Revista Exame

Daniel Mendez, da Sapore, foi ao inferno e voltou

Daniel Mendez, fundador da empresa de refeições coletivas Sapore, quase faliu, mas voltou a crescer em 2011. Como? Mendez descobriu que a culpa era dele

Daniel Mendez, fundador da Sapore: 100 milhões em dívidas e crédito fechado com bancos e investidores forçaram uma guinada  (Germano Lüders/EXAME.com)

Daniel Mendez, fundador da Sapore: 100 milhões em dívidas e crédito fechado com bancos e investidores forçaram uma guinada (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 1 de março de 2012 às 10h00.

São Paulo - O empresário uruguaio Daniel Mendez viu ma­terializar-se em 2009 uma previsão sombria que ouviu de seu pai ainda garoto: você vai acabar pedindo esmolas. O velho queria alertá-lo sobre sua falta de interesse pelos estudos. O tempo passou e aquela possibilidade foi ficando cada dia mais remota.

Mendez mudou-se para o Brasil, começou a trabalhar como garçom, e, em 1992, fundou a Sapore, hoje uma das maiores empresas de refeições coletivas do país.­ Mas, na virada de 2008 para 2009, uma crise aguda fez a Sapore flertar com o ocaso. Mendez passou uma semana batendo à porta de bancos e investidores em busca de crédito e ouvindo uma enxurrada de nãos.

Hoje, ele relembra o episódio com um sorriso no rosto. Após uma reestruturação, a Sapore voltou a crescer em 2011 e fechou o ano com vendas superiores a 1 bilhão de reais. “Perdi alguns de meus melhores clientes, meus executivos mais antigos e minhas convicções. Achava que era infalível. Mas quebrei minha empresa”, diz. 

A derrocada da Sapore começou com a crise internacional, no fim de 2008. Até então, a empresa, com sede em Campinas, no interior de São Paulo, crescia 20% ao ano e já tinha aberto unidades no México e na Colômbia.

Na carteira de clientes, estavam companhias como Vale, Fiat e Petrobras, que recebiam mimos como decoração nas mesas e tapete vermelho na porta, inspirados no padrão de atendimento do comandante Rolim Amaro, fundador da TAM. Outra referência era a rede de lanchonetes McDonald’s e seus processos superpadronizados.

Em vez de comprar produtos in natura, como era norma na concorrência, os restaurantes da Sapore recebiam as batatas em tiras, os tomates transformados em molho, as carnes pré-cozidas. Mas a crise de 2008 escancarou as fragilidades dessa estratégia. Com as receitas em queda, os clientes, concentrados principalmente na área industrial, decidiram renegociar seus contratos.

Como o preço dos alimentos caiu em média 35%, os concorrentes conseguiram reduzir o preço de suas refeições. Mas a Sapore dependia dos alimentos processados, e não teve a mesma flexibilidade. Resultado: queda de 30% nas vendas. 

Para sair do atoleiro, Mendez tomou uma decisão sempre difícil para os empreendedores que criaram gigantes a partir do zero. Ele admitiu que a Sapore precisava de uma guinada na estratégia e de uma reestruturação total em sua gestão. É um movimento que algumas companhias adiam por anos e décadas.

O exemplo mais emblemático dessa letargia é o da americana Kodak, ícone da fotografia que entrou em concordata em janeiro. A empresa foi a primeira a desenvolver uma câmera digital, em 1976, mas demorou 25 anos para levar o negócio a sério.


“Os sinais de incêndio todos conhecem: perda de clientes, queda nas margens e na participação de mercado. Mas os executivos tendem a culpar uma sucessão de azares em vez de atacar os problemas internos”, diz Alfredo Pinto, da consultoria Bain&Company.

O plano de resgate da Sapore começou como mandam os manuais: com uma mudança drástica no comando da empresa. “Nesses casos, não há uma saída sem dor nem uma solução mágica. É preciso cortar na carne e descontentar muita gente”, diz Luiz ­Galeazzi, da consultoria Galeazzi, especializada em reestruturação de empresas.

Presidente, fundador e dono, Mendez concentrava as principais decisões e não formou um grupo de diretores capaz de ajudá-lo em momentos de apuro — dizendo, por exemplo, que algumas de suas decisões não passavam de erros crassos. Para mudar isso, nos últimos dois anos ele trocou cinco dos sete principais executivos.

Em 2010, criou um comitê que se reú­ne a cada 15 dias e tem liberdade para tomar as decisões do dia a dia. À frente desse grupo estão Diogo Lombas, diretor escolhido para substituir Mendez na presidência em 2013, e Paulo Pires, ex-presidente da concorrente GRSA, contratado em 2011.

Esse grupo analisou detalhadamente os mais de 800 contratos da Sapore fechados nos últimos anos e descobriu que 20% deles davam prejuízo — uma análise que a empresa, preocupada em crescer e ganhar mercado, nunca havia feito. Todos os acordos foram renegociados e metade deles foi cancelada.

O comitê também mudou a estratégia de compras. Com operação em 18 estados, a Sapore fazia as compras regionalmente com mais de 3 000 fornecedores, e não conseguia descontos. Cerca de 35% desses contratos foram cancelados, e hoje ­os principais produtos são comprados pela matriz. 

Para evitar que futuras crises levem-na de volta ao purgatório, a Sapore cortou a dependência de seus tradicionais clientes. Hoje, atende companhias de saúde, comunicação e educação. Em janeiro, deu mais um passo na diversificação ao comprar a Elofort, empresa que oferece serviços de manutenção, limpeza e jardinagem.

Eles serão oferecidos aos atuais clientes da Sapore, mas também servirão para atrair novas contas. Mendez também negocia a entrada no mercado de fast food, com a associação a uma rede internacional que ainda não atua no Brasil.

“Queremos reduzir os riscos. Hoje, não faço qualquer preço, não fecho qualquer negócio, não cresço de qualquer jeito”, diz ele. Voltar a pedir esmolas, definitivamente, não está nos planos.

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