Revista Exame

Falta um bom ambiente para a infraestrutura melhorar no país

O governo entendeu: a infraestrutura só vai melhorar com a participação do setor privado. Falta criar um ambiente que favoreça os investimentos, segundo os participantes do EXAME Fórum Infraestrutura

O que fazer para ter bons aeroportos: discussão entre o ministro da Secretaria de Aviação Civil, Moreira Franco (à esq.), Philippe Vuaillat, do Grupo Egis, e Cleveland Teixeira, da consultoria Microanalysis, mediada pelo editor de EXAME Lucas Amorim (Felipe Varanda/EXAME)

O que fazer para ter bons aeroportos: discussão entre o ministro da Secretaria de Aviação Civil, Moreira Franco (à esq.), Philippe Vuaillat, do Grupo Egis, e Cleveland Teixeira, da consultoria Microanalysis, mediada pelo editor de EXAME Lucas Amorim (Felipe Varanda/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 12 de dezembro de 2013 às 17h05.

São Paulo - O poeta florentino Dante Alighieri escreveu no clássico A Divina Comédia que os indecisos, que não tomam posições claras e firmes, não vão nem para o céu nem para o inferno — são enviados a uma espécie de antessala do inferno e condenados a passar a eternidade sendo perseguidos e picados por vespas.

No universo fantasioso do poeta, algumas cabeças de Brasília já estariam correndo o risco de ter um destino cruel, pelo modo como conduzem as concessões públicas para melhorar a infraestrutura brasileira. Depois de muito bate-boca e idas e vindas, o governo emite sinais de que entende a necessidade de ter o setor privado como parceiro para reduzir as deficiên­cias em diversas áreas. Mas, para onde quer que se olhe, persistem hesitações e dúvidas que vão atrasando as soluções para portos, rodovias, ferrovias e aeroportos.

Nas últimas semanas, foram adotadas várias medidas para tentar passar mais segurança aos investidores. Foram criadas novas regras e alterados editais das concessões previstas para aeroportos e ferrovias. As iniciativas têm se mostrado quase sempre inócuas.

Mudar essa situação é o principal desafio do governo, segundo os participantes do EXAME Fórum Infraestrutura, realizado no dia 22 de outubro, no Rio de Janeiro. Autoridades, economistas, empresários e consultores debateram sobre como estimular as concessões para destravar os investimentos em infraestrutura.

Uma coisa é certa: será preciso um baita investimento para tirar o país do caos logístico. A conta foi estimada em 5 trilhões de reais nos próximos 20 anos pela consultoria McKinsey. O valor é o necessário para o Brasil igualar a média mundial de estoque de investimentos em relação ao PIB.

A consultoria calcula que todas as estradas, portos, aeroportos e ferrovias do Brasil somem o correspondente a 48% do produto interno bruto. A média mundial é de 71% — ou seja, estamos atrasados. O estudo mostra que, atualmente, há projetos de investimentos num total de 1 trilhão de reais. É preciso muito mais.

“Durante os últimos 20 anos, pouco foi feito, nossa infraestrutura foi degradada e hoje se tornou um grande problema”, disse o ministro Moreira Franco, da Secretaria de Aviação Civil, um dos participantes do Fórum. “Temos pouca experiência em concessões e estamos aprendendo na prática.”

O governo federal foi representado também por Mauro Borges Lemos, presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Os debatedores disseram crer que pelo menos parte das concessões se concretize.


A questão é que o aprendizado citado por Moreira Franco vai tornando o processo mais lento e mais caro do que poderia ser. “Investimentos em infraestrutura dependem de planejamento, regulação e gestão”, disse o economista Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados. “Tudo isso está em falta, o que aumenta a percepção de risco do investidor.”

A impressão é que realmente os técnicos do governo vão testando na prática os modelos. Tome-se o exemplo das concessões de aeroportos. O jogo de tentativa e erro começou no leilão dos terminais de Brasília e dos paulistas Cumbica e Viracopos, no início de 2012, quando o governo quis empurrar a Infraero como sócia majoritária dos consórcios.

Ouviu uma sonora vaia e foi obrigado a manter a estatal como minoritária. Nos novos leilões, de Galeão, no Rio de Janeiro, e Confins, em Minas Gerais, marcados para 22 de novembro, outro teste foi feito. Ficou estabelecido a princípio que só poderiam fazer lances para o Galeão empresas com experiência em operar aeroportos com movimentação anual de pelo menos 35 milhões de passageiros.

