Revista Exame

Crise? É hora de investir na formação de executivos

Um levantamento exclusivo aponta as empresas brasileiras que mais formam os próprios executivos e mostra como elas agem em meio à crise econômica


	Fábrica da Gerdau: a crise fez a empresa passar a calcular o objetivo de cada investimento de RH
 (Germano Luders/Exame)

Fábrica da Gerdau: a crise fez a empresa passar a calcular o objetivo de cada investimento de RH (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 31 de março de 2016 às 09h51.

São Paulo — Desde o dia 11 de janeiro, um grupo de 27 jovens recém-formados passou a frequentar o escritório da Ambev, em São Paulo. A turma do programa de trainees da companhia neste ano é 50% maior em relação à edição anterior.

Não é o único exemplo de investimento na formação de pessoas que cresceu na fabricante de bebidas — o orçamento da universidade corporativa, pela qual todos os executivos passam em algum momento da carreira, quase dobrou nos últimos cinco anos e chegou a 46 milhões de reais em 2016.

• A divisão de consumo da americana ­Johnson & Johnson aumentou mais de 100% os investimentos em desenvolvimento de pessoal em 2015. Foram mais de 13 000 horas de treinamento para 720 funcionários. Desse total, 3 000 horas foram dedicadas à formação e ao desenvolvimento de futuros gerentes.

A empresa designou um funcionário de recursos humanos para monitorar o uso do dinheiro previsto para o treinamento nas áreas e certificar-se de que os valores não fossem usados para outros fins. O volume de investimento será mantido em 2016.

• Na operação brasileira da química americana dow, 62 jovens com potencial de assumir cargos de chefia participam de um programa inédito de formação de liderança. Por nove meses, até maio, eles terão treinamentos em sala de aula, encontros com o alto escalão e também vão liderar projetos individuais.

• A fabricante de bens de consumo unilever não tem um número predefinido de vagas para trainees. A empresa os contrata quando julga que eles têm um perfil adequado ao negócio. Em 2014, 19 passaram no filtro. No ano passado, o grupo de aprovados cresceu para 33. Todos serão contratados e começarão a circular pela sede da Unilever, em São Paulo, no dia 1o de março.

Em 2015, 13 brasileiros foram enviados à sua universidade corporativa, a Four Acres, em Londres, fundada na década de 50, e à filial asiática, em Singapura. 

Essas histórias são exceções num con­texto em que não faltam más notícias. Enquanto boa parte do mercado en­xuga orçamentos de treinamento e formação de liderança, planeja demissões em massa e a troca de profissionais caros por outros mais baratos no alto escalão, essas companhias aceleram os investimentos em pessoas.

Todas elas fa­zem parte do grupo das empresas apontadas como as melhores formadoras de líderes no Brasil num levantamen­to exclusivo realizado pela Fundação Instituto de Administração de São Paulo, a pedido de EXAME (veja quadro ao lado).

A pesquisa — única no país e na segunda edição — analisa a consistência dos mecanismos de formação de executivos e os índices de promoção das 87 empresas inscritas. As outras companhias que figuram entre as melhores são a consultoria Accenture, a siderúrgica Aperam, o conglomerado industrial GE, a empresa de energia EDP e a siderúrgica Gerdau.

Neste ano, a pesquisa destaca também a companhia que, entre todas as participantes, mais forma mulheres para postos de vice-presidência e diretoria: a farmacêutica Novartis. O levantamento mostra que as empresas listadas entre as melhores dedicam-se bem mais do que a média a processos de desenvolvimento de pessoas.

Todas, sem exceção, patrocinam programas de coaching e mentoring para seus executivos — a média entre as demais participantes é de 73%. Todas as melhores patrocinam MBAs no Brasil, enquanto 66% das outras fazem o mesmo. Mais uma unanimidade entre as melhores são os programas de sucessão — e apenas 60% das demais têm um esforço nessa linha.

Algumas dessas frentes, como MBAs e coaching externo, exigem investimento em dinheiro. A maioria, porém, depende basicamente de processos bem estruturados. É algo que pode parecer simples, mas não se consolidou nessas empresas da noite para o dia.

“As empresas mais capazes de formar gente dentro de casa têm arraigados mecanismos de formação de profissionais, os quais continuam a existir com ou sem crise”, afirma Joel Dutra, especialista em recursos humanos da FIA e um dos responsáveis pela pesquisa.

O que se vê na maioria das companhias brasileiras é algo ainda pior do que o registrado na média das empresas participantes do levantamento feito pela FIA.

Uma pesquisa realizada neste ano com 275 grandes empresas pela consultoria Hay Group, obtida com exclusividade por EXAME, mostra que 74% delas reconhecem um problema — elas não têm profissionais capazes de assumir posições de liderança nos próximos três anos. Ainda assim, a maioria — 63% — não tem processos de mapeamento dos melhores profissionais e aceleração de carreira.

O mesmo percentual afirma ter feito cortes em seu orçamento de recursos humanos em 2015 — e 27% delas pretendem reduzir ainda mais neste ano (veja quadro na pág. 76). “São empresas acostumadas a investir em pílulas de liderança”, diz Marisabel Ribeiro, gerente da consultoria Korn Ferry Hay Group.

Em tempos de euforia, segundo ela, essas companhias costumam realizar palestras com celebridades, patrocinar cursos pontuais e promover encontros motivacionais. “Quando a crise chega, a espuma some e não sobra nada no lugar”, afirma a consultora.

“O problema é que quem não tem processos estabelecidos dificilmente terá fôlego para instalá-los de maneira eficiente no meio da turbulência”, diz Marcelo Ferrari, diretor da consultoria de recursos humanos Mercer. Outra vantagem das empresas que sabem desenvolver talentos, segundo Ferrari, é que elas conseguem centrar esforços nos melhores — algo ainda mais crucial em momentos de escassez.

Ter líderes capazes de fazer com que a equipe não paralise diante das dificuldades que se impõem é fundamental para manter a produtividade em tempos de crise. A mesma pesquisa realizada pela consultoria Hay Group mostra que mais da metade dos funcionários das empresas brasileiras está mais preocupada com a própria sobrevivência do que em entregar resultados melhores.

Segundo o americano David Ulrich, professor na escola de negócios Ross, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e um dos mais renomados especialistas em liderança do mundo, investir em gente é uma das decisões de negócios mais acertadas num momento de turbulência. Ele ilustra o argumento com uma anedota.

Dois caçadores fogem de um urso, metáfora comumente usada para o mercado em queda nos Estados Unidos. Um fala para o outro: “Por que você está correndo tanto? Nunca seremos mais rápidos do que o urso”. O outro responde: “Não preciso correr mais do que o urso. Só preciso correr mais do que você”.

“É sobretudo durante uma crise que os líderes têm de tomar as decisões difíceis que permitirão à companhia sair melhor do que seus concorrentes”, disse Ulrich a EXAME. Em 2012, o acadêmico realizou um levantamento que demonstra o impacto da liderança nos resultados financeiros.

Ele entrevistou 430 investidores de diferentes segmentos nos Estados Unidos com mais de 15 anos de experiência na função e concluiu que 25% da decisão de investimento deles se baseia na qualidade da liderança das empresas escolhidas — o restante está associado aos resultados e a aspectos de cunho mais subjetivo, como estratégia e valor da marca.

“Está cada vez mais claro para esse público que as pessoas também estão diretamente relacionadas à qualidade da estratégia e outros atributos intangíveis que afetam o desempenho”, afirma Ulrich. Outro levantamento, realizado pelo instituto americano Gallup, mostra uma correlação direta entre o engajamento das pessoas e a produtividade.

O Gallup analisou os resultados de 49 empresas americanas de capital aberto de 2008 a 2012. As que apresentavam um índice maior de funcionários engajados registraram um lucro líquido por ação 147% acima da média da amostra. Para as que registraram os piores índices de engajamento, esse indicador se manteve 2% abaixo da média.

O primeiro grupo também foi o que apresentou uma recuperação mais vigorosa pós-crise. É a mesma lógica que seguem algumas das melhores formadoras de líderes do país. “Precisamos de gente boa para continuar a crescer”, afirma Bernardo Paiva, presidente da Ambev.

As melhores empresas não apenas sabem que a correlação entre liderança e produtividade existe como também buscam aperfeiçoar continuamente o equilíbrio entre as duas coisas. É o caso de GE e Accenture, que recentemente substituíram seus tradicionais processos de avaliação de desempenho anual em busca de eficiência.

O novo formato exige menos papel, menos tempo com questionários intermináveis e mais conversas constantes. Muitas delas também têm universidades corporativas em que os próprios executivos são professores — algo que faz sentido sob vários ângulos, inclusive o financeiro.

Mesmo a siderúrgica Gerdau, que atua num dos setores mais afetados pela crise, aumentou 5% os investimentos no desenvolvimento de líderes no Brasil no ano passado — depois de ter realizado um corte drástico em anos anteriores. Agora a Gerdau calcula melhor cada passo que dá nessa seara. O patrocínio de MBAs no exterior, por exemplo, foi congelado.

Nem todos os esforços considerados estratégicos exigem investimentos novos. Neste ano, a empresa incentivou 40 diretores e vice-presidentes a atuar como mentores de executivos menos graduados. “Não é um projeto dispendioso, mas é vital para disseminar a cultura e manter o grupo coeso”, diz Francisco Fortes, vice-presidente de pessoas, inovação e gestão da Gerdau. 

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