Tássia Magalhães em frente ao restaurante em Pinheiros: nome em homenagem à mãe (Rubens Kato/Divulgação)
Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais
Publicado em 24 de outubro de 2025 às 06h00.
No salão amplo, com paredes de tijolos e móveis de madeira do Nelita, em Pinheiros, na capital paulista, os clientes acompanham de perto o trabalho de uma equipe inteiramente feminina. A cozinha aberta não é por acaso. Desde a inauguração, em 2021, faz parte da experiência que a chef Tássia Magalhães quis oferecer. O restaurante, de alma autoral e sotaque italiano, nasceu para reafirmar o protagonismo das mulheres em todas as etapas. “Não foi um conceito planejado. A ideia surgiu de forma natural, da minha trajetória e da percepção de que poucas mulheres chegavam a posições de liderança nas cozinhas profissionais”, diz.
Aos 36 anos, a chef relembra o início da carreira, quando se formou no Hotel Escola Senac Campos do Jordão e passou a atuar em ambientes majoritariamente masculinos. “Era comum ouvir que as mulheres não aguentavam a pressão nem tinham força física para o trabalho”, conta. “Eu era a única da equipe, e ainda era turnante, cobrindo a folga de todos.” Aos 27, já no comando de uma brigada masculina, ainda escutava frases como “mulher fica na praça fria ou na confeitaria”. Ao conceber o Nelita, decidiu romper com essa lógica. “Queria uma equipe totalmente feminina, em todos os cargos”, diz. A própria arquitetura aberta reforça o conceito. “Desde o começo, a ideia era criar um espaço transparente, como uma cozinha de casa, onde as mulheres estivessem em evidência, sem nada que as escondesse.”
Codorna com chocolate: versão feminista de prato com faisão (Estúdio Mió/Divulgação)
Natural de Guaratinguetá, no interior de São Paulo, Magalhães vem ganhando reconhecimento dentro e fora do país. O mais recente é sua presença, pelo segundo ano consecutivo, entre os melhores chefs do mundo de 2025 da lista The Best Chef Awards. Em 2024, recebeu também o New Talent Award da francesa La Liste. Neste ano, o restaurante completa quatro anos e, para celebrar a data, a chef lançou um menu degustação que propõe uma reflexão sobre os modismos da gastronomia. Batizado de “O Prazer da Mesa Pertence a Todas as Épocas”, o cardápio de dez tempos percorre movimentos e tendências que marcaram diferentes períodos. O ápice está na codorna finalizada com chocolate e texturas de cebola, inspirada no Faisan d’Or (“Faisão Dourado”, em tradução livre), primeiro restaurante de Auguste Escoffier, precursor dos menus degustação. A referência, todavia, vem acompanhada de ironia. “Li um discurso em que ele afirmava que mulher não pertence à cozinha, que se deixa levar pelo coração e não respeita receita”, diz Magalhães. “Troquei o faisão pela codorna dourada como forma de homenagem e contraponto.”
Hoje, são 12 cozinheiras, além de estagiárias, atuando de ponta a ponta. Ao falar sobre o conceito de “cozinha feminina”, Magalhães evita rótulos. “É uma cozinha de muita sensibilidade, mas também muito potente”, resume. Sua inspiração vem das mulheres da própria família. O nome do restaurante é uma homenagem à mãe, Vânia Helena — Nelita é um apelido italiano para Helena. A base técnica, por sua vez, foi moldada por experiências em confeitarias e restaurantes de prestígio, inclusive na Europa, como o dinamarquês Geranium (três Estrelas Michelin). “Cozinho há muitos anos, e ainda sinto frio na barriga. Quando isso acabar, algo vai estar errado.”
Nelita: Rua Ferreira de Araújo, 330, Pinheiros, São Paulo. De segunda a sexta, das 19h às 23h; aos sábados, das 12h às 16h e das 19h às 23h. A partir de 590 reais.
Uma seleção de restaurantes que oferecem a experiência completa Brasil afora
→ Origem (Salvador, BA): dos chefs Fabrício Lemos e Lisiane Arouca, pioneiro em menu degustação na capital baiana, com pratos que valorizam ingredientes e tradições da culinária local. A partir de 380 reais
→ Lasai (Rio de Janeiro, RJ): sob comando do chef Rafa Costa e Silva, atende apenas dez pessoas por noite no balcão, com menu degustação preparado com ingredientes frescos do dia, de hortas próprias e de pequenos produtores. Duas Estrelas Michelin. A partir de 1.250 reais
→ Manu (Curitiba, PR): inaugurado em 2011, o restaurante da chef Manu Buffara prioriza ingredientes vegetais e produtores locais — 80% dos fornecedores estão em um raio de até 300 quilômetros. A partir de 720 reais
→ Tuju (São Paulo, SP): do chef Ivan Ralston, apresenta um cardápio que muda quatro vezes ao ano, conforme as estações das chuvas. Com duas Estrelas Michelin, o restaurante também promove cursos ao longo do ano. A partir de 1.250 reais
→ Maní (São Paulo, SP): comandado por Helena Rizzo e pelo belga Willem Vandeven, o restaurante é conhecido por valorizar ingredientes locais, sempre que possível, orgânicos. A partir de 680 reais