Revista Exame

O nióbio da CBMM vai da bijuteria às turbinas

Jair Bolsonaro fez o nióbio ter fama nacional. A CBMM, dona de 80% do mercado global, investe para levar o mineral a novos nichos

Fábrica da CBMM em Araxá (MG): empresa com 67 anos de história inova para continuar líder de mercado e garantir perpetuidade (Germano Lüders/Exame)

Fábrica da CBMM em Araxá (MG): empresa com 67 anos de história inova para continuar líder de mercado e garantir perpetuidade (Germano Lüders/Exame)

LA

Lucas Amorim

Publicado em 1 de agosto de 2019 às 05h46.

Última atualização em 1 de agosto de 2019 às 17h24.

Com 2 quilômetros de raio e pelo menos 800 metros de profundidade, a mina explorada pela CBMM, em Araxá, a 370 quilômetros de Belo Horizonte, parece uma montanha de terra com um tom amarelo-amarronzado. A movimentação de escavadeiras e caminhões tampouco ajuda a revelar o tesouro escondido ali. Não é preciso dinamites nem equipamentos especiais para extrair o pirocloro, mineral que esconde em seu interior 2,5% de nióbio.

O nióbio é o elemento químico que ocupa o número 41 da tabela periódica, em cima do tântalo e ao lado do molibdênio. Assim como estes, o nióbio oferece características especiais ao aço e a outras ligas metálicas. Bastam 100 gramas para fazer com que 1 tonelada de aço fique mais resistente, maleável ou condutora. Custa uma fortuna: cada quilo de nióbio vale de 30 a 40 dólares, 400 vezes a cotação do minério de ferro, principal mineral explorado no Brasil.

A CBMM, controlada pela família Moreira Salles, sócia do banco Itaú Unibanco, é pioneira na exploração de nióbio e hoje controla 80% do mercado global, avaliado em 3 bilhões de dólares por ano. Sua mina tem reservas estimadas em 800 milhões de toneladas. Com 60 anos de história, a CBMM é tão discreta que suscitou uma série de teorias conspiratórias sobre seu principal produto. As teorias estão mais populares do que nunca — e o nióbio também.

O nióbio foi descoberto em 1801 pelo químico inglês Charles Hatchett, mas durante mais de um século foi encontrado apenas em pequenas quantidades. Até que, na década de 50, auge da Guerra Fria, o governo americano começou uma caça por urânio, usado em reatores nucleares. Técnicos desembarcaram na região de Araxá, conhecida pelas águas medicinais, na companhia do geólogo brasileiro Djalma Guimarães.

Não encontraram urânio, mas nióbio, um produto ainda pouco explorado comercialmente. Alguns elementos com características semelhantes ao nióbio, como o titânio e o vanádio, já eram usados em ligas de aço para automóveis. O empresário Walther Moreira Salles, ex-embaixador do Brasil em Washington, decidiu apostar na novidade, em sociedade com a mineradora americana Molycorp (que não é mais sócia do empreendimento).

Em 1955 foi fundada a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração para pesquisar o potencial do nióbio de Araxá. Passar do nióbio diluído no pirocloro para um produto comercialmente viável exige uma série de etapas industriais que envolvem água, fogo e fricção. Ao fim do processo, que pode durar de 30 a 70 horas, a CBMM chega a oito produtos.

O mais comum, responsável por 95% da receita, é o ferronióbio, com concentração de até 65%, vendido em pó ou em pedras. O mais exclusivo são os lingotes de nióbio metálico com 99,98% de pureza, que chegam a custar 500.000 reais a tonelada. São usados em equipamentos de tomografia ou em aceleradores de partículas por serem grandes condutores de energia. “Somos uma empresa que se construiu e segue se desenvolvendo graças a uma tecnologia inovadora, mostrando aos clientes o potencial do nióbio”, diz o presidente da empresa, Eduardo Ribeiro.

Instalada nas montanhas a 10 quilômetros do centro de Araxá, a CBMM é uma empresa camarada com os funcionários e clientes. A rua de entrada de seu complexo industrial — formado, além da mina, por 14 fábricas — é decorada com as bandeiras dos países de onde vêm seus sócios e clientes. São 61. A primeira da fila é da China, origem da Citic, conglomerado dono de 15% da companhia, e também país responsável por 34% das compras.

Depois vêm Japão e Coreia do Sul, grandes compradores e também sedes de um grupo dono de outros 15%. A última bandeira é da Noruega, que realizou sua primeira compra recentemente. Para fazer os maiores compradores se sentir em casa, a CBMM cultivou um jardim japonês e um chinês com plantas típicas de cada país. A companhia também convida os visitantes a plantar em sua sede uma árvore típica da região, como o ipê-amarelo. Tudo para estreitar os laços. “Construímos relações para durar 200 anos”, diz o diretor industrial Rogério Contato.

O complexo industrial tem animais do Cerrado, como tamanduás e lobos-guarás, e cultivo de espécies nativas. A empresa ainda reaproveita 97% da água usada no processo industrial e forra suas barragens com polietileno reforçado para evitar contato dos rejeitos com o meio ambiente. Em anos bons — e quase todos o são (em 2018, o lucro foi de 2,8 bilhões de reais) —, os 2.000 funcionários recebem até seis salários de bônus. A CBMM financia 80% dos estudos de empregados e dependentes e mantém uma pré-escola no centro de Araxá. Os impostos pagos respondem por 70% da receita do município de 105.000 habitantes. 

Sem risco à frente?

