraguai.

Bad Bunny: com o álbum Debí Tirar Más Fotos, o rapper criou uma das trends mais emocionantes do TikTok (Frazer Harrison/Getty Images)

Mapeamento da região

Na pesquisa construída pelo Data8 e BID, demos um enfoque nas realidades e perspectivas futuras dos países estudados. Neles, a população com mais de 50 anos já representa entre 18% e 33% da população total, sendo que a estimativa é de que essa proporção aumente para 27% a 45% até 2043. Ou seja, precisamos estudar esse novo continente de cidadãos-consumidores e pensar em como combater as desigualdades sociais aprofundadas nessa etapa da vida.

Argentina

Apesar dos desafios econômicos e políticos dos últimos anos, o país se destaca por sua consciência sobre o envelhecimento populacional, a sua cultura de direitos e bem-estar social. Além disso, é referência em educação na região e pioneiro na tendência de lifelong learning (“aprendizado ao longo da vida”).

Os mercados mais impactados na Argentina com o envelhecimento populacional nos próximos 20 anos serão os de educação e moda. Em contrapartida, a maioria dos negócios voltados para o público 50+ ainda está centrada no mercado de saúde e cuidados. Um dos cases é o aplicativo No Pausa, o primeiro na América Latina focado na saúde e no bem-estar na menopausa com teste de autoavaliação, nutrição, ginecologia e planos de acompanhamento.

Chile

No país, a expectativa de vida triplicou nos últimos 100 anos e um dos destaques dessa transformação é o rápido crescimento da chamada “quarta idade” — cidadãos com mais de 80 anos que vivenciam um envelhecimento dentro do envelhecimento, redefinindo o conceito de longevidade.

Assim como na Argentina, os negócios voltados para a longevidade são de saúde. No Chile, um dos cases que merecem destaque é a ­Aictive — startup que usa inteligência artificial para ampliar o acesso ao cuidado. O seu algoritmo analisa os movimentos humanos de forma 100% autônoma, utilizando apenas a câmera de um dispositivo móvel ou computador.

Paraguai

O mais jovem entre os países latino-americanos, com apenas 7% da população acima dos 65 anos, o Paraguai ainda tem a oportunidade­ de aprender com os acertos e desafios de seus vizinhos no processo de envelhecimento populacional.

Os mercados mais impactados por esse fenômeno nos próximos 20 anos são os de moradia e saúde. No país, há ainda poucos exemplos de negócios de soluções desenvolvidos para os prateados. Um dos cases é o app DGPNC Poranduha — direcionado a idosos em situação de vulnerabilidade social, que simplifica o acesso a informações e centraliza serviços essenciais, como consulta de pensão alimentícia e recebimento de benefícios sociais.

Uruguai

O que para muitos países ainda parece um cenário distante e desconhecido, para o Uruguai já se tornou uma realidade planejada desde meados do século 20. E, por ser o país mais velho da região, o mercado já está mais aquecido com produtos e serviços para os uruguaios prateados.

Exemplo disso é o Nudaprop, uma startup de hipoteca reversa que oferece soluções para pessoas 60+ que desejam ou precisam vender suas propriedades, seja para complementar a renda, seja para melhorar a qualidade de vida ou antecipar uma herança em vida. Por meio do conceito “nuda propiedad”, a plataforma permite que o proprietário venda o imóvel sem precisar se mudar imediatamente, garantindo uma fonte adicional de renda.

O chamado é para ação

O fenômeno do envelhecimento populacional na América Latina já começa a ganhar os holofotes. Um exemplo é o lançamento do livro Longevity Hubs, do AgeLab, liderado por Joseph Coughlin, referência mundial na Economia Prateada — obra na qual tive a honra de contribuir com um artigo sobre a nossa região. Outra iniciativa de peso foi o Fórum da Economia Prateada Europa-América Latina e Caribe, evento realizado em janeiro de 2025, em Barcelona, pelo BID, reunindo políticos e empresários com o propósito de fortalecer conexões e fomentar o desenvolvimento ibero-latino-americano.

Os ventos da mudança já estão soprando, mas, para que possamos responder com a urgência e a diversidade que o momento exige, em especial para todas as gerações que estão envelhecendo e chegando à maturidade, não basta uma brisa — precisamos de um furacão.

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