Para Confins, o mínimo exigido era 20 milhões de passageiros por ano. O Tribunal de Contas da União mandou baixar os requisitos para 22 milhões de passageiros, no caso do Galeão, e 12 milhões, para Confins. No meio da discussão, descobriu-se que, para assegurar maior concorrência, os editais proibiam um mesmo consórcio de participar dos dois leilões.

Foi detectado o risco de uma preferência para o Galeão, mais atraente do que Confins. E, de novo, o governo teve de mudar as regras. As empresas agora podem participar das duas disputas e escolher um dos aeroportos em caso de vitória.

Outra área em que o governo parece ter adotado a pedagogia do “é fazendo que se aprende” está na promessa de concessões de 11 000 quilômetros de estradas de ferro. No modelo traçado, a estatal Valec compraria a capacidade de uso das ferrovias para revendê-la a operadores.

A proposta, porém, não tem convencido os possíveis investidores. Em primeiro lugar, a Valec é uma estatal com histórico de ineficiência e corrupção. E, em segundo, não há garantias de que ela vá honrar os pagamentos ao longo de contratos que podem passar de 25 anos.

Diante da desconfiança, o governo fez um aporte de 15 bilhões de reais na estatal. Mesmo assim não convenceu. Então criou um decreto que a obriga a adotar mecanismos de governança corporativa, como se fosse uma empresa de capital aberto. E, para tentar romper com a má fama, a Valec deve mudar seu nome para Empresa Brasileira de Ferrovias.

O que o governo deveria fazer? Antes de tudo, segundo os especialistas, qualquer mudança, para ter credibilidade, deveria vir por meio de leis aprovadas no Congresso, e não por decretos do Executivo, que podem ser rapidamente revogados. Uma saída apontada para eliminar o risco da Valec seria trocar a ideia de fazer concessão das novas ferrovias por parcerias público-privadas, que têm instrumentos jurídicos confiáveis e dariam mais segurança de cumprimento dos contratos.


“Soluções criativas não funcionam”, diz o advogado Bruno Werneck, sócio do escritório Mattos Filho. “O investidor quer garantias orçamentárias.” Não é demais lembrar que, em 11 anos dos governos Lula e Dilma, nenhuma PPP federal saiu do papel. Já no Rio de Janeiro, conforme disse o prefeito Eduardo Paes, há quatro PPPs em curso, entre elas a maior do Brasil, o projeto Porto Maravilha, no valor de 7,6 bilhões de reais.

A postura de Brasília tem levado especialistas a pensar até que ponto o setor privado é realmente bem-vindo. “O governo aceitou a contragosto a participação privada”, disse o economista Armando Castelar, da Fundação Getulio Vargas. “Mas criou condições duras. Agora tem de correr atrás para trazer o investidor de volta.”

Além de se perder num labirinto de regras e editais, o Planalto continua a causar instabilidade com a forma como trata as agências reguladoras. Desaparelhadas e sem autonomia, as agências pecam no papel óbvio e único de regular. 

O Executivo tem assumido para si essa função. Exemplo: após a frustrada tentativa de levar a leilão a BR-262, entre Minas Gerais e Espírito Santo, o ministro dos Transportes, César Borges, atribuiu parte do fracasso à ANTT, a agência responsável por rodovias e ferrovias. Determinou, então, que qualquer manifestação da agência fosse subordinada a ele.

Na prática, tirou a independência da agência. “Quando eu tenho de sentar com o ministro dos Transportes, e não com o presidente da ANTT, para discutir problemas de regulação, algo está muito errado”, disse o presidente de uma empresa que participa dos leilões. Ao Poder Executivo cabe a função de planejar as políticas para o setor. Mas até nisso parece haver indefinição.

Quem decide? O Ministério dos Transportes ou a Casa Civil? E a Empresa de Planejamento em Logística, criada no ano passado, para dar impulso às concessões? Pouco mais de um ano depois de ter assumido a função, o presidente da EPL, Bernardo Figueiredo, está de saída.

Disputas com a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, seriam um dos motivos. “Há um excesso de tomadores de decisão, e isso gera insegurança”, diz Carlo Bottarelli, presidente da Triunfo Investimentos. Ou o governo escapa desse vespeiro, ou pode ser condenado a passar a eternidade fugindo das vespas.

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