Parece um mundo de fantasia, e é esse o grande risco da CBMM. Sobram casos de companhias dominantes em seus mercados que acabaram se acomodando. Entre os exemplos mais famosos estão a fabricante de máquinas fotográficas Kodak e a de copiadoras Xerox, atropeladas por novas tecnologias. No caso da CBMM, a ameaça vem em duas frentes. Primeiro, há cada vez mais descobertas de minas de nióbio mundo afora. Atualmente, há 85 identificadas, além de outras 200 áreas com potencial. Apenas três estão em operação. A maior delas é a da CBMM.

Depois vêm a operação da chinesa CMOC, em Catalão, Goiás, e a da canadense Iam-gold, que, juntas, têm cerca de 20% do mercado global. Mas há novas áreas com potencial, a começar por uma mina descoberta na Sibéria com teor de até 7% de nióbio — para a sorte da CBMM, o mineral está sob grossas camadas de gelo.

Há também uma competição crescente com mineradoras especializadas em componentes semelhantes ao nióbio. Elas investem para aproveitar uma corrida por componentes especiais que aumentem a eficiência de carros, aviões, foguetes, edifícios, pontes. “Ligas metálicas cada vez mais leves e eficientes são uma necessidade sem volta. Mas a solução pode vir do nióbio ou de outros materiais”, diz Luis Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral.

O processo: o complexo da CBMM tem 14 usinas, que levam até 70 horas para produzir o nióbio | Germano Lüders

Há também uma ameaça que pode vir de dentro. A Companhia de Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais (Codemig) tem desde 1972 um contrato que lhe dá 40% das reservas e 25% do lucro da CBMM. O contrato foi renovado em 2002 por 30 anos. Mas, agora, a Codemig alega que sua parte da mina tem um percentual maior de nióbio e por isso quer uma fatia maior dos ganhos.

A divisão fica a cargo da Comipa, empresa com controle dividido entre CBMM e Codemig. Uma empresa terceirizada deve ser contratada para analisar as reservas. Em nota, a Codemig afirma que pretende manter a parceria com a CBMM e “preservar essa importante fonte de receita para o estado”.

Para manter o domínio de mercado, a CBMM está concluindo um projeto de expansão de 2 bilhões de reais para elevar a capacidade de produção de 100.000 para 150.000 toneladas por ano. Cerca de 1.000 trabalhadores estão construindo novos prédios e ampliando estruturas existentes num esforço que deve durar até o fim de 2021.

Se tudo der certo, a previsão é começar outro ciclo de expansão, dessa vez para 230.000 toneladas, já em 2023. O crescimento deve ser puxado pelos negócios mais tradicionais da CBMM. O nióbio da companhia está presente em 100% dos tubos de óleo e gás do mundo, mas em apenas 25% dos carros, em 7% do aço inox e em 5% dos aços estruturais.

Aumentar a participação do nióbio na construção civil é a grande oportunidade à frente. A companhia tem utilizado o próprio complexo industrial como campo de provas. Para erguer uma das novas fábricas, encomendou dois projetos, um com aço comum e outro com adição de nióbio. O projeto com nióbio consome até 17% menos aço, segundo a CBMM. “A empresa vai precisar continuar encontrando novos usos a preços competitivos”, diz José Renato Lima,  professor na Universidade de São Paulo especialista em mineração.

A mina em Araxá: 800 milhões de toneladas de nióbio em reservas a 800 metros de profundidade | Germano Lüders

A CBMM investe cerca de 150 milhões de reais por ano em tecnologia com o objetivo de encontrar novos usos para o nióbio. Um dos projetos mais promissores está sendo desenvolvido em parceria com o conglomerado japonês Toshiba para pesquisar baterias de carros elétricos que usam uma liga de nióbio com titânio.

Uma fábrica piloto de 7 milhões de dólares está sendo construída no Japão para incrementar a pesquisa nos próximos quatro anos. Os testes iniciais mostraram que uma bateria pode ser carregada em apenas 6 minutos. “Se der certo, seria o começo de uma nova CBMM”, diz Ricardo Lima, vice-presidente de operações e tecnologia da companhia. A mineradora também tem uma pesquisa de próteses junto com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo e outra de turbinas de avião, desenvolvida numa usina piloto na fábrica de Araxá.

O marketing deve ser fundamental nas novas frentes de crescimento. Enquanto os produtores de vanádio e titânio divulgaram há décadas ter equipado carros da Ford ou ônibus espaciais para melhorar sua eficiência, quase ninguém sabe que o nióbio está na lente do telescópio Huble ou na lâmina dos barbeadores Mach 3. A área de marketing foi criada há apenas oito meses e deve focar indústrias limpas e renováveis.

A maior divulgação deve ter também um efeito secundário — mas importante — para a CBMM. Deve ajudar a derrubar as constantes teorias conspiratórias em torno da empresa. O nióbio faz, há duas décadas, parte do imaginário popular brasileiro. Tudo começou com o eterno candidato a presidente Enéas Carneiro, morto em 2007. Segundo ele, o nióbio era o metal usado para “construir aviões supersônicos” e tinha tanto valor que permitiria ao Brasil ter “uma moeda própria”, mas era “vendido a preço irrisório”.

De acordo com os executivos da CBMM, Enéas ignorava a baixa concentração do nióbio extraído de Araxá para chegar a contas potencialmente trilionárias. “Falava-se até que o Canadá, com menos de 10% da produção global, financiava a educação apenas com nióbio”, diz Eduardo Ribeiro.

Recentemente, o metal virou queridinho de Jair Bolsonaro, que visitou a fábrica da CBMM há dois anos. Bolsonaro cita o nióbio constantemente para ressaltar o potencial mineral do Brasil, inclusive em regiões como a Amazônia. Em viagem ao Japão, em junho, gravou um vídeo mostrando uma correntinha de nióbio. Para muitos executivos da CBMM, acostumados a ver o nióbio nos mais diversos produtos, bijuteria é uma novidade. Mal não faz, claro, mas está longe de representar o futuro que a companhia tenta construir. 

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