Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza: "Cotas são um mecanismo transitório para quebrar barreiras" (Paulo Lopes/FuturaPress)
Cristiane Mano
Publicado em 20 de outubro de 2017 às 05h55.
Última atualização em 27 de outubro de 2017 às 19h50.
Se há poucas mulheres em cargos executivos, elas são raríssimas nos conselhos de administração. Hoje, apenas 7,9% dos integrantes na instância mais alta de governança das empresas de capital aberto no país são do sexo feminino, segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). E o dado, é bom lembrar, inclui acionistas — um universo estimado em pelo menos metade desses postos.
Na amostra da pesquisa do Guia EXAME de Mulheres na Liderança, quatro entre as 23 empresas nacionais de grande porte que reportaram possuir conselho têm pelo menos uma mulher nesse nível. Elas ocupam sete assentos. Quatro delas são acionistas, como Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração do varejista Magazine Luiza. As demais são Annete Krigsner, filha do fundador do Grupo Boticário, Miguel Krigsner; e a dupla Janete Ribeiro Vaz e Sandra Soares Costa, fundadoras do Laboratório Sabin. Apenas três são independentes. Duas delas — as consultoras Betania Tanure e Inês Corrêa de Souza — estão no conselho do Magazine Luiza, empresa com maior presença feminina nesse nível entre todas as participantes. “Não se pensa em mulheres para certos cargos nas empresas. E o conselho é um deles”, diz Luiza.
Há um aspecto prático que colabora para a escassez de mulheres no grupo que toma as principais decisões estratégicas de uma companhia: a falta delas por toda a hierarquia. Hoje, segundo um levantamento realizado pelo IBGC, os cerca de 2 200 conselheiros de 339 empresas de capital aberto no Brasil passaram antes por quatro posições: presidência, vice-presidência, diretoria ou por um assento em outro conselho de administração. E 70% deles têm mais de 50 anos. “Com menos mulheres em altos postos da hierarquia, há menos mulheres aptas a um cargo no conselho”, diz Betania Tanure, que há 12 anos participa de conselhos e está também nos da construtora MRV.
As cotas surgem como recurso para forçar uma guinada. Seus defensores, como Luiza e a organização que ela ajudou a fundar — Mulheres do Brasil, hoje com 7 500 associadas —, acreditam que é a única maneira de quebrar o que atribuem em grande parte a um aspecto cultural. “As cotas representam uma situação transitória necessária para quebrar barreiras”, afirma Luiza.
O grupo advogou a favor de um projeto de lei para garantir diversidade de gênero no conselho de administração de empresas estatais e de economia mista, aprovado em março. Agora falta passar pela Câmara. A proposta prevê que, até 2018, 10% das vagas sejam dedicadas a mulheres. A exigência aumenta até 2022, quando o percentual requerido sobe para 30%. A ideia é que a obrigatoriedade permaneça até 2030, quando, em tese, a barreira cultural teria sido quebrada.
Alguns países europeus já recorreram às cotas há mais de uma década. Em 2003, a Noruega foi a primeira a exigir que 40% dos assentos de conselhos fossem dedicados a mulheres. De fato, o país é hoje o que mais tem representação feminina nesse nível no mundo. Nos Estados Unidos não há cotas, e a participação das mulheres está estacionada em torno de 19% dos assentos há pelo menos uma década. O IBGC já se manifestou contra as cotas.
Entre as razões está a possibilidade de sobrecarregar as mesmas mulheres, comprometendo seu desempenho. Ou a nomeação de profissionais sem experiência necessária. “Estamos trabalhando para mudar esse cenário com programas de formação de profissionais”, afirma Heloisa Bedicks, superintendente do IBGC, que apoia um programa de mentoria para mulheres ao lado do grupo Women Corporate Directors e do IFC, braço financeiro do Banco Mundial. O programa já treinou 41 interessadas com a participação de profissionais como Fabio Barbosa, ex-presidente do banco Santander.