Revista Exame

Conheça as empresas que abraçaram a causa LGBT no Brasil

Como um grupo de empresas começa a mudar rotinas e políticas para tornar o ambiente de trabalho mais amigável para funcionários LGBT

Advogados do TozziniFreire: equipe de discussão LGBT (Germano Luders/Exame)

Advogados do TozziniFreire: equipe de discussão LGBT (Germano Luders/Exame)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 18 de junho de 2017 às 06h00.

Última atualização em 18 de junho de 2017 às 06h00.

São Paulo — Aos 45 anos, 21 do quais como advogado no tradicional escritório TozziniFreire, o paulistano Vladimir Miranda Abreu acostumou-se a tratar de um assunto que,  em geral, surge de maneira constrangedora em reuniões de trabalho. Uma das ocasiões mais marcantes em que ele ouviu um comentário homofóbico nesse contexto ocorreu há mais de uma década. Um dos integrantes do grupo fez uma piada em referência a outro que acabara de sair da sala. Em seguida, voltou-se para Abreu e emendou: “Não se preocupe, não faria esse comentário sobre você, que nem parece gay”.

Desde o dia 31 de maio, Abreu é um dos quatro sócios do TozziniFreire declaradamente gays que iniciaram a formação de uma equipe para debater a inclusão de LGBTs (sigla para lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) na empresa. O TozziniFreire já oferece benefícios para cônjuges do mesmo sexo antes mesmo da formalização da união homoafetiva em 2011. Agora pretende tomar outras medidas para promover um ambiente de trabalho mais amigável para LGBTs. “É uma tremenda evolução que a discussão se volte para políticas mais práticas e afirmativas”, diz Abreu.

O escritório integra um grupo restrito, embora crescente, de empresas que adotaram a bandeira no Brasil. Hoje, o TozziniFreire é a mais nova participante entre as 37 signatárias do Fórum de Empresas e Direitos LGBT, criado em 2013 para  discutir práticas corporativas nessa seara. A maioria — 32 delas — é composta de subsidiárias de empresas europeias ou americanas. Mas, entre as 16 que aderiram desde o início do ano passado, estão as cinco primeiras de origem brasileira. Três delas, curiosamente, atuam num setor considerado conservador, o jurídico.

O primeiro foi o escritório Trench, Rossi e Watanabe, que aderiu em outubro do ano passado. Em abril, foi a vez do Mattos Filho. Neste mês, seus sócios deram um passo além — prepararam-se para decorar com bandeiras coloridas a fachada da empresa para a 21ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo no dia 18 de junho. Pela primeira vez, um grupo de funcionários se organizou para participar do evento.

O Mattos Filho, assim como outras signatárias do Fórum de Empresas e Direitos LGBT, firmou dez compromissos, como garantir o envolvimento de todos os executivos e promover ações para a comunidade. Neste ano, o escritório começou a auxiliar gratuitamente transgêneros a alterar o nome em documentos. “Há muitas medidas práticas que começam a ser adotadas”, afirma Reinaldo Bulgarelli, secretário executivo do fórum e sócio-diretor da consultoria Txai.

A criação de um grupo de discussão costuma ser o primeiro passo das empresas dedicadas ao tema. Angariar adeptos, porém, pode levar tempo. Na subsidiária da empresa de tecnologia alemã SAP,  surgiram apenas dez voluntários no primeiro ano, em 2012. Para avançar, foi aberta a participação para aliados. Ou seja, não precisa ser gay para aderir. Hoje, 420 funcionários tornam o grupo brasileiro o mais numeroso da companhia no mundo, equivalente a 25% dos funcionários locais. “Há um duplo benefício na inclusão de aliados”, diz Niarchos Pombo, líder de diversidade e inclusão, cargo criado em abril de 2016 na SAP do Brasil. O primeiro é atrair LGBTs não assumidos. No Brasil, estima-se que apenas 35% dos funcionários gays estão fora do armário, segundo a consultoria holandesa OutNow. Com o tempo, alguns podem se sentir à vontade para falar de sua orientação sexual.

No grupo da fabricante de bebidas Ambev, um funcionário revelou sua orientação apenas dentro da empresa — para a família, ainda mantém segredo. “Com a formação do grupo, ele se sentiu seguro”, diz Fabio Kapitanovas, vice-presidente de gente e gestão da Ambev. No escritório Mattos Filho, os colegas da advogada Renata Hollanda só souberam de sua orientação sexual no dia em que a equipe de afinidade LGBT foi criada e, desde então, ela é líder do projeto. Outro benefício de atrair aliados é que eles ajudam a fortalecer a causa. “Com o apoio da liderança, o ambiente se torna acolhedor para a diversidade”, diz Fernando Serec, presidente do Tozzini Freire, que participa do grupo mesmo não sendo gay.

Algumas empresas veteranas começam a avançar em temas delicados, como a inclusão de transexuais e travestis. O varejista Carrefour, que tem comitê de diversidade desde 2013, já deu formação técnica a 80 transgêneros desde janeiro, em parceria com várias instituições. Outros 120 deverão passar pelo programa neste ano. A química Dow busca jovens aprendizes de 14 a 24 anos de idade com esse perfil desde fevereiro de 2016. Para incluí-los, essas empresas permitem a adoção do nome “social” em crachás e e-mails e preparam os colegas para recebê-los.

Na Procter & Gamble, o gerente de tecnologia da informação, Aaron Flynn, é minoria entre os transgêneros do país. Líder do grupo LGBT da empresa, ele iniciou a troca de nome e visual há quase três anos. Foi o primeiro — e ainda é o único — a comunicar a decisão ao RH no -país. Na transição, conta com o apoio do grupo criado aqui em 2010 e com 24 anos de existência no mundo. Paula Miyuki, consultora de negócios da SAP, trabalhou a distância durante nove meses, enquanto fazia a transição de sexo. Na volta, seu psicólogo foi à empresa explicar o processo aos colegas. “Alguns pararam de falar comigo”, afirma.

O retrato geral do país ainda mostra uma intolerância brutal. “Há um abismo entre escritórios de grandes centros e a realidade em outras regiões”, diz Ricardo Sales, consultor de diversidade e pesquisador na Universidade de São Paulo. No ano passado, 343 LGBTs foram mortos no Brasil. Para empresas engajadas, expandir práticas para além das sedes é um desafio. A Ambev planeja levar a discussão da matriz, em São Paulo, para seis regionais. Na P&G, pela primeira vez funcionários de fábricas localizadas em cidades tão diferentes como Manaus, no Amazonas, e Seropédica, no Rio de Janeiro, receberão treinamento nos meses de julho e agosto. É um longo caminho, mas as mudanças — mesmo que lentamente — começam a ganhar escala.

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