Revista Exame

A crise volta ao Vale do Silício

O dinheiro farto dos fundos de capital de risco está no fim para as empresas de internet que não apresentarem modelos de negócios sustentáveis - a bolha da web está estourando de novo?

Evan Williams, criador do Blogger e do Twitter: fase dos graúdos investimentos começa a ser questionada

Evan Williams, criador do Blogger e do Twitter: fase dos graúdos investimentos começa a ser questionada

DR

Da Redação

Publicado em 23 de março de 2013 às 10h02.

Na última semana de outubro, o fundo americano de capital de risco Sequoia Capital reuniu seus sócios para falar sobre como devem ser os investimentos em tempos de crise. Esse tipo de reunião não é trivial, afinal de contas em seus 36 anos de história o fundo apostou em empresas como Apple, Cisco e Google em seus estágios iniciais.

Entre os temas da conversa estavam a instabilidade da economia, a duração da crise financeira e, principalmente, a estratégia a tomar em relação às start-ups, sedentas por recursos. Uma apresentação feita na reunião apareceu na internet dias depois e trouxe indícios de que a conversa não foi nada amena: logo na abertura havia a imagem de uma lápide, com a seguinte inscrição: "Bons tempos, descansem em paz".

Tradução: a torneira dos recursos para os empreendedores de internet está fechando rapidamente. As mais de 5 000 empresas de internet que surgiram nos últimos anos aproveitando a onda da participação dos usuários e das comunidades online - o fenômeno conhecido como web 2.0 - estão prestes a passar por uma chacoalhada parecida com a que foi vista no começo da década.

O modelo de negócios das iniciantes da web 2.0 sempre guardou várias semelhanças com as companhias que deixaram a triste lembrança da primeira bolha. A idéia essencial vendida aos investidores era mostrar grandes números de audiência para conseguir capital, prometendo receitas em algum ponto do futuro.

O exemplo máximo, claro, é o site de compartilhamento de vídeos YouTube. Criado há pouco mais de três anos e meio, o site tem números de audiência invejáveis. No último mês de julho, exibiu 5 bilhões de vídeos e contabilizou 91 milhões de visitantes.

Apesar desses números formidáveis, até hoje o YouTube ainda não contribui quase nada para o faturamento do Google - e está longe de recuperar o 1,65 bilhão de dólares que o gigante da internet desembolsou pela aquisição. "A valorização de muitas das start-ups da web foi estabelecida com base apenas no volume de usuários", diz Rob Bamforth, analista da consultoria britânica Quocirca. "Mas, com a crise, essa lógica está mudando."

Está mudando muito rápido. Um levantamento do site TechCrunch, que acompanha a movimentação das novas companhias do Vale do Silício, indica que mais de 63 000 pessoas já perderam seus empregos no setor de tecnologia entre a última semana de agosto e a primeira quinzena de novembro.


E os cortes não ocorrem apenas em negócios de garagem: a venerável Sun Microsystems, um dos ícones do mundo tecnológico, anunciou a demissão de pelo menos 5 000 funcionários. Além de exigir que os empreendimentos já financiados façam mais com menos, os donos do capital de risco já deixaram claro que os critérios para financiar novas idéias serão muito mais rígidos. "Investir antes e testar o modelo de negócios depois era até aceitável seis meses atrás", diz Fábio de Paula, diretor de investimentos da Intel Capital no Brasil. "Agora, isso não faz mais sentido." 

De volta ao ano 2000? 

As novas exigências dos investidores não significam que boa parte das start-ups vai morrer em curto prazo. O momento atual tem semelhanças, mas também diferenças importantes em relação à bolha 1.0, e a principal delas é o perfil das companhias.

Nos anos 90, os exageros no marketing e nas contratações de pessoal eram a regra. Ron Conway, investidor veterano do mundo da tecnologia, afirmou num evento recente que no início da década 70% das empresas de sua carteira de investimentos foram à lona em um ano. Hoje, ele calcula que menos de 20% corram esse risco. "As empresas estão bem menos infladas do que naquela época", diz o analista Oliver Young, da consultoria Forrester.

Empresas como Buzznet, Six Apart, 60 Frames e Revision3 e dezenas de outras iniciantes da web terão uma vida mais difícil daqui em diante e é provável que elas sucumbam antes de se tornarem nomes conhecidos do internauta médio. Mas, para outras, como Facebook e Twitter, a realidade promete ser bastante diferente - mesmo na ausência de um claro modelo de negócios.

A rede social Facebook é desde meados deste ano a maior comunidade online do mundo. Passou a rival MySpace e já conta com 120 milhões de usuários.

Embora ainda ninguém saiba exatamente como o Facebook pretende justificar a valorização de 15 bilhões de dólares, poucos duvidam que a enorme massa de usuários - e, mais importante, as informações pessoais que eles colocam no site - vai se transformar em receitas cedo ou tarde. Essa é a aposta dos fundos de capital de risco e da Microsoft, que, juntos, já colocaram mais de 340 milhões de dólares na empresa.


O Twitter é um caso ainda mais paradoxal. O site de microblogs, no qual os cadastrados trocam mensagens curtas, de 140 caracteres no máximo, não exibe publicidade nem cobra nada de seus usuários. Mesmo assim, inaugurou uma nova forma de comunicação eletrônica e tornou-se um dos maiores fenômenos da web dos últimos tempos, atingindo 6 milhões de usuários em outubro, crescimento de 600% em relação ao ano anterior. 

A disparada das demissões 

Os dados mais recentes da atividade dos investidores de risco, divulgados em meados de outubro, apontavam uma retração de 36% em relação ao terceiro trimestre de 2007, e a perspectiva da associação que reúne os fundos de risco americanos é que a desaceleração continue no próximo ano.

Para os analistas, isso vai indicar um período em que dificilmente surgirão novos YouTubes ou Facebooks. "Deve haver uma redução no nível de inovação das empresas de internet nos próximos tempos", diz Young, da Forrester. "As ambições dessas empresas em criar algo revolucionário na internet ficarão mais tímidas."

Mas isso não significa que a criatividade dos empreendedores será afetada. Ela vai apenas mudar de alvo. O mesmo relatório que apontou queda nos investimentos de internet indica um crescimento importante nos investimentos em novas energias. O Vale do Silício continuará fértil em idéias - agora da cor verde.

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