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Conta uma história?

Na Economia, ganha não necessariamente quem está certo, mas quem dispõe das melhores armas de retórica

Abundam exemplos de empresas cujos desempenhos mostram sólido crescimento de lucros, balanços fortes e performances acima das expectativas (Tatiana Gasich/Getty Images)

Abundam exemplos de empresas cujos desempenhos mostram sólido crescimento de lucros, balanços fortes e performances acima das expectativas (Tatiana Gasich/Getty Images)

Publicado em 22 de agosto de 2024 às 06h00.

Ao refletir sobre o desempenho brasileiro nos últimos meses, lembrei de uma antiga pichação em Brasília: “Chega de realizações, queremos promessas!”. Melhor esclarecer: ironia, claro. Agora, será que nem mesmo as promessas teremos? Qual história podemos contar? Desde Shakespeare, sabemos que palavras não pagam dívidas. Isso é evidente. Com Pérsio Arida e Deirdre ­McCloskey, no entanto, aprendemos a importância da retórica na Economia. Não é só que a narrativa cumpre certo papel — ela é determinante nos embates dialéticos. Ganha a disputa não necessariamente quem está certo, mas quem dispõe das melhores armas de retórica.

O capital entrará ancorado em qual promessa de retorno esperado? Sonhamos em ser o país do futuro, acordamos submersos entre as raízes do Brasil profundo. A forma como lidamos com empresas de capital misto ou mesmo companhias já privatizadas evidencia os velhos traços do “homem cordial”, nossa incapacidade secular de separar a vida pública da privada. Tratamos instituições de Estado como extensões da família. Há certo restauracionismo no ar, com insistência em ressuscitar velhas práticas fracassadas. O conteúdo nacional na indústria de petróleo, conselheiros e diretores amigos nas estatais, a indústria naval, o PAC...

A expansão da despesa pública simboliza a noção de que o dinheiro da viúva não tem dono. O gasto público cresce 10% ao ano, mais do que a receita, mais do que o Orçamento, mais do que o previsto no arcabouço. Ainda não há necessariamente crise fiscal, mas essas coisas têm um pouco de profecia autorrealizável. Problemas fiscais são como a máxima de José Dias, o agregado de Dom Casmurro que amava superlativos: “A premissa antes da consequência, a consequência antes da conclusão”.

Começamos o debate formal do Orçamento de 2025. Chegamos a uma encruzilhada. A sociedade e o Congresso emitem sinal claro de esgotamento da estratégia de realizar o ajuste fiscal pelo caminho da receita. A sanha arrecadatória encontra resistência, sem tolerância a aumentos adicionais de carga tributária. O governo terá de fazer uma escolha: ou caminha para um ajuste nos gastos, ou enfia o pé na tábua. Se for a primeira opção, então é o cenário construtivo. Há tempo e condições para ajustar a rota, sobretudo diante de um cenário internacional mais benigno, que permite complacência com riscos no horizonte.

Não é pouca coisa o que está acontecendo lá fora. Depois de anos de juros altos nos países desenvolvidos e debatendo eventual superaquecimento da economia americana, o pêndulo migra na outra direção. A discussão recai sobre a probabilidade de recessão nos EUA. A desaceleração da economia, o resfriamento do mercado de trabalho e a inflação mais bem-comportada já são realidade. Há consenso sobre o início do afrouxamento monetário pelo Fed em setembro. A dúvida é sobre seu tamanho e sua extensão. Se o mercado local esteve entre os mais prejudicados pelo juro alto no exterior, seria natural figurarmos agora entre os maiores beneficiados do afrouxamento.

Em paralelo, o frenesi em torno da inteligência artificial já não é mais o mesmo. Se o juro vai cair nos Estados Unidos, podemos (ou devemos) comprar ações de empresas mais sensíveis ao menor custo do dinheiro. O clássico value investing e as ações da velha economia ganham atratividade relativa. O interesse concentrado no crescimento dos lucros das empresas de IA dragou recursos de todo mundo nos últimos anos. Agora, se não teremos mais esse crescimento todo, buscamos expansão de lucros em outros lugares. O segundo grande inimigo do fluxo de recursos para o Brasil também está enfraquecido. Quando um bull market se encerra, outro começa, em nicho diferente do anterior.

Enquanto isso, no Brasil, tiramos o olho da bola. Circunstancialmente, nos esquecemos de que ações são empresas e, portanto, deveriam andar com os lucros corporativos. A temporada de resultados relativa ao segundo trimestre serviu para lembrar da máxima de Warren ­Buffett: “Se os negócios vão bem, no final as ações acabam seguindo”. Abundam exemplos de empresas cujos desempenhos mostram sólido crescimento de lucros, balanços fortes e performances acima das expectativas. Além disso, os juros são agora menores — não temos a ­Selic caminhando para 8%, como se especulou no começo do ano, mas 10,5% já é bem diferente de 13,75%.

Depois de um longo período ruim para os mercados locais, a mudança de paradigma no exterior combinada a resultados corporativos bastante bons internamente coloca uma oportunidade formidável à frente. Para isso, claro, precisamos fazer nossa lição de casa. Ora, mas e se não fizermos? E se a opção não for por um mínimo controle de gastos e mandarmos às favas o ajuste fiscal?

Se for o caso, contrataremos um exemplo de livro-texto daquelas crises típicas de mercados emergentes. A desconfiança com a trajetória da dívida gera uma disparada da taxa de câmbio. Com o dólar a 7 reais, o preço dos tradables sobe bastante. Por meio do repasse cambial, os demais preços da economia vão sendo afetados. A maior inflação obriga a subida da Selic. Entramos em 2026 com severa recessão, cujo desdobramento sócio-político é uma perda da popularidade do governo.

Se a situação é impopular, a oposição emerge mais forte. Conforme nos aproximamos do fim de 2024, o horizonte de projeções se dilata e o mercado começa a falar no “trade Tarcísio”. Ao descontrole fiscal e ao capitalismo de Estado se opõe uma perspectiva mais austera nas contas públicas e mais favorável às forças de mercado.

A privatização da Sabesp é exemplo de que o Brasil segue capaz de fornecer boas notícias e realizar coisas difíceis. Cerca de 69 bilhões de reais serão destinados à universalização do saneamento básico em São Paulo até 2029, com meta de atender 99% da população com água potável e pelo menos 90% com coleta e tratamento de esgoto. Conquistamos assim melhorias esperadas para um dos mais relevantes indicadores sociais. Os investidores da oferta pública puderam comprar com desconto ações de uma empresa de ótima qualidade. Boas notícias para todos os envolvidos.

Se formos pelo caminho adequado do ajuste fiscal, então teremos de imediato o cenário positivo. Já se enveredarmos pela estrada errada, estaremos quase automaticamente fomentando uma alternativa para 2026. Na matriz de possibilidades, apostar agora não parece má ideia. Assim construímos uma bela narrativa para investidores de longo prazo.

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