Alberto Griselli, da TIM, e Rafael Miotto, da CNH Industrial: a ideia é aumentar o número de fazendas conectadas com internet no Brasil (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter especial de Macroeconomia
Publicado em 25 de abril de 2024 às 06h00.
Última atualização em 25 de abril de 2024 às 08h38.
Plantar e colher, no Brasil e no mundo, já foram atividades braçais e ganharam destaque com a mecanização intensiva do campo no último século. Os ganhos de produtividade com o desenvolvimento e o uso de colheitadeiras, plantadeiras e tratores mecanizados garantiram ao país o selo de celeiro do mundo. Agora um novo ganho de eficiência no campo depende da disrupção tecnológica. E em sua base está a oferta de conectividade com a internet. Nessa área, entretanto, o Brasil ainda engatinha.
Os últimos dados disponíveis do Censo Agropecuário, de 2017, mostraram que 3,6 milhões dos 5 milhões de estabelecimentos rurais brasileiros não tinham acesso à internet — metade desse contingente em fazendas localizadas no Nordeste. Em abril, a Conectar Agro, associação que reúne grandes empresas de telecom e do agronegócio, mostrou que 37% das propriedades rurais têm cobertura 4G — e somente 19% da área disponível para uso agrícola no Brasil tem acesso a essa tecnologia de conexão. Mas, se a história lembra um copo meio vazio, há motivos para animação.
Na última edição da EXAME Agro, apresentamos o tamanho do desafio de conectar as propriedades rurais brasileiras. Agora é a vez de mostrar como algumas empresas enxergam oportunidades de negócios para ajudar a diminuir esse gap estrutural. A operadora TIM e a fabricante de máquinas e serviços CNH Industrial se uniram para oferecer conectividade 4G em 1 milhão de hectares. Nessa parceria comercial, um cliente da CNH que desembolsa 15 milhões de reais na compra de tratores, colheitadeiras e outros equipamentos tem direito a uma antena da TIM, que leva “sinal” de celular e internet a até 40.000 hectares. Com isso, o agricultor pode contratar um pacote de serviços com valor mínimo entre 4.000 e 6.000 reais que garante acesso a telefonia e internet. Todos os projetos são abertos, o que beneficia os pequenos municípios próximos às fazendas.
Por ora, a proposta ainda atende grandes produtores, mas traz benefícios indiretos para os pequenos municípios que rodeiam as fazendas. Nas contas das duas empresas, as compras realizadas garantiram cobertura para 1 milhão de hectares, beneficiarão 60.000 pessoas no campo, cobrirão mais de 2.000 propriedades rurais e mais de dez escolas públicas rurais localizadas, principalmente, em Mato Grosso. “A cada implantação de antena pensando na digitalização da propriedade percebemos benefícios sociais e econômicos”, afirma Rafael Miotto, presidente da CNH Industrial para a América Latina. “Os agricultores passam a ter celular e internet. Isso muda a dinâmica de uma fazenda.”
A parceria das duas empresas para democratizar o acesso à internet no campo começou em 2019, por meio do projeto Conectar Agro, que se tornou uma associação no ano seguinte e, atualmente, conta com sete associados e mais de 15 apoiadores. Segundo a entidade, foram conectados mais de 14 milhões de hectares, que beneficiaram mais de 1 milhão de pessoas em 13 estados diferentes.
Antes de lançar o projeto comercial que vai conectar 1 milhão de hectares, TIM e CNH fizeram um projeto-piloto no município de Água Boa, em Mato Grosso, em uma fazenda de 3.000 hectares. A propriedade recebeu conexão 4G, o que beneficiou 16.000 pessoas de comunidades no entorno da cidade, 93 propriedades rurais, 21 escolas e mais de 6.000 alunos. Além disso, os resultados das safras de 2022 e 2023 foram analisados para calcular o impacto da conectividade no negócio. Com internet e máquinas totalmente conectadas, a fazenda atingiu uma produtividade 7,4% maior que a média da região, 7,6% superior à média de Mato Grosso e 13,4% maior que a média brasileira, nas contas das companhias.
Com a conectividade, a safra de 2023 foi 18% mais produtiva que a anterior. Além disso, foi registrada uma queda de 25% no consumo de combustível, com aumento de 4,2% no tempo trabalhado. Na prática, isso reduziu em três dias a janela de colheita. Com a redução no gasto com diesel, as emissões de carbono diminuíram 10%. “O lançamento da fazenda conectada demonstra o impacto da conectividade na produtividade. Temos como meta em 2024 levar conexão para 4 milhões de hectares no campo e aumentar nossa área de 16 milhões de hectares para 20 milhões de hectares”, diz Alberto Griselli, CEO da TIM Brasil.
As oportunidades de negócios no campo e em outros setores têm ajudado a aumentar o faturamento da operadora. A oferta de serviços para o agronegócio, o setor de logística, utilities e a indústria garantiram 300 milhões de reais em receitas para a TIM nos últimos 18 meses.
Matheus Ferreira, do Instituto Confederação Nacional da Agricultura (CNA) , afirma que a ausência de conectividade no campo impacta os ganhos de produtividade e a sucessão familiar dos negócios. Os filhos dos produtores não querem permanecer no campo sem acesso à internet. A segurança nas fazendas também se tornou um problema, explica Ferreira. Em alguns casos, por exemplo, comunicar um roubo para uma autoridade policial pode demorar de dois a três dias.
Segundo Ferreira, iniciativas como a da TIM e da CNH são importantes e ajudam a aumentar a conectividade no país. Mas o investimento público, afirma o executivo, é fundamental para levar antenas ou fibra óptica para um número maior de brasileiros. A CNA afirma que duas políticas públicas podem aumentar de maneira considerável o nível de acesso à internet no campo. A primeira é acelerar a instalação das antenas de 5G nas rodovias federais concedidas, como previu o leilão realizado pelo governo. “O cronograma de instalação tem sido cumprido, mas acelerar esse processo traria muitos benefícios”, afirma Ferreira.
Além disso, a CNA defende direcionar parte dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para conectar o campo. Em paralelo a esse trabalho com o setor público, a entidade setorial tem realizado testes de conectividade com satélites de baixa órbita nas cinco regiões do país. Segundo Ferreira, os resultados de velocidade, conectividade e latência têm sido positivos. “Levar mais conectividade para o campo tem potencial para provocar ganhos de produtividade robustos no Brasil”, diz Ferreira.
Produzir mais em menos espaço é o desafio do mundo. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) revelam que a população humana será de quase 10 bilhões em 2050. Isso significa que será necessário dobrar a quantidade de alimentos produzidos agora. E a conectividade será fundamental nesse processo. Empresas e governos terão de trabalhar em conjunto para esse novo velho desafio estrutural do país.