Revista Exame

Crimes do MST seguem impunes ano após ano

Com governo leniente e empresas temerosas, as barbaridades do MST ficam impunes. Sabotagem, dano à propriedade, cárcere privado — afinal, é um grupo terrorista?


	O MST vai à luta: na mira, as empresas
 (Marcelo Camargo/ABr)

O MST vai à luta: na mira, as empresas (Marcelo Camargo/ABr)

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Da Redação

Publicado em 15 de abril de 2015 às 05h56.

São Paulo — Eram 5 horas da manhã de 10 de março quando 130 mulheres ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) invadiram as instalações da fabricante de defensivos agrícolas Adama, em Taquari, cidade de 26 000 habitantes no interior do Rio Grande do Sul.

As manifestantes pularam os portões, ameaçaram os vigias e entraram nos escritórios. Lá, quebraram vidros e picharam nas paredes frases contra o “grande agronegócio”. Ao sair, perto do meio-dia, deixaram para trás um prejuízo de 220 000 reais. Numa situação dessas, era de se esperar alguma reação.

A Adama, porém, não fez sequer um boletim de ocorrência. “Não quero ter o MST como inimigo declarado”, diz Rodrigo Gutierrez, presidente da empresa. Como se sabe, o ataque à Adama não foi um ato isolado. Simultaneamente, em pontos diversos do país, também sofreram agressões unidades da Vale, da Duratex, da Cargill e da Bunge.

Pouco antes, em 5 de março, havia se dado o ataque mais violento: um centro de pesquisa da fabricante de papel Suzano no interior paulista foi devastado por centenas de mulheres arregimentadas pelo MST. Elas destruíram mudas de eucalipto transgênico, cultivadas após 15 anos de estudo.

A Suzano chamou a polícia e fez um boletim de ocorrência. Mas, segundo EXAME apurou, não deverá participar do processo que pode ser aberto pelo Ministério Público. Procurada, a Suzano não quis comentar.

Um levantamento feito por advogados e promotores para EXAME identifica pelo menos nove crimes recorrentes nas invasões. Entre eles: ameaça pessoal, sequestro, violação do lar, invasão de propriedade, interrupção de serviço de utilidade pública. Pelas leis de outros países, alguns desse crimes seriam considerados atos terroristas.

“Muitos atos do MST implicam ameaça e ferimento a pessoas, depredação de bens e interrupção do tráfego nas estradas”, diz Maristela Basso, professora de direito internacional na Universidade de São Paulo. “Tudo isso é considerado terrorismo pelas convenções internacionais assinadas pelo Brasil.”

Em 2008, um grupo do MST no Pará interrompeu a circulação de trens na Estrada de Ferro Carajás, pela qual a Vale escoa minério de ferro. Pedaços de madeira foram colocados na ferrovia. Além disso, os militantes tiraram grampos dos trilhos e dormentes. É um tipo de dano que poderia causar acidente fatal — as composições da Vale incluem vagões de passageiros. Felizmente, não houve acidente.

Mas uma irresponsabilidade similar teve consequência grave, em 11 de março, quando o MST bloqueou o tráfego num trecho da ­BR-101 em Sergipe sem avisar a Polícia Rodoviária Federal. Um caminhão cheio de adubo não conseguiu frear, chocou-se com carros parados no bloqueio e provocou explosão. Houve três mortes. A falta de sinalização para reduzir a velocidade foi apontada como uma possível razão da colisão.

A possibilidade de enquadramento rigoroso de atos desse tipo, cometidos por movimentos sociais, é um dos entraves à aprovação no Congresso de uma lei antiterrorismo que tramita há dois anos. O assunto voltou à tona após notícias de que o Estado Islâmico estaria aliciando jovens brasileiros.

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, disse que a matéria poderia ser votada com celeridade pelo Congresso. Os senadores, no entanto, decidiram pela criação de uma sessão temática para debater o assunto — não instalada até o fechamento desta edição, em 2 de abril.

A resistência a que uma nova lei vingue é grande. “Falta clareza às definições sobre o que é terrorismo”, diz o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-SP), relator da proposta. Ele propõe a rejeição do projeto.

Poucos dias após as recentes invasões, a presidente Dilma Rousseff prestigiou uma festa do MST perto de Porto Alegre. “Eu respeito a luta do Stédile e as propostas dele”, disse Dilma na ocasião, referindo-se a João Pedro Stédile, o principal líder da organização. O apoio ao MST reiterado pelo governo, logo após as violências cometidas contra empresas, é um péssimo sinal.

“É frustrante ver a presidente no evento do MST logo depois da ocupação de nossa fábrica”, diz Gutierrez, da Adama. A combinação entre o comportamento leniente do governo e o medo de reagir por parte das empresas resulta em impunidade. Até hoje, a maioria dos processos contra integrantes do MST foi arquivada ou terminou sem que ninguém fosse condenado.

Para começar, o MST não tem registro legal — ou seja, formalmente não existe. Seus militantes acusados de atos ilícitos foram absolvidos em 95% das 650 ações movidas desde os anos 90. “Isso acontece porque os acusadores não identificam com clareza os autores dos crimes”, diz Juve­lino Strozake, um dos advogados do MST. Há poucos casos em que os processos avançam, mas nem isso significa punição efetiva.

Veja o exemplo da invasão em 2006 a uma fazenda da fabricante de celulose Aracruz (hoje parte da Fibria) na cidade gaúcha de Barra do Ribeiro. Os manifestantes destruíram 50 000 mudas de árvores nativas, 1 milhão de mudas de eucalipto e causaram prejuízo de 880 000 reais.

O Ministério Público acusou 37 pessoas de delitos como dano, furto e cárcere privado, além de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Passados nove anos, ninguém foi punido — o processo ainda está em curso.

Além de não ter seus atos criminosos punidos, o MST abusa de outra área cinzenta nas leis brasileiras: o direito de propriedade. Em quase todo o mundo, esse direito não é absoluto — mesmo nos Estados Unidos um terreno pode ser desapropriado caso o poder público considere isso importante para fazer algo útil a toda a sociedade, como construir uma estrada.

Nessas situações, porém, é respeitado um processo legal. No Brasil, muitas vezes isso não ocorre. Aqui, movimentos como o MST se põem acima da lei — e invadem primeiro para discutir na Justiça depois. Resultado: uma enorme insegurança jurídica.

“O fato de a Constituição brasileira prever que a terra pode ser tomada por não cumprir uma função social causa uma leniência com a ação ilegal dos grupos sem terra”, diz o economista Lee Alston, professor da Universidade do Colorado e estudioso do direito de propriedade nos Estados Unidos e no Brasil.

No campo, nos últimos anos, houve bons motivos para o ímpeto reivindicatório dos sem-terra arrefecer. Quase 1,3 milhão de famílias foram assentadas desde 1994. A figura do camponês em busca de um pedaço de chão está se tornando coisa do passado.

Mas, diante da popularidade decadente do governo, no fim de fevereiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conclamou João Pedro Stédile a “pôr seu exército” nas ruas. A resposta está aí — com licença para o quebra-quebra.

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