Revista Exame

Conheça Bruno Pôssas, o homem que tem a fórmula do Google

O engenheiro Bruno Pôssas lidera a equipe de pesquisas do Google em Belo Horizonte, uma das mais ativas na melhoria do sistema de busca mais popular do mundo


	Pôssas: três das dez mudanças mais importantes no buscador do Google foram feitas pela equipe dele
 (Pedro Silveira/Exame)

Pôssas: três das dez mudanças mais importantes no buscador do Google foram feitas pela equipe dele (Pedro Silveira/Exame)

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Da Redação

Publicado em 31 de março de 2016 às 05h56.

Belo Horizonte — A maioria das pessoas nunca parou para pen­sar como uma busca no Google com as palavras “João” e “pessoa” leva hoje a sites sobre a capital da Paraíba, e não mais a uma página qualquer contendo os dois termos. Se hoje o Google entende o significado dessa busca, muito se deve ao trabalho do cientista da computação Bruno Pôssas, um mineiro de 38 anos que sempre morou em Belo Horizonte.

Em 2005, Pôssas propôs em sua tese de doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) um sistema de busca que levasse em consideração a frequência com que duas ou mais palavras aparecem juntas. O modelo era inédito e gerava resultados até 30% melhores, um ganho muito acima da média.

Na época do doutorado, Pôssas começou a trabalhar no escritório de engenharia do Google em Belo Horizonte, e seu primeiro grande projeto foi justamente aplicar sua tese ao sistema de busca. Após 11 anos de trabalho, o mineiro tornou-se um dos engenheiros de soft­ware mais reconhecidos da empresa. Ganhou as principais premiações internas e foi promovido quatro vezes.

Hoje, ele é engenheiro-chefe e lidera uma equipe de 41 especialistas no Brasil. “Do ponto de vista da engenharia da computação, o time de Belo Horizonte é um dos mais qualificados do mundo.” Quem diz isso é o brasileiro Hugo Barra, ex-vice-presidente do Google, responsável pelo sistema Android, que atualmente está à frente da expansão global da fabricante de smart­phones chinesa Xiaomi. 

O Google é uma das empresas de internet que mais investem em pesquisa. No ano passado, foram aplicados 12,3 bilhões de dólares na área. Em reais, o valor é um pouco abaixo do faturamento anual da fabricante de bebidas Ambev, maior empresa brasileira em valor de mercado. Quase todo o gasto é com pessoal. Dos 61 800 funcionários, 23.300 são da área de pesquisa.

Eles trabalham em um dos 30 centros de desenvolvimento da empresa no mundo aprimorando produtos como os sistemas de busca e de anúncios, o site de vídeos YouTube e o correio eletrônico Gmail. Sem contar a sede, que fica na cidade de Mountain View, na Califórnia, apenas os escritórios de Nova York, Zurique, Tóquio e Belo Horizonte trabalham com o mecanismo de busca, o principal produto da empresa.

Entre esses quatro escritórios, o único que tem acesso irrestrito ao coração do sistema de busca é o comandado por Bruno. “Trabalhamos em todos os códigos que ordenam os resultados de busca no mundo inteiro. É como se mexêssemos na fórmula da Coca-Cola”, afirma Pôssas.

Avanços

A confiança nos brasileiros foi cons­truí­da com base em conquistas importantes. Três das dez principais mudanças já feitas na busca do Google foram realizadas por Pôssas e sua equipe. Uma delas foi considerada a segunda mais importante nos 17 anos da empresa, com impacto em 30% das atuais buscas no mundo.

A cada pesquisa, pelo menos um dos dez primeiros resultados só está lá por causa do trabalho de Pôssas. O brasileiro ainda faz parte de um comitê global de 20 engenheiros que decidem quais mudanças serão adotadas no buscador (são cerca de 200 por ano).

“Além de liderar a equipe, ele consegue pôr a mão na massa. Essa é uma característica muito valorizada”, diz Diego Nogueira, engenheiro de software que trabalhou oito anos no escritório. Nas últimas duas décadas, o talento de engenheiros locais e o grande merca­do consumidor brasileiro fizeram com que empresas do setor de tecnologia abrissem escritórios de pesquisa por aqui. 

A fabricante de eletrônicos corea­na Samsung, por exemplo, tem três centros com 1.000 funcionários. Os dois braços da empresa americana Hewlett-Packard, o de serviços em tecnologia e o de fabricação de impressoras, mantêm um centro em Porto Alegre com mais de 1.200 pessoas. A multinacional de tec­nologia IBM tem laboratórios em São Paulo e no Rio com 100 pesquisadores.

Entre as grandes empresas da internet, como Facebook, Amazon, Netflix, eBay e Twitter, no entanto, a moda do centro de pesquisa de engenharia local não pegou. A exceção é o Google. Em 11 anos, o número de engenheiros de software do escritório de Belo Horizonte passou de 20 para 100 e, ao todo, já foram investidos 200 milhões de dólares na operação.

Agora a equipe vive o período de maior expansão. No dia 21 de março, os engenheiros se mudaram para um novo escritório na capital mineira com 4 800 metros quadrados, o dobro do tamanho do anterior. Nos próximos três anos, independentemente do que aconteça na economia brasileira, a meta é chegar a 200 engenheiros.

O tipo de profissional valorizado pelo Google tem pelo menos mestrado em ciência da computação, é formado nas me­lhores universidades do país ou do ex­terior e, principalmente, tem habilidade para resolver problemas e buscar grandes desafios por iniciativa própria. Ou seja, é um tipo raro de encontrar.

Muitas vezes, nem os melhores desenvolvedores em atividade nas empresas de software tradicionais se adequam às exi­gências. “A maioria dos recém-contratados nunca teve de pensar nos problemas com que lidamos aqui, criando produtos para centenas de milhões de pes­soas”, diz o americano Brian Zaki, diretor de recrutamento em Belo Horizonte.

Em alguns casos, a localização do es­critório é um ponto negativo para atrair talentos. Muitos dos engenheiros que vêm de outros estados acabam voltando para a cidade natal depois de uns anos. A baixa oferta de voos internacionais faz com que os estrangeiros pensem duas vezes antes de se mudar para a cidade.

Uma forma de compensar a dificuldade é oferecer salários acima da média do mercado e também os passatempos típicos de uma empresa de tecnologia.

Um dos quatro andares do novo prédio em Belo Horizonte tem mesas de bilhar e pingue-pongue, fliperama, um estúdio de música e paredes de escalada. Lanches, doces e bebidas são servidos de graça. Em outro andar, há academia, sala de massagem e lava-roupas.

“Já pensamos em abrir outros escritórios no Brasil e na América Latina. Chegamos a visitar o Chile e a Argentina, mas concluímos que a formação de engenheiros era pequena na região para sustentar outro escritório. Então decidimos concentrar e fortalecer as pesquisas em Belo Horizonte”, diz Berthier Ribeiro-Neto, diretor do centro na capital mineira.

 Ribeiro-Neto é professor de ciência da computação na UFMG e um dos fundadores da Akwan, empresa que tinha uma tecnologia de busca usada por grandes empresas brasileiras. A Akwan foi comprada em 2005 pelo Google e, até hoje, é a única das 189 aquisições da empresa em um país emergente. Foi dela que nasceu o escritório de engenharia.

“Até hoje a Akwan é um ponto fora da curva. Ela foi fundada por pesquisadores que fugiram do modelo tradicional da academia e decidiram empreender”, diz Guilherme Emrich, sócio do fundo de investimento FIR Capital e investidor da Akwan.

Sem esse esforço, pessoas como o engenheiro Bruno talvez nunca tivessem pisado no Google. Para o Brasil repetir casos de sucesso assim, o caminho é o aberto pelos mineiros.

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