Revista Exame

Tratores movidos por energia limpa avançam e apostam em aumentar economia

Modelos a biometano, etanol e energia elétrica chegaram aos estandes da Agrishow, em uma disputa para aumentar a economia no campo e reduzir a poluição

Trator elétrico da New Holland: protótipo foi exposto na Agrishow  (Divulgação)

Trator elétrico da New Holland: protótipo foi exposto na Agrishow (Divulgação)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 23 de maio de 2024 às 06h00.

Última atualização em 23 de maio de 2024 às 10h40.

A feira Agrishow exibiu em seus estandes centenas de tratores, colheitadeiras e outras máquinas agrícolas de ponta. Quase todos eram movidos a diesel, mas o cenário começa a mudar: alguns modelos movidos a biometano, etanol e energia elétrica eram mostrados com destaque. Cada nova tecnologia avança em um ritmo diferente.

No ano passado, foram vendidos 68.000 novos tratores e colheitadeiras no país, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (­Abimaq). A troca por motores mais limpos ajudará nos esforços do país para descarbonizar a produção, algo cada vez mais cobrado nos mercados internacionais. O combustível mais usado no setor é o diesel, um dos que mais geram poluentes ao serem queimados.

O diesel mantém seu protagonismo há décadas tanto por já haver uma rede de abastecimento e manutenção consolidada quanto por sua força química: sua queima gera mais potência nos motores do que outros combustíveis, como o etanol. Isso vem mudando, porém. Novas tecnologias estão buscando resolver a questão e equiparando as potências.

“Aproximadamente dez anos atrás, conseguimos obter soluções de gás natural e biometano com performance equivalente ao diesel. E começamos a avançar em direção a outras tecnologias, como hidrogênio e etanol”, explica Carlos Tavares, presidente para a América Latina da fabricante de motores FPT. “O produtor rural sempre vai adotar uma tecnologia que faça sentido do ponto de vista de performance. Se tiver perda de performance ou aumento de custo, ele vai ser resistente a adotar.”

A FPT utilizou uma estratégia modular. De modo geral, troca-se a parte de cima do motor de acordo com o tipo de combustível, e a parte de baixo continua a mesma. Três modelos de motores que mostravam isso na prática foram expostos na entrada do estande da empresa na Agrishow. O motor a etanol tem dois cilindros injetores e um sistema de ignição diferente, o que deverá deixá-lo um pouco mais caro do que o modelo a diesel. No entanto, para o produtor, poderá haver ganho ao usar um combustível mais barato e que gere menos poluentes. A FPT está neste momento fazendo testes com o protótipo a etanol, em parceria com a montadora Case.

“Vamos usar tecnologias avançadas, como a de gêmeo digital, para acelerar o processo, que será mais rápido do que foi a adaptação para o gás natural”, comenta Tavares. A avaliação inclui uma colheitadeira de cana-de-açúcar movida a etanol, que está sendo testada em uma fazenda brasileira. O teste sinaliza uma das maiores vantagens que o etanol pode trazer: ele permitirá aos produtores fechar um ciclo, pois máquinas a álcool poderão ser usadas para colher a cana, que será depois utilizada para produzir o combustível que as moverão, aumentando a autossuficiência local, especialmente em áreas que são grandes produtoras de cana-de-açúcar, como o interior de São Paulo.

O avanço dos tratores a biometano, que já são comercializados desde 2022, também aposta nessa vantagem: é possível montar minicentrais para captar gases gerados nas fazendas e usá-los para abastecer as máquinas. A ideia é que o modelo possa atender até mesmo propriedades pequenas. Há um piloto da FPT em Mato Grosso do Sul, em que uma central local abastece dois caminhões e um trator de uma propriedade. O gás pode ser captado da decomposição de resíduos orgânicos e dejetos de animais.

“O produtor tem a redução de seus custos operacionais e tranquilidade no gerenciamento das atividades, pois se torna autossuficiente em produção e uso de combustível, ficando livre de todas as incertezas do mercado de combustíveis fósseis”, diz Eduardo Kerbauy, vice-presidente da New Holland para a América Latina. A marca vende no mercado brasileiro dois modelos de trator movidos a biometano. Kerbauy diz que as máquinas e a capacidade técnica já estão prontas, mas falta avançar na infraestrutura, como fomentar o mercado de criadores de estações de abastecimento, de purificação e transporte do gás, algo que a New Holland busca estimular. “Ainda falta, por parte do governo, uma política de incentivo a esse combustível, que é renovável”, afirma.

O modelo das centrais prevê ainda que o biometano possa ser usado para gerar energia elétrica, pela queima do gás. Isso abre tanto a possibilidade de aumentar o acesso à energia nas fazendas quanto a de abastecer veículos elétricos, outra frente em que os fabricantes agrícolas estão avançando.

A New Holland levou à Agrishow um protótipo de trator com motor elétrico, com 75 cv de potência, movido totalmente por baterias. O modelo pode ser carregado em 1 hora, com recarga rápida, e trabalhar por até 8 horas. Ele tem tomadas que podem ser usadas para ligar outros equipamentos, funcionando como uma bateria portátil de grande porte. A empresa calcula que ainda deve levar alguns anos para que ele chegue ao mercado.

Para Carlo Lambro, presidente global da New Holland, os elétricos vão avançar, mas o motor a combustão deverá prevalecer, por poder ser usado em mais tipos de trabalho no campo. “Os elétricos devem chegar a 15%, 20% do mercado, e 80% continuarão a ser um mercado de combustíveis fósseis. Há estudos para uso de etanol e de combustíveis sintéticos. Por mais que se avance na potência e nas aplicações [dos elétricos], será preciso um motor a combustão”, opina. Embora os tratores com motores limpos estejam ganhando espaço, o caminho para que eles saiam dos estandes e cheguem às fazendas ainda poderá ser longo.


Os novos motores

Como anda o avanço de novas tecnologias para mover máquinas agrícolas


Biometano

Status: à venda no mercado brasileiro

Vantagens: o gás pode ser produzido nas fazendas, o que reduz despesas

Desvantagens: falta rede de infraestrutura de manutenção e de distribuição


Etanol

Status: em estudos de campo

Vantagens: acesso fácil no mercado, com ampla rede de fornecedores. Preço mais em conta que o diesel. Pode ser produzido localmente onde se planta cana-de-açúcar

Desvantagens: o preço no mercado pode sofrer variações de acordo com a safra


Elétrico

Status: em estudos de campo

Vantagens: pode ser carregado diretamente na tomada, sem a necessidade de trazer combustível físico

Desvantagens: a autonomia, o tempo de abastecimento e a força do motor precisam passar por mais testes, e algumas fazendas não recebem toda a energia necessária


Acompanhe tudo sobre:1263AgriculturaEtanolCarros elétricos

